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sábado, 30 de setembro de 2017

Referendo no Curdistão Iraquiano dá 92% aos independentistas


No passado dia 25 3,3 milhões dos 5 milhões de habitantes do Iraque situados na zona designada por turca foram às urnas e desses votaram pela independência 92%, o que provocou explosões de alegria.

Esta zona assenta em importantes reservas petrolíferas. Mas, fora de portas o referendo foi amplamente criticado, especialmente pela Turquia, Síria e Irão, três países vizinhos com importantes minorias curdas. Na Síria, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Walid Muallem, classificou o referendo como totalmente inaceitável, embora se tenha mostrado disposto a falar sobre a autonomia com os curdos do seu país.

Os Estados Unidos disseram estar profundamente decepcionados com a decisão de se ter mantido o referendo, opinando que aumenta a instabilidade da região, mas o que é certo é que apostaram na carta curda na região e é claro que essa instabilidade lhes serviria os planos de dificultar uma rota comercial que eles hoje não dominam para já não falar no desejo de lhes ser concessionada a exploração petrolífera. Mas os EUA têm que ter cuidado com o apoio que derem porque a contrapartida será um reforço da aliança Turquia-Iraque-Síria-Irão, países a que o grande Curdistão pretendia ficar com territórios. Ou mesmo na versão só da independência de parte do território do Iraque ou da eventual “Rojava”, independência da parte da Síria que faz fronteira com a Turquia.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, também reiterou a sua preocupação pelo risco de desestabilização. A União Europeia (UE) pediu a todas as partes que resolvam os problemas por meio de um diálogo pacífico e construtivo.
Só Israel apoiou abertamente este referendo por poder enfraquecer países árabes vizinhos.

 

 

 

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Bom fim de semana, por Jorge

Democracy is a device that ensures we shall
be governed no better than we deserve.”

"Democracia é um sistema que nos garante
não ser governados melhor do que merecemos."



George Bernard Shaw
Nobel da literatura irlandês,
1856-1950

Então... um fim de semana merecedor!
 

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Mais algumas questões a propósito das eleições na Alemanha no passado domingo


 
·      O peso dos imigrantes estrangeiros, registadas no Registo Central de Estrangeiros alcançou no ano passado o valor de 10 milhões, sendo que destes, 5,7 milhões são de países exteriores à União Europeia, tendo aumentado, desde 2014, cerca de 1,3 milhões (principalmente da Síria, Afeganistão e Iraque).

Depois da crise dos refugiados em 2015 em que entraram para a Alemanha cerca de 1,5 milhões, a nova imigração líquida estabilizou em 2016 em cerca de 480 mil.

A nacionalidade não-alemã mais frequente no território da antiga República Federal, incluindo Berlim, ainda é turca.
 


·    Existe uma outra questão muito importante na perda de votos da CDU/CSU: o conflito com a Turquia. Não nos podemos esquecer que a Alemanha tem 3 milhões de residentes e eleitores de origem turca (várias gerações) - os ausländer. Muitos desses votos terão ido para a extrema-direita, na sequência dos problemas com Erdogan e a Turquia.

Há cidadãos alemães residentes em Portugal que são categóricos em afirmar que o voto dos insländer (ou simplesmente länder) não fugiu da CDU/CSU.
 

·    O cientista político, professor da Universidade Livre de Berlim, Hajo Funke, disse à Sputnik News "Se procurarmos um bode expiatório, até pode aparecer alguém que parece sério e não ser de direita, a oferecer esse bode expiatório: os responsáveis pela integração dos imigrantes. Os refugiados deveriam regressar à Turquia, esses que votaram em Erdogan, que não pertencem à Alemanha… Mas esta é toda a minoria turca, que vive aqui há 40 anos, tendo até sido convidada pelo governo alemão para preencher a escassez de mão-de-obra...Só que a Alemanha não tentou ajudá-los a aprender a língua ou melhorar suas qualificações”. Segundo o cientista político não era de esperar resposta menos radical.
 

·    O partido do AfD (Alternativa para a Alemanha), que ficou em terceiro lugar nas eleições federais alemãs com 12,6% dos votos, obteve o maior apoio no leste, onde na Saxónia obteve 35,5% dos votos, e na Turíngia 22,7%.

Comentando o surgimento do partido de direita, Hajo Funke salientou que o seu sucesso está fortemente justificado na sociedade da Alemanha Oriental.

Para ele, aqui “o ressentimento em relação aos partidos estabelecidos baseia-se em parte na antiga experiência da RDA e com o desapontamento em torno da reunificação.

A palavra Treuhand ("Agência de confiança"), a agência criada pelo governo da República Democrática Alemã para privatizar as empresas do leste da Alemanha antes da reunificação, ainda é um insulto presente até hoje na população, referiu Funke. Muitas antigas tradições e práticas desapareceram. E, após a união monetária do país, as autoridades não ajudaram no desenvolvimento social, cultural e económico dos estados federais orientais”.

 
·    O “bloco central “ (CDU/CSU+SPD) que funcionou nos últimos quatro anos na Alemanha foi o grande derrotado pela política anti-social que realizou, perdendo, em conjunto, cerca de 20 pontos percentuais de votação e mais de 100 lugares no parlamento federal (Bundestag).

 
·    A CDU/CSU foi atingida pela abstenção que cresceu em 5 pontos percentuais e sendo uma importante componente dos seus eleitores também os restantes imigrantes, não é previsível que eles se tenham deslocado para a extrema-direita, abertamente xenófoba e racista. Uma parte de votos anteriores nela terão passado para o FDP, por ser o partido com quem, em termos de possíveis alianças mais se identificam, ao contrário do que aconteceu em eleições anteriores com os Verdes ou o SPD. Importa verificar se o eleitorado tradicional do SPD, com uma base trabalhadora significativa mas muito fustigada pelas políticas anti-sociais a que o PSD se associou, não se terá deslocado significativamente para a AfD. Particularmente em estados da antiga RDA.


