Nos últimos quinze dias Trump
desencadeou um novo surto de atitudes que contrariam intenções de regulação de
conflitos internacionais em que os EUA mostraram antes estarem em condições de
participar e que, por outro lado, confrontam a tradicional vassalagem de bom
número de países europeus com afirmações de chantagem rasteira, dignas de um
capo de famiglia e com sinais de demência nas sucessivas proclamações. Tudo
preocupante, muito preocupante.
Foram sucessivamente as manobras
aeronavais nas costas da Coreia do Norte, a tentativa de reduzir a
“desnuclearização” da península coreana à desnuclearização exclusiva e integral
da Coreia do Norte apesar do respeito dos compromissos assumidos de destruição
das bases de testes nucleares e agora o golpe de teatro do cancelamento por
Trump da reunião de 12 de Junho com Kim Jong-un. A embaixada dos EUA em Israel
passar para Jerusalém e a contemporização com o massacre simultâneo de dezenas
de palestinianos pelas forças de Netanyahu. A chantagem sobre países europeus para
adoptarem sanções reais contra o Irão e saírem do acordo multinacional obtido
há poucos anos com Teerão. A crítica à Alemanha e a outros países que importam
petróleo da Rússia, violando a sanções contra este país, com ameaças explícitas
em ambos os casos aos “aliados desleais”. A exigência aos membros da NATO que
cumpram com o objectivo de contribuição para a Defesa de 2% dos respectivos
PIBs dos seus países para o orçamento da aliança (leia-se para comprarem mais
armamento militar fabricado nos EUA). A
permanência da guerra das taxas de importação para com produtos oriundos
da China e de países europeus, que foi motivo de negociações com a China no que
a ela respeita, mas logo seguido da insinuação de Trump que a China estaria a
fazer a Coreia do Norte reduzir a flexibilidade de Kim Jong-un em negociar a
desnuclearização da península coreana. Nos dias
que estão a decorrer, a elaboração de acordos obtidos com a Arábia
Saudita onde a troco de volumosos investimentos desta nos EUA, os EUA venderão
ainda mais material de guerra sofisticado aos sauditas, acordando instalações
nucleares próprias pela primeira vez. A tentativa de golpe militar na Venezuela
conduzido pela embaixada americana na véspera das eleições presidenciais e na
proibição a cidadãos venezuelanos residentes nos EUA em votarem nessas
eleições. Na quinta-feira passada, aviões da coligação liderada pelos EUA
bombardearam instalações militares sírias na região de Deir Ezzor mas os seus
mísseis acabariam por ser destruídos pelo sistema antimíssil sírio.
É claro que por detrás da
limpidez arruaceira de Trump, outros actores procuram posicionar-se melhor em
diferentes tabuleiros geoestratégicos, não podendo disfarçar-se com máscaras de
beatitude (Macron a querer posicionar-se como líder da Europa disputando com
Merkl esse pódio, Erdogan projectando maior protagonismo no Médio Oriente,
Netanyahu querendo alargar as suas fronteiras, arrasando palestinianos e
libaneses, etc.).
Neste ano registou-se a terceira
tentativa de reunificação das duas Coreias, separadas entre si após a Guerra da
Coreia de 1950-1953 e a intenção da desnuclearização total da península
coreana. Nos dois casos anteriores, a influência e chantagem dos EUA sobre o
Sul e o acomodamento de governos conservadores a elas foram decisivos para
derrubar as esperanças de reunificação de ambos os lados do “paralelo 38” e
congelar projectos muito concretos no plano político e institucional que então
tinham sido feitos entre negociadores de ambas as partes. Neste ano, com a
ajuda de ambiente criado pelos Jogos Olímpicos de Inverno, foi possível nova
tentativa, desta vez protagonizada pelo Presidente da Coreia do Norte, Kim
Jong-un e pelo novo primeiro-ministro sul coreano Moon Jae-in, num gesto de
grande coragem de ambos, que semanas antes seria impensável.
