A rejeição dos líderes políticos tradicionais nos países avançados tem a sua origem numa abordagem muito pouco igualitária da globalização, marcada pela recusa em ajudar as pessoas cujos níveis de vida estagnaram ou caíram, e a relutância em partilhar os benefícios gerados pelo progresso tecnológico.
Há quinze anos em "A grande desilusão", sublinhei a crescente oposição dos países em desenvolvimento com as economias emergentes da globalização. Aí estava um fenómeno aparentemente misterioso: tinham dito aos habitantes que a globalização iria melhorar as suas vidas. Então porque tantos se opuseram a isso?
Hoje, nos países desenvolvidos, dezenas de milhões de pessoas tornaram-se, também, adversárias da globalização. As sondagens mostram que a organização de comércio é uma das principais causas do descontentamento de muitos americanos, e o mesmo fenómeno se observa na Europa.
Como é que a globalização, que, de acordo com os nossos líderes políticos (mas também muitos economistas) seria benéfica para todos, se tornou tão impopular? Certos economistas neoliberais, favoráveis à globalização, argumentam que é realmente benéfica, mas na realidade eles não sabem nada disso. Para eles, o descontentamento manifestado releva da psiquiatria, não da economia.
Mas, ao ver as estatísticas disponíveis sobre os rendimentos, pode ser que sejam os neoliberais a precisar de um psiquiatra. Uma parte significativa da população dos países desenvolvidos viu os seus rendimentos estagnar: nos Estados Unidos, excepto a 10% mais ricos, isso acontece com toda a população de mais de trinta anos. O rendimento médio dos trabalhadores do sexo masculino é menor, em termos reais (descontada a inflação), do que era há quarenta e dois anos. E na parte inferior da escala, o nível de salários é comparável ao que foi há sessenta anos.
As dificuldades económicas e a desagregação social que as acompanham reflectem-se ainda na esperança de vida. Dois economistas Anne Case e o Prémio Nobel de Economia de 2015, Angus Deaton, mostraram que a expectativa de vida de determinadas categorias de americanos brancos diminuiu. A situação é melhor, mas apenas ligeiramente, na Europa.
No seu novo livro, " DesigualdadeGlobal: Uma Nova Abordagem para a Era da Globalização", Branko Milanovic identifica claramente os vencedores e perdedores do período 1988-2008 em termos de rendimentos. Entre os vencedores estão os 1% mais ricos do mundo, a plutocracia global, mas também as classes médias que cresceram nos países emergentes. Os perdedores (aqueles cujos rendimentos não aumentaram ou aumentaram muito pouco) encontram-se particularmente nos países desenvolvidos. São as suas classes médias e trabalhadoras, bem como os da parte parte inferior da escala social.
A globalização, ao não cumprir as promessas que se poderiam esperar do que afirmavam os líderes políticos, abalou a confiança de toda uma parte da população no "establishment". Além disso, os Estados estabeleceram planos de contingência generosos para os bancos na origem da crise financeira de 2008, sem fazerem grande-coisa pelas pessoas.
Nos Estados Unidos, os republicanos do Congresso opuseram-se mesmo à assistência às vítimas directas da globalização. De um modo mais geral, os neoliberais, aparentemente preocupados com um possível efeito desmotivador, opuseram-se a medidas para proteger os perdedores. Mas eles não podem ficar com a manteiga e o dinheiro da manteiga: se a globalização beneficia a maioria, devemos proteger a minoria dos perdedores. Os escandinavos entenderam isso há muito tempo. Isso faz parte do contrato social de uma sociedade aberta - aberta à globalização e à mudança tecnológica. Os neoliberais não o compreenderam - e agora com as eleições nos Estados Unidos e na Europa, eles vão ter o que merecem.
A globalização é, obviamente, apenas um elemento da situação, a inovação tecnológica é outra. Esta abertura e estas mudanças eram supostas fazerem-nos ricos, mas os governos dos países avançados não fizeram muito para que seus benefícios fossem mais equitativamente partilhados.
Em vez disso, favoreceram uma reestruturação dos mercados que tem aprofundado as desigualdades e prejudica a economia como um todo. O crescimento tem diminuído, enquanto as regras foram reescritas no interesse de bancos e empresas, dos ricos e dos poderosos à custa do resto da população. O poder de negociação dos trabalhadores foi enfraquecido. A financeirização espalhou-se rapidamente na sociedade e a gestão das empresas tem-se deteriorado.
Hoje, como indiquei no meu último livro, "Reescrevendo as regras da economia americana", é necessário mudar novamente as regras do jogo - especialmente para controlar a globalização. A idéia-força da "Grande desilusão" é que o problema não é a própria globalização, mas o seu processo. Quinze anos mais tarde, é esta mensagem de que são portadores os novos adversários da globalização nos países desenvolvidos.
Este artigo foi publicado em colaboração com o Project Syndicate, 2016
Trad. AA
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Joseph Stiglitz é Prémio Nobel em Economia e professor da Universidade de Columbia em Nova York.
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