·    Mal os votos estavam acabados de se contar na Alemanha, já Macron avançava com as suas propostas para uma «Europa repensada e simplificada», com quis já marcar terreno no quadro do eixo franco-alemão.

 
·    Claude Juncker saudou o discurso “muito europeu” do “seu amigo Macron”. Segundo o seu secretário, as ideias de Macron para "fortalecer a zona euro" serão discutidas na cimeira do euro em Dezembro, juntamente com as propostas de Juncker.

 
·    O resultado das eleições, apesar de ter fragilizado Merkl, não vai impedir que ela prossiga, não sem contradições, com a França, o aprofundamento do Tratado de Lisboa. A deslocação para direita do xadrez político vai fazer sentirem-se mais fortes as reclamações de uma Europa onde vinguem mais a ortodoxia orçamental e os regimes de austeridade que combatam o “despesismo” dos países do sul para que os alemães não tenham que lhes pagar os “vícios” (e … as “mulheres”, como diria o autorizado Jeroen René Victor Anton Dijsselbloem).

 
Para já os trabalhos para formar o governo não recomendam a Merkl grandes considerações sobre o futuro da Europa.

 

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Eleições na Alemanha e as grandes manobras do eixo germano-francês


As eleições de ontem na Alemanha tentarão ser aproveitadas para rematar o projecto anti-social do eixo franco-alemão, que se agravou na Alemanha por parte de governos da CDU/CSU com os liberais do FDP ou os sociais-democratas do SPD com as leis Wartz, iniciadas em 2005, e está agora a ser testado em França com o pacote Macron.
 

Merkl passará pelas dificuldades de formar governo e Macron, fustigado nas ruas pelos trabalhadores franceses, e sofrendo uma derrota nas eleições para o Senado, vão manter o projecto caro aos grandes grupos económicos que levaram ambos ao poder e aí, para já, os sustentam na medida que ambos se identificam muito com eles. A forma como ambos estão projectados como grandes líderes políticos no circo mediático revela o suporte desses grandes grupos. Em ambos os países as classes medias e populares pagam o preço da ortodoxia orçamental que praticam.
A idéia de que na Alemanha tudo vai bem e que ela pode constituir exemplo para o resto da Europa, não resiste à análise dos números. Merkl pode brandir ter o mais baixo desemprego da Europa mas os alemães e o próprio FMI sabem e dão conta disso, que os jovens para sobreviverem têm que ter dois ou três “empregos” por dia, em virtude dos tempos parciais de trabalho (com o correspondente corte de remunerações), que a precaridade disparou no país, que aumentam as desigualdades sociais que já atingiram os níveis arrepiantes dos EUA, e que cresceu a parte da população a viver abaixo da pobreza, que os serviços públicos e a protecção social se estão a degradar.
O envelhecimento da população e a possibilidade de encontrar trabalho alternativo levou os industriais a pressionar a aceitação de uma imigração de 800 mil pessoas, essencialmente síria, forçada a sair do país pela guerra de agressão que sofreu mas que está em vias de ser vencida. Não há “humanismo” de Merkl ao aceitar imigrantes com bons níveis de formação e qualificação (as “vítimas” de Assad) que vão aceitar remunerações de trabalho mais baixas.
Em França, Macron, seguindo o exemplo da colega alemã, chantageia: ”Querem reduzir o desemprego? Então aceitem a precaridade”!... As Leis do Trabalho podem cair pela base. Macron, como referimos, quer introduzir, com o seu nome, as leis Wartz que foram introduzidas na Alemanha a partir de 2005.
Esse pacote inclui o facilitar dos despedimentos, a redução dos apoios aos desempregados, o disparar do tempo parcial de trabalho, particularmente entre as mulheres, mini-empregos mal remunerados, a degradação dos serviços públicos e o deteriorar de infraestruturas como as escolas (muitas das quais a carecerem de reabilitação), como as estradas, com o risco que isso traz para passageiros e condutores, ou como as pontes onde já existem muitas em que os camiões deixaram de poder passar.
E depois os sustos e os medos são canalizados na Alemanha para o AfD e na França para a Frente Nacional…Sem dúvida que há que importa estar alerta, mas já os mesmos media estão a colocar ambos como cooperantes nas suas representações nas instituições…
O crescimento da extrema-direita em ambos os países deveu-se às políticas anti-sociais de um governo "socialista" num caso e num centrão de geometria variável noutro caso.
Na Alemanha o AfD, de extrema-direita cresceu nos meios rurais ou desactivados industrialmente, particularmente na antiga RDA. É aí que também o Die Linke, que já era maioritário em alguns distritos, tem grande influência, mas subindo no conjunto da Alemanha. Os extremos tocam-se como alguns dizem? Não. A extrema-direita aproveita-se dos deserdados. A Esquerda recolhe o apoio dos seus, que não tem defraudado.
                         
 
 

sábado, 23 de setembro de 2017

A aflição de Netanyahu, por Alastair Crooke

Numa tradução de António Ferrão, publicada em ferrao.org aqui vos deixo um artigo escrito pelo ex-diplomata do Reino Unido, Alastair Crooke

No passado dia 19, comentaria o artigo anteriormente publicado: "A análise de Alastair Crooke obteve uma confirmação brilhante logo passados quatro dias da sua publicação: a 5 de setembro, as tropas da Síria quabraram o cerco do Estado Islâmico a Der ez Zor, a capital da província mais rica em petróleo da Síria".