Há cerca de um mês, com um
prolongado aperto de mão e um abraço caloroso ambos os dirigentes iniciaram o
caminho no lado sul-coreano da zona desmilitarizada da Coreia (ZDC), com a
assinatura de um acordo onde ambos firmaram o seu compromisso com “uma nova era
de paz” e com a “desnuclearização da Península da Coreia”. E Moon Jae-in
afirmaria então que “Vamos transformar as relações da Península da Coreia em
terra, no mar e no ar. Vamos suspender todas as formas de hostilidades”,
sublinhando ainda que “não vamos voltar atrás no tempo”. É certo que as
negociações foram acompanhadas antes quer pela China, quer pelos EUA, países
que declarariam no dia seguinte o seu acordo e esperança que viesse a
consolidar-se. Dias depois ficou aprazado, com data marcada para 12 de Junho, a
reunião entre Donald Trump e Kim Jong-un em Singapura e, apesar de abalada
pelas manobras militares, ambos os lideres mantiveram essa marcação apesar de
chantagens de última hora por parte de Trump, que acabou por a desmarcar exactamente
quando a Coreia do Norte procedia à destruição, testemunhada pela imprensa
internacional, dos locais dos testes nucleares anteriores. Não é segredo de
Polichinelo que os EUA têm grande influência sobre os dirigentes militares do
Sul mas também é certo que as forças armadas obedecem ao primeiro-ministro por
imperativo constitucional. É, por isso incompreensível que, após esta dinâmica
de reconciliação, se tenham realizado poucos dias depois do anúncio da visita
do dirigente norte-coreano aos EUA, manobras das Marinhas e Forças Aéreas da
Coreia do Sul e dos EUA, adiadas em virtude dos Jogos em Seul, mas em que os
EUA usaram um novo caça e um B-52, próprios para ataque e invasão de território “inimigos”.
E como se isto não bastasse,
Trump nomeou como novo embaixador em Seul um ex-comandante da Base de
Guantánamo e chefe do bombardeamento marítimo, liderado pelos EUA na Líbia, em
2011, e que actualmente era responsável por todas as operações da Marinha dos
EUA na Ásia.
Ao mesmo tempo, John Bolton,
Conselheiro de Segurança Nacional de Trump, ameaçou que o governante
norte-coreano Kim Jong-un seguiria o destino de Kadhafi se "não fizesse o
acordo" sobre a desnuclearização. O vice-presidente Mike Pence assinaria
por baixo. Para mais tarde Bolton rectificar dizer que "o modelo da
Líbia" não fazia parte dos planos para lidar com Pyongyang… se ele não
chegasse a um acordo com os EUA.
O regime em Pyongyang reagiu
fortemente contra as declarações no fim-de-semana anterior, a isso e a que a
Coreia do Norte teria que desmantelar o seu arsenal nuclear completa e
imediatamente. Um porta-voz da RPDC disse então que Kim não participaria numa
cúpula com objetivos tão "unilaterais" mas estava empenhada em a
realizar. A rejeição das declarações de Bolton e Pence levaram a que Trump
suspendesse a cimeira com Kim Jong-un, com a manifestação de desacordo com essa
atitude por parte da Coreia do Sul, da Rússia e da China. Trump deu o dito por não dito, provavelmente depois de contactos com os presidentes de ambas as Coreias.
A cimeira europeia na Bulgária na
passada semana confrontou-se com as chantagens e humilhações que Trump tem tido
para com vários países europeus, a propósito das suas relações exteriores e
parcerias comerciais.
O presidente do Conselho Europeu,
Donald Tusk criticou a administração Trump por ser de “assertividade
caprichosa”, glosando a frase célebre "com amigos assim quem precisa de
inimigos?". E disse “pensar que o verdadeiro problema geopolítico não é
ter um opositor imprevisível, ou inimigo ou parceiro, o problema é quando o
nosso melhor amigo se torna imprevisível", afirmou Tusk. Por seu lado, Jean-Claude
Juncker, presidente da Comissão Europeia, referindo-se à discussão sobre as
relações externas da UE, sublinhou que "não vamos negociar com uma espada
de Dâmocles pendurada sobre nossas cabeças".
Entretanto, e ao mesmo tempo, Trump
usava uma reunião com membros da NATO na Sala Oval da Casa Branca para verberar
os membros da Aliança por uma “injusta partilha de encargos” e “deslealdade”,
procurando atingir em particular a Alemanha por ser um contribuinte deficitário
para ela “de longa data” e por “comprar enormes quantidades de gás à Rússia na
ordem de milhares de milhões de dólares”. Para ele, isso era “algo que vamos discutir”
até porque a NATO, ao abrigo da “Enhanced Forward Presence”, tem aumentado as
instalações militares ao longo da fronteira ocidental da Rússia que lhe confere
acrescida capacidade ofensiva. Nessa reunião, virando-se para o
secretário-geral da NATO, o ex-ministro norueguês da Defesa, Jens Stoltenberg,
Trump ordenou “Penso que você saberá tratar dos que não contribuíram, certo?”