O primeiro-ministro Netaniahu está assustado com a derrota dos radicais apoiados conjuntamente pela Arábia Saudita e por Israel na Síria e ameaça agora desencadear um ataque aéreo de grande envergadura, segundo descreve o ex-diplomata britânico Alastair Crooke.
Uma delegação israelita de topo visitou Washington há uma semana. Logo a seguir, o primeiro-ministro israelita Benjamim Netaniahu interrompeu as férias de Verão do presidente Putin em Sochi onde, segundo fontes oficiais do governo israelita (citadas pelo Jerusalem Post), Netaniahu teria ameaçado bombardear o palácio presidencial em Damasco e torpedear ou anular o processo de cessar-fogo de Astana, caso o Irão continue a alargar a sua influência na Síria.
“Segundo testemunhos da parte pública das conversações, o primeiro-ministro israelita apresentou-se demasiado irritado, por vezes até em pânico. Descreveu ao presidente russo um possível apocalipse, caso não sejam envidados esforços para conter o Irão que, segundo Netaniahu, está disposto a destruir Israel”, escreveu o Pravda.
Que se passa aqui? Seja rigorosa ou não a citação do Pravda, ainda que haja confirmações por funcionários israelitas idóneos, aquilo que está claro é que (por fontes de Israel) tanto em Washington como em Sochi as palavras de Israel foram escutadas, mas em troca Israel conseguiu nada. Israel ficou isolado. É certo que Netaniahu procurou garantias sobre o papel reservado ao Irão na Síria, ao invés de pedir a Lua como a expulsão dos iranianos. Mas como poderia, em boa realidade, Washington ou Moscovo oferecer tais garantias?

Demasiado tarde, Israel deu-se conta de que na Síria apoiou o lado errado – e perdeu. Não está em condições de exigir. Não obterá dos americanos um compromomisso quanto à manutenção de uma zona tampão para além da linha do armistício definida pelos Golan, tampouco sobre o encerramento da fronteira Iraque-Síria ou o que quer que seja supervisionado por iniciativa de Israel.

A questão Síria é importante, mas se nos limitarmos a ela perdemos de vista a floresta a favor da árvore. Em 2006, a invasão do Líbano por Israel, (apoiada pelos EUA, Arábia Saudita e até por sectores do Líbano) foi um fiasco. Simbolicamente e pela primeira vez no Médio Oriente, um exército sofisticado e fortemente armado de uma nação ocidental, em suma, falhou. O que torna esta derrota mais chocante e dolorosa não foi só o facto do exército ter sido militarmente suplantado, foi ainda o de ter perdido a guerra electrónica e a dos serviços de espionagem – algo em que o Ocidente se considerava imbatível.

A queda depois da derrota

A derrota surpreendeu e atemorizou o Ocidente, mas também o Golfo Pérsico. Contra todas as apostas, um pequeno movimento armado revolucionário barrou a ofensiva de Israel, foi capaz de defender o seu território e venceu. Este precedente foi largamente percebido como um ponto de viragem no balanço de forças da região. Os autocratas feudais do Golfo Pérsico tremeram.
A reacção não se fez esperar. O Hezbolah foi colocado em quarentena, tanto quanto o levantamento de sanções pelos Estados Unidos da América poderiam alcançar. Em 2007, a guerra da Síria foi anunciada como uma punição pelos acontecimentos de 2006 – se bem que a sua implementação só em 2011 viria a assumir proporções exacerbadas.

Contra o Hezbolah, Israel lançou a plenitude da sua força militar, embora venha agora dizer o contrário, que poderia ter feito melhor; mas contra a Síria, os EUA, a Europa e os estados do Golfo (com Israel na sombra) lançaram todo o esgoto da cozinha: os radicais sunitas, al-Qaeda, o Estado Islâmico (sim); acresce fornecimento de armas, subornos, sanções e a campanha de imprensa de difusão mais ampla e intensa já observada. Porém a Síria – com os seus aliados – parece prevalecer; defendeu o país contra implausíveis expectativas.

Sejamos claros. Se em 2006 ocorreu uma inflexão, a capacidade da Síria manter o seu território é uma reviravolta histórica de amplitude muito maior. Deve ter-se em consideração que a Arábia Saudita (juntamente com a Grã-Bretanha e os Estados Unidos da América) tomaram a iniciativa de impulsionar os radicais sunitas. Resultado? Os estados do Golfo e a Arábia Saudita em especial saíram enfraquecidos. O último confiou na força do wahabismo desde a sua fundação como reino: mas o wahabismo no Líbano, na Síria e no Iraque ficou profundamente desacreditado – mesmo entre os muçulmanos sunitas. Pode muito bem estar em vias de ser também derrotado no Iémen. Tal derrota irá alterar a imagem do Islão Sunita.
No Conselho de Cooperação do Golfo, organização fundada em 1981 pelos chefes das tribos do Golfo com o único objectivo de perpetuar a forma hereditária de poder na Península, já assistimos a uma disputa aberta, numa indisfarçável luta instestina, amarga e agonizante. O sistema Árabe, uma reminiscência das antigas estruturas otomanas com o beneplácito das potências vitoriosas da I Guerra Mundial, Grã-Bretanha e França, parece ter perdido o fôlego momentâneo de 2013 (com o golpe no Egipto) e retomado o seu inexorável declínio.

O lado perdedor

O alarme de Netanyahu, a confirmar-se, pode muito bem ser o reflexo de uma mudança drástica na relação de forças na região. Por muito tempo, Israel apoiou o lado perdedor – e agora descobre que foi deixado isolado e receoso até dos seus apaniguados mais seguros, os jordanos e os curdos. A nova estratégia correctiva de Tel Aviv parece apostada em atrair o Iraque para uma aliança com Israel, os Estados Unidos e a Arábia Saudita contra o Irão.
Se assim fôr, a cartada de Israel e da Arábia Saudita poderá ter chegado demasiado tarde; subestimaram o ódio visceral gerado entre iraquianos de todos os quadrantes pelos actos bárbaros do Estado Islâmico. Poucos deram crédito à narrativa ocidental que atribui o aparecimento do Estado Islâmico, magnificamente armado e financiado, a um alegado sectarismo do ex-primeiro-ministro iraquiano al-Maliki. Não! Por detrás de um movimento apetrechado desta maneira, há-de encontrar-se necessariamente a força de um estado.

Num artigo laudatório, Daniel Levy defende que os israelitas em geral não corroboram o que acabei de dizer. Vejamos a contestação:
A longevidade de Netaniahu no poder, as suas vitórias eleitorais consecutivas e a sua capacidade em segurar coligações de governo devem-se à ressonância que a sua mensagem encontra junto do grande público. É um argumento de peso que Netaniahu tenha conduzido o Estado de Israel à melhor situação da sua história, representando hoje uma força global crescente… florescente no campo diplomático. Netaniahu invalidou aquilo a que chamou de ‘falsa inevitabilidade’, que pretendia que Israel, na ausência de um entendimento com os palestinianos, acabaria isolado, enfraquecido e à beira de uma catástrofe diplomática.

Muito difícil de ser aceite pelos seus detractores políticos é o eco que a afirmação de Netaniahu encontra no público, pois reflecte algo consistente e que deslocou o centro de gravidade político do país acentuadamente para a Direita. É uma posição que, a verificar-se correcta e replicável no tempo, deixará um legado que perdurará muito para além do posto de primeiro-ministro de Netaniahu ou de qualquer acusação de que ele venha a ser alvo.
Netaniahu assevera que Israel não está condenado a ganhar tempo no conflito com os palestinianos, limitando-se a fortalecer as suas posições num compromisso futuro a que não pode escapar. Não! Israel aspira a algo diferente: uma vitória final, com a derrota completa e definitiva dos palestinianos, dos seus anseios colectivos e nacionais.
Persistente e inequívocamente, por mais de uma década como primeiro-ministro, Netaniahu rejeitou todos os planos ou medidas práticas conducentes, quanto mais não fosse, a abrir um processo contemplando aspirações palestinianas. Netaniahu está interessado somente em perpetuar e ampliar o conflito, não em geri-lo, quanto mais resolvê-lo… A mensagem é clara e é a seguinte: não haverá Estado Palestiniano, não haverá West Bank nem Jerusalém Oriental pela simples razão de que aquilo que existe é o Grande Israel.

Negação do Estado Palestiniano

Levi prossegue:
Esta abordagem revoga pressupostos que orientaram os esforços de paz e as iniciativas políticas norte-americanas por mais de um quarto de século, a saber: que, contra o futuro abandono dos colonatos por Israel, não restaria alternativa que não passasse pela aceitação de um estado palestiniano independente e soberano, com as fronteiras suficientemente próximas das que vigoravam em 1967. A recusa obstinada em aceitar tal perspectiva, foi dito, iria resultar na destruição da imagem de Israel como democracia. Para com os aliados, de quem Israel depende e que estão envolvidos nos esforços de paz, esta recusa seria insustentável.
Para com os países que são bastiões do seu apoio internacional, Netaniahu dispôs-se a um jogo arriscado. Face a um Israel cada vez menos liberal e mais etno-nacionalista, sería ou não possível manter o apoio dos judeus norte-americanos em número suficiente, garantindo dentro dos Estados Unidos da América a continuidade das tradicionais relações de privilégio para com Israel? Netaniahu apostou no Sim! e acertou.
Eis outra questão interessante que Levy referiu:
Foi então que os acontecimentos tomaram um rumo favorável a Netaniahu, com a subida ao poder nos Estados Unidos da América e partes da Europa de Leste, acompanhada de alargamento da influência por todo o Ocidente Europeu, de tendências etno-nacionalistas que lhe são tão caras; tendências apostadas em substituir democracias liberais por não liberais. Não se deve subestimar a importância de Netaniahu como vanguarda ideológica eficaz desta nova tendência.
Sem rodeios, o ex-embaixador dos Estados Unidos da América e conceituado analista político, Chas Freeman, afirmou recentemente:
O objectivo central da política dos Estados Unidos da América no Médio-Oriente tem sido, desde há muito tempo, o de granjear a aceitação regional para os colonatos judeus na Palestina.
Por outras palavras, para os Estados Unidos da América, a sua política – e todas as suas acções – estão subordinadas ao critério estar ou não estar. Entenda-se bem: estar com Israel, ou não estar com Israel.

Terreno perdido por Israel

O facto é que a região acabou de sofrer uma evolução decisiva para o campo do não estar. Haverá muito mais que os Estados Unidos da América possam fazer? Israel encontra-se agora basicamente sozinho, contando como aliado na região apenas com uma Arábia Saudita enfraquecida, incapaz de camuflar os limites do seu campo de manobra.
O apelo que os Estados Unidos da América fizeram aos países árabes para que reforcem os laços com o primeiro-ministro iraquiano Haider al-Abadi parece fora do contexto. O Irão não está à procura de uma guerra com Israel, como foi reconhecido até por alguns analistas israelitas. É verdade que o presidente sírio foi claro ao afirmar que tenciona recuperar toda a Síria – e toda a Síria inclui os Montes Golan ocupados por Israel; tambem é verdade que esta semana Assã Nasralá incentivou o governo libanês a preparar um plano conducente à decisão soberana de libertar as quintas Chebá e os montes Kfarshoba da ocupação israelita.
Alguns comentadores políticos israelitas já começaram a replicar o que está escrito nas paredes – é melhor ceder território unilateralmente que pôr em risco a vida de centenas de soldados numa tentativa fútil de retê-lo. Isto não se enquadra bem no estilo “Não recuaremos um centímetro!” do primeiro-ministro em declarações recentes.

Será que o etno-nacionalismo irá garantir a Israel uma nova base de apoio? Desde logo, a caracterização de Israel como democracia iliberal é um eufemismo para o que não passa de regime de discriminação racial, feito para despojar os palestinianos dos seus direitos políticos fundamentais. E na mesma medida em que o cisma do Ocidente se vai agravando, cada um procurando retirar legitimidade ao outro com acusações mútuas de intolerância, racismo ou nazismo, mais se torna clara a vontade dos verdadeiros nacionalistas se demarcarem dos regimes extremistas.
Daniel Levy salienta que o dirigente da Direita, Richard Spencer, descreve o seu próprio movimento como Sionismo Branco. Serão estes os termos adequados para Israel angariar apoio? Há quanto tempo andam os globalistas a acusar a Direita de pretender instaurar o mesmo tipo de sociedade nos Estados Unidos da América, com os mexicanos e os pretos no papel dos palestinianos?