Trump, por razões comerciais,
apaga os compromissos eleitorais que teriam estado na base da vontade expressa
de se “dar bem com a Rússia”. Afinal, a Rússia seria inimiga porque a Alemanha
é particular beneficiária do fornecimento de gás do Báltico à Europa através do
Nord Stream da Gazprom e, talvez por isso, ela e outros países não estarem a
cumprir com os 2% para a NATO. Trump chegou mesmo a referir-se às relações
comerciais normais com a Rússia como um sinal de “traição”.
Para servir os interesses dos
EUA, nomeadamente para reduzir as suas dívidas e os seus deficites comerciais,
Trump vai inventando inimigos, mandando às urtigas os princípios da livre
concorrência nas relações internacionais que, no início do processo de
globalização capitalista, eram sagrados para os EUA. E como os amigos do seu
inimigo, para além dos mais “relapsos” nas contribuições para NATO, serão tudo
menos seus amigos, Trump atirou-se aos velhos aliados europeus –“países
desleais” - como gato a bofe, com algumas excepções (1).
Os EUA, que criaram a NATO, no
final da 2ª Guerra, para combater a “ameaça” dos então países socialistas,
serviram-se dela – e os restantes “aliados” também se serviram ou deixaram
servir para uma série de intervenções militares verdadeiramente criminosas. A
começar na própria Europa com o esfrangalhar da ex-Jugoslávia e do genocídio
que permitiu. Para intervenções não cobertas pela ONU em países como a Líbia,
em que a destruição dum estado moderno, o assassinato, gravado para TVs de todo
o mundo do seu líder Kadhafi, e a transformação deste país numa federação de
gangues mafiosos, inclusivamente pela tragédia de imigrantes subsaarianos,
recrutados por “negreiros”, dos quais uma boa parte jaz nas águas
mediterrânicas. Ou do ataque ao Iraque com estilos e consequências idênticas.
Jorge Cadima referiu há dias no
Avante! que “Todas as guerras dos
EUA/NATO no último quarto de século violaram a legalidade internacional. A
Resolução da ONU (1244) que pôs fim aos bombardeamentos da Jugoslávia pela NATO
(com Clinton) reafirmava «a soberania e integridade territorial da República
Federativa da Jugoslávia», que foi de seguida desmembrada. O Iraque e a Líbia
assinaram acordos de desarmamento mas foram atacados pelos EUA/NATO, e os seus
dirigentes assassinados (com Bush e Obama). Para o imperialismo
norte-americano, acordos e o desarmamento de terceiros são meros passos que
facilitam futuras agressões” (2).
Que autoridade moral assiste
então aos EUA, para exigir que os países europeus alimentem os lucros do seu
complexo militar-industrial, com a aquisição com os tais 2% de cada vez mais
armas, - em geral adquiridas aos EUA - que anualmente já se juntam a mais de 3% do seu PIB, verbas da ordem dos
700 milhares de milhões de dólares para o orçamento federal. Valores que a
administração americana mantem e não pode impor a outros porque isso
corresponde a uma opção de fundo de porem esse complexo a sustentar a economia.
Sendo que, seguramente é, em opções como essa, que a economia norte-americana
sofre distorções.
Nesta dinâmica de algum
distanciamento da administração norte-americana, Macron e Putin aproveitaram o
Fórum Económico Internacional de S. Petersburgo para uma troca de impressões
sobre como solucionar a crise na Síria, na Líbia e no processo de paz no Médio
Oriente, bem como sobre a situação no leste da Ucrânia. Por sua vez Angela
Merkl avistou-se em Pequim com o presidente chinês para o desenvolvimento das
relações bilaterais.
Ainda na referida reunião da Sala
Oval, Trump disparou de novo contra o Irão para uma vez mais chantagear países
europeus “desleais”. A associação do Irão à disseminação do “terrorismo” seria
um desafio que a NATO teria de defrontar. Trump quis que a NATO subscrevesse
que o Irão é um estado inimigo que deve ser confrontado pela aliança, em todo,
afirmou com o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, sentado ao seu lado.
Depois de Trump ter saído do
acordo nuclear multilateral com o Irão