Nacionalismo étnico

A viragem cada vez mais nítida do Médio Oriente para o lado do não estar possui outra explicação mais simples que o etno-nacionalismo de Netaniahu: o colonialismo ocidental. O primeiro assalto da estratégia de Chas Freeman para colocar o Médio Oriente no lado do estar com Israel foi a operação Choque e Pavor contra o Iraque. Hoje, o Iraque está aliado ao Irão e as milícias populares do país estão em vias de se transformarem numa força de combate com uma mobilização respeitável. O Hezbolah, por seu lado, deixou de ser uma força estritamente libanesa e é já uma força militar a ter em conta a nível regional.
O terceiro assalto desenvolveu-se na Síria. Hoje, a Síria está aliada à Rússia, ao Irão, ao Hezbolah e ao Iraque. Que nos reservará o próximo assalto desta guerra entre os campos do estar e do não estar?
Ao não ceder aos que sobranceiramente apelidou profetas da desgraça (Israel acabaria isolado, enfraquecido, abandonado e à beira de uma catástrofe diplomática), Netaniahu conseguiu o quê? Nestas duas últimas semanas, tomando alguma desmobilização dos palestinianos como uma vitória sua, descobriu que afinal está sozinho dentro do seu almejado Novo Médio Oriente. Ironicamente, na hora em que celebrava o seu triunfo.
Teve razão o Pravda ao escrever que Netaniahu estava assustado na cimeira repentina de Sochi?
Eu diria:
– É provável!
Alastair Crooke
 
Artigo original: The reasons for Netanyahu's Panic, 1 de Setembro de 2017
Tradução de António Ferrão

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Os rohingya, Mianmar, a China e o Sudeste Asiático (Parte 1)



As motivações de uma campanha a propósito do “genocídio” dos rohingya

No passado dia25 de Agosto, cerca de 71 pessoas morreram na Birmânia, no sudeste asiático, após um ataque conduzido por 150 homens rohingya . Os rohignya são bengalis, muçulmanos, que no período colonial a Inglaterra deslocou para o estado de Rakhine, na então Birmânia, hoje Mianmar. No ataque, conduzido pelo grupo rebelde, do Exército de Salvação do Rohingya de Arakan, em Rathedaung, no norte do estado de Rakhine, os rebeldes cercaram 30 postos fronteiriços espalhados por 25 localidades. De acordo com a Reuters, entre as vítimas ficaram 59 rebeldes e 12 membros das forças de militares do país. Já em Outubro passado um outro grupo armado com facas e armas de fogo tinha atacado três postos militares perto da fronteira com o Bangladesh. A dura resposta das autoridades do país, em 25 de Agosto, provocou violentos confrontos, que custaram a vida de pelo menos 402 pessoas.


Budistas extremistas reclamam a expulsão dos rihingya

Importa sublinhar o péssimo e intencional comportamento mediático onde se mistura o número de mortos e refugiados desde 25 de Agosto com o ocorrido ao longo de décadas (!) para justificar a tese do genocídio.

Não é a primeira vez que uma etnia da Birmânia (são várias) ou de outros países, com aspirações próprias no quadro dos territórios que os constituem, é usada para a desestabilização interna que altere o quadro político em nome de grandes interesses económicos e geoestratégicos.

Este é o caso do povo rohingya que reside em parte do estado de Rakhine, precisamente onde Mianmar tem no Mar Índico os terminais de petróleo e gás natural, oriundos da China.

Georges Soros há muito que confronta a China (1). Contribuiu para o desenvolvimento de problemas nas suas fronteiras, com vista a enfraquecer este grande país, que tem sido, nos últimos anos um sustentáculo da economia mundial, debilitada pela crise capitalista, e uma esperança para o crescimento e desenvolvimento de muitos países, possível também evitando guerras por outros organizadas, que aproveitam as suas debilidades estruturais. E isso passa por usar os rohingya para desestabilizar Mianmar que tem fronteiras com a China.

Algumas economias globais, imperialistas, já estabelecidas desde há séculos, procuram conter o rápido desenvolvimento económico das nações da ASEAN (2), instigando conflitos internos dentro desse bloco de formações regionais estáveis, para terem uma oportunidade para controlarem estados soberanos e exercerem grande pressão sobre eles.

O objetivo, a médio prazo, é o de, causando-lhes dificuldades de sobrevivência, provocar uma indignação global e inspirar inúmeros "voluntários" muçulmanos (alguns dos quais, sem dúvida, seriam terroristas reais) para inundar o estado de Rakhine e então prepararem o terreno para uma "intervenção humanitária" multilateral, segundo um modelo já testado noutros países, com o objectivo de obter o controlo de um território.

Pensavam liquidar o projecto global “Um cinturão, uma Rota”, versão contemporânea da antiga Rota da Seda, lançada pela China e apoiada e integrada já por muitos países.

 Além disso, outra linha de fractura se daria no quadro do chamado "Choque de Civilizações" (nada mais do que um plano para dividir e governar o hemisfério oriental através da guerra híbrida centrada em diferentes identidades) entre, não só muçulmanos e budistas no Estado de Rakhine, mas possivelmente até eventualmente os budistas e cristãos na parte central de Myanmar e suas periferias do norte-leste, respectivamente. Além disso, poder-se-ia esperar que os "voluntários" budistas e cristãos do exterior também inundassem o campo de batalha, catalisando a própria forma das religiões assumirem o formato do Estado Islâmico.

O actual " Exército de Salvação do Rohingya de Arakan " surge em cena num quadro que o poderia tornar rapidamente no ramo do Estado Islâmico em Mianmar.

Além da remoção geopolítica de Mianmar do mapa do mundo e do sofrimento incalculável de seus mais de 50 milhões de habitantes, a outra vítima seria, naturalmente, a China, que teria que enfrentar uma guerra híbrida parecida com a da Síria ao longo de sua fronteira permeável sul-sudoeste além dos muitos outros desafios de segurança que já se fazem soar na sua periferia (Coreia do Norte, Mar da China Oriental, Mar da China Meridional e Índia). Qualquer plano para um Corredor de Myanmar complementando o Corredor Económico China-Paquistão para o Oceano Índico também seria precipitado, e os agitadores budistas no Tibete também se poderiam radicalizar e nele se inspirar para iniciar um novo ciclo de violência.

A desestabilização de Mianmar pode afectar os projetos de energia da China e criar uma zona de instabilidade à porta de Pequim. Face à confrontação entre os EUA e a Coreia do Norte entre os EUA e a Coreia do Norte, o vizinho chinês pode ficar sob fogos cruzados.

Entretanto, a Task-force da Birmânia, que compreende uma série de organizações financiadas por George Soros, vem operando ativamente em Mianmar desde 2013, convidando a comunidade internacional a parar com o que chamam "o genocídio do grupo minoritário muçulmano Rohingya" (1).

No entanto, a interferência de Soros nos assuntos domésticos de Mianmar já vem de trás. Em 2003, George Soros juntou-se a um grupo da Task Force dos EUA com o objetivo de aumentar a "cooperação dos EUA com outros países para provocar uma transformação política, económica e social, há muito por eles desejada para a Birmânia (Mianmar) ". Na sua visita a Mianmar no final de 2012, Obama iniciou a intervenção directa dos EUA, comportando-se quase como chefe de uma potência ocupante.

Uma nova campanha de informação parcial propagou-se depois de 25 de Agosto nos media à escala universal de um dia para o outro. Tal como aconteceu com o Kosovo e com o genocídio supostamente perpetrado por Milosevic, quando a NATO realizou bombardeamentos em solo europeu, ou com as inventadas atrocidades contra o povo sírio pelo seu presidente Al-Bashar quando a guerra dita “civil” conduzida pela coligação EUA-Inglaterra e França passaram ao ataque com os seus batalhões do Daesh, da Al-Qaeda ou Al-Nusra.

Este conflito começou há cerca de um século e cresceu gradualmente desde 2011, atingindo o seu auge no ano de 2012, quando milhares de famílias muçulmanas procuraram asilo nos campos especiais de refugiados no território do país ou fugiram para o Bangladesh. Em 2016 começou uma nova escalada.

Ao fim de duas semanas de confrontos armados entre o exército birmanês e o grupo rebelde muçulmano, a líder do governo birmanês, prémio Nobel da Paz, e prémio Sakharov, Aung San Suu Kyi quebrou o silêncio para desmentir as acusações de que tem sido alvo, parecendo já não estar nas graças dos seus antigos amigos dos EUA e UE.

A mulher, que durante 15 anos esteve presa pela junta militar que dirigia o país por “defender a democracia”, está agora a ser acusada de esconder as atrocidades que, segundo algumas ONG e as Nações Unidas, estão a ser cometidas no estado de Rakhine, onde vivem milhares de rohingya, minoria étnica muçulmana num país predominantemente budista.

Vários países têm recomendado aos governos de outros países que façam face ao afluxo de refugiados da etnia rohingya e nisso cooperem com o ACNUR, que possui as competências técnicas necessárias para analisar o estatuto de refugiado e dispõe do mandato para proteger os refugiados e os apátridas e têm apelado a esses países a para respeitarem o princípio da não repulsão e a não repelirem os refugiados de etnia rohingya, pelo menos enquanto não tiver sido encontrada uma solução satisfatória e digna para a sua situação, tendo apelado, em particular, ao Bangladesh para que permita a entrada dos refugiados rohingya, reconhecendo paralelamente os esforços já realizados dos pelas autoridades daquele país para acolher várias centenas de milhares de refugiados.
 

O petróleo e o gás natural descobertos, em 2004, no offshore de Mianmar

O conflito com cerca de um século é usado por actores externos para prejudicar a estabilidade do sudeste asiático, especialmente devido ao facto de que o que está em jogo serem vastas reservas de hidrocarbonetos localizadas no offshore do estado de Rakhine, onde residem os rohingya.

O estado de Rakhine na rota dos pipelines de gás e petróleo
e da ligação de Miamar ao mar (na planta o nome inglês da antiga Birmânia) 
A zona costeira de Arakan (Rakhine) quase certamente conterá hidrocarbonetos de petróleo com excelente viabilidade de exploração. Há um enorme campo de gás chamado Than Shwe, nome do general do Partido do Programa Socialista para a Birmânia, que presidiu ao Conselho de Estado para a Paz e o Desenvolvimento entre 1992 e 2011.

Depois da descoberta das enormes reservas de energia de Rakhine em 2004, isso atraiu a atenção da China. Até 2013, a China completou oleodutos de petróleo e de gás natural, que ligam o porto de Kyaukphyu, de Myanmar, com a cidade chinesa de Kunming, na província de Yunan.

O oleoduto permite que Pequim faça chegar o crude ao Médio Oriente e Africa, fazendo um bypass no Estreito de Malaca, enquanto o gasoduto transporta hidrocarbonetos dos campos offshore de Myanmar para a China.

O desenvolvimento do projeto de energia China-Myanmar coincidiu com a intensificação do conflito comos rohingya em 2011-2012, quando 120 mil requerentes de asilo deixaram o país para escapar ao derramamento de sangue.
Os pipelines que ligam a China a Mianmar e à Baía de Bengal
 
Os rohingya

A presença desta etnia na Birmânia (hoje Mianmar) tem origem na migração do subcontinente indiano para Mianmar. Ela ocorre há séculos, em parte associada à disseminação do budismo, hinduísmo e islamismo na região. A região histórica de Bengala (agora Bangladesh) e o estado indiano de Bengala Ocidental têm ligações históricas e culturais com o Estado Rakhine (anteriormente Arakan) de Mianmar, estado que liga o país ao Mar Índico, assumindo grande importância comercial e estratégica.

Mas essa migração foi forçada pela potência colonial – a Inglaterra – que levou ao forçar de uma enorme presença de muçulmanos no estrado de Rakhine.

Os conflitos anuais têm-se repetido ciclicamente ao longo de décadas de tensões budistas-muçulmanas nessas áreas da fronteira birmanesa.

Os massacres de Arakan, em 1942, no decurso da Segunda Guerra Mundial entre recrutas da V Força Rohingya e os Rakhines pró-japoneses, polarizaram os problemas étnicos na região, que tem um mosaico de diferentes etnias, que não existe noutros países da região.

No período colonial britânico, em 1936 e 1939, vários indianos arakaneses, como Gani Markan, foram eleitos para o Conselho Legislativo da Birmânia como nativos da Birmânia britânica. Após a independência da Birmânia, em 1948, os líderes de Rohingya ocuparam altos cargos no governo e no parlamento birmanês. Em 1948, A. Gaffar defendeu o reconhecimento oficial dos Rohingya como um dos grupos étnicos da Birmânia. Uma das duas primeiras mulheres legisladoras da Birmânia, Zura Begum, foi eleita pelos rohingya em 1951.

Durante a 2ª Guerra Mundial, os ingleses, estacionados na Índia, formaram milícias anti japonesas constituídas por bengalis muçulmanos mas alguns soldados britânicos foram forçados a admitir que estes corpos, às vezes, preferiam atacar os aldeões budistas em vez de combaterem os japoneses...Os ingleses não se preocuparam em organizar relações intercomunitárias após o fim do conflito e as raízes do conflito permaneceram. Segundo o “Le Monde” (3) os grupos combatentes rohingya chegaram a conflituar entre si e, enfraquecidos pelas rivalidades internas, nunca conseguiram reunir mais de uma centena de combatentes. Usaram o Bangladesh como rectaguarda de apoio. A Associação de Solidariedade Rohingya, saída dos movimentos islâmicos do Bangladesh, foi uma das mais ativas. Segundo o jornal, o actual Exército de Salvação do Rohingya de Arakan, permanece uma força um tanto nebulosa. Alguns dizem que é teleguiado pelos Rohingya exilados na Arábia Saudita e no Paquistão, mas os seus porta-vozes asseguraram recentemente que a sua luta é desprovida de motivações jihadistas. Há que se estar atento ao que trarão no bojo, digo eu.

Relativamente aos grupos étnicos, logo após a independência, em 1948, parte deles movimentaram-se no sentido de uma maior autonomia face ao estado birmanês, o que conduziu à guerra civil.

 

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Bom fim de semana, por Jorge

"The universe is not only stranger than we imagine,
it's stranger than we can imagine."

"O universo não só é mais estranho do que imaginamos,
como é mais estranho do que possamos imaginar."

J. B. S. Haldane (cientista britânico, 1892-1964)

domingo, 3 de setembro de 2017

BRICS: cinco anos depois…


Depois de no ano passado por esta altura os BRICS terem realizado a sua última cimeira em Goa, na India, está neste momento a terminar hoje a 9ª Cimeira, em Xiamen, na província de Fujian, na China.

Embora o tema da 9ª Cúpula BRICS tenha sido "Uma Parceria mais Forte para um Futuro Mais Brilhante", esteve presente alguma tensão entre os participantes.

As rivalidades entre países da Eurásia, como as disputas de fronteiras, não são novas, é claro, mas, mais uma vez, mostraram que os desentendimentos não impedem a cooperação. Além disso, como potencias emergentes que desejam ter uma peso na abordagem dos assuntos globais, e com capacidade alavancagem em pontos críticos de conflito, como o da Península Coreana, os membros do BRICS certamente irão usar esta plataforma para propor um caminho a seguir para quebrar a espiral atual.

Na frente económica, a China e a Índia continuam a ser motores importantes do crescimento da economia mundial, tendo beneficiado de um sistema de comércio aberto ao longo dos anos. Sem dúvida que esta cimeira BRICS irá refletir a unanimidade no compromisso dos membros com um sistema económico global aberto, que, no quadro das relações comerciais comandadas pelo imperialismo, contribuiu para grandes desigualdades mas que os BRICS, se pesarem de outra forma nesses processos poderão fazer um acerto de agulha, vencendo inclusivamente barreiras defensivas por parte dos que perderam protagonismo, usando inclusivamente esse comando que ainda partilham para sabotar economias e decretarem bloqueios com objectivos políticos contra os países que consideram ser o "eixo do mal".

A China, a Índia, o Brasil e a Rússia ratificaram o acordo de facilitação do comércio da Organização Mundial do Comércio (com a África do Sul a preparar-se para o fazer). Isso é importante porque a "conectividade" promovida pela Iniciativa "Cinturão e Rota", proposta pela China, não respeita apenas à construção de portos, estradas e ferrovias, mas também sobre os mecanismos institucionais suaves que ajudem o comércio em todo o mundo.

A Índia não se juntou a essa iniciativa chinesa, e anunciou uma nova iniciativa com o Japão denominada "Corredor de Crescimento Ásia-África" (AAGC), que também procura melhorar a conectividade entre os dois continentes. A AAGC foi, de facto, lançada na reunião anual do Banco Africano de Desenvolvimento na Índia, 10 dias após o Fórum Cinturão e Rota para a Cooperação Internacional realizado em Pequim nos dias 14 e 15 de Maio passado. Tal como aconteceu com a iniciativa União Económica Eurasiática de Moscovo, em que o presidente russo Vladimir Putin em 2015 concordou cooperar com a Iniciativa Cinturão e Rota, a AAGC oferece muitas oportunidades de complementaridade.

O fato de que as três iniciativas são lideradas por membros do BRICS pode ajudar a fortalecer os vínculos práticos entre o agrupamento e outros países - uma forma de "BRICS Plus". No entanto, isso exigiria esforços concertados para colmatar as diferenças e remover as suspeitas mútuas sobre maquinações geopolíticas.

A África do Sul foi o primeiro país nos BRICS a iniciar uma ponte para outros países quando presidiu à cimeira de 2013. Com ele e com as presidências seguintes, foi-se facilitando o envolvimento entre os BRICS e outras economias em desenvolvimento.

Cinco anos depois de criados, os BRICS, esta instância não gerou iniciativas próprias mas tem-se constituído como plataforma para discutir a cooperação a nível bilateral ou multilateral com os resultados já referidos

Os estados africanos reconhecem as oportunidades oferecidas pela AAGC e a Iniciativa Cinturão e Rota para o seu desenvolvimento, embora esta ainda precise de definir o que isso pode significar para todo o continente além da costa leste africana. Os países africanos valorizam as suas parcerias com a Índia e a China e percebe-se que irão trabalhar em complementaridades em vez de rivalidades. Há projetos suficientes para se iniciarem ou continuarem.

Além desses planos, o que é crucial para o desenvolvimento de África numa era de incerteza global é que as maiores potências do mundo em desenvolvimento desempenhem um papel ativo e construtivo na redução de pontos críticos de conflito, enquanto gerem as suas próprias rivalidades regionais.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

A bipolaridade no "Publico" e a Festa do Avante!


O Publico nem na véspera nem no dia de início da Festa do Avante! lhe faz qualquer referência. Em contrapartida brinda-nos hoje com uma pérola “Um partido bipolar: uma crítica de esquerda” do sociólogo de Coimbra Elísio Estanque. Um artigo em jeito de “uma no cravo, outra na ferradura”, onde o autor não pode deixar de reconhecer o papel importante do PCP (para a mentira ser segura e atingir profundidade tem que trazer à mistura qualquer coisa de verdade...).

Da biografia do autor, que considera que “o verdadeiro revolucionário do século XXI é o reformismo radical”, retira-se que “foi activista sindical e de diversos movimentos sociais no período revolucionário (1974-1975) ”. Fica-lhe bem mas 43 anos depois, ser de esquerda é uma etiqueta que exige outros créditos que, pelo que temos lido do autor, carecem de incorporação das lições e perspectivas da realidade que não podem passar por identificar o PCP com o “modelo soviético”, um golpe baixo há décadas papagueado por críticos em geral pouco creditados para discutir estas matérias.

Isso e todo o conjunto de perguntas que os militantes do PCP estariam hoje a fazer a propósito da “implosão” do comunismo, como e porque ocorreu, se isso só se deveu a factores internos ou também internos, o que é o comunismo hoje e se se deve pactuar com características negativas de alguns países identificados pelos States como o “eixo do mal”, são questões que há mais de vinte e cinco anos já foram discutidos, com grande abertura e coragem, num discussão de que se tiraram conclusões no XIII Congresso do PCP, em 1990 e seguintes. Há que saber ler e ouvir o PCP…E ó Elísio Estanque, o PCP não defende “um partido único a dirigir o aparelho de Estado”. E essa da bipolaridade…Tenha maneiras!...Daí para o insulto falta muito pouco.

Eu tenho reservas em aspectos da política externa dos governos da Rússia, ou da Coreia do Norte, ou da Venezuela. Mas chegados aqui, atenção! Nos confrontos conduzidos pela administração norte-americana e os dirigentes não eleitos da União Europeia, eu estou do lado dos agredidos, dos que defendem a sua soberania, dos sobre-explorados, dos remetidos por guerras sujas para a fome, a doença e a morte ou para a emigração maciça, dos que sofrem de boicotes e bloqueios. Não hesito, não dou uma no cravo e outra na ferradura para me remeter à não intervenção que sossega as consciências de alguns para golpes, invasões, muita guerra, muita fome e algumas pinochetadas.

Uma coisa é a compreensão do papel da Revolução de Outubro na mudança de paradigmas universais no sentido da centralização do papel do trabalho no processo produtivo com o conjunto de direitos políticos e regalias dos trabalhadores, e do combate à exploração do homem pelo homem que manteve uns como deserdados embora produtores da mais-valia apropriada pelos construtores do sistema capitalista. Sistema capitalista que, foi, entretanto, criando deformações da democracia a coberto de apelos a respostas consumistas, negando na prática o direito de informar e de ser informado, condicionando drasticamente os direitos de eleger e ser eleito. E depois com a financeirização da economia que a alienou para a propriedade das multinacionais e à ditadura dos mercados condicionados, das bolsas e sujeitos ao dólar como moeda única, que agravou desigualdades em cada país, entre países e quis esmagar as riquezas e a humanidade em continentes inteiros.

Outra coisa ainda é ser facilmente verificável, quer à saída das rotativas clandestinas quer nas consultas hoje possíveis na internet, que o PCP mesmos nos duros tempos da clandestinidade, elaborou e aperfeiçoou também já no regime democrático saído da Revolução de Abril, as características que a democracia a conquistar na revolução portuguesa deveria ter. E, entre elas, estão as vertentes não apenas políticas mas também económicas, sociais e culturais dessa democracia. E que nos direitos políticos se encontravam entre outros, a existência de diferentes partidos políticos, a liberdade de imprensa. Vivi intensamente esses processos de discussão mesmo com os que tinham ideias muito diferentes das minhas. Os anos de 1969 a 1975, pela riqueza da experiência pré e revolucionária foram muito importantes para formação de centenas de milhares de cidadãos.

Neste estado das coisas sugiro ao autor uma leitura, que não seja en passant , do “Rumo à Vitória” ou do actual “Programa do PCP, Uma Democracia Avançada - Os Valores de Abril no Futuro de Portugal”. E que recorde que, quer nas conclusões do III Congresso da Oposição Democrática, em Abril de 1973, quer nos documentos programáticos do “movimento dos capitães” de 1974, essas diferentes vertentes da democracia já estão expressas devido a anos e anos de reflexões sobre a luta da resistência e as características do fascismo em diversos planos, dentro e fora do PCP.

Por outro lado, há que não esquecer que o PCP não “se conformou”, como alguns que nada fizeram pela democracia costumam brincar, como o autor insinua em jeito de “puxão de orelhas”, com a democracia, pela razão evidente para qualquer docente que investigue como faz qualquer estudante, que a matriz essencial que o PCP dela concebeu ficou expressa na Constituição da República Portuguesa, apesar das suas sucessivas revisões.

Na convivência nesta esquerda plural e alargada, ninguém em jeito de “crítica de esquerda” (qual?) pode intentar que uma força política como o PCP faça o que o autor entende, deixar de ser o que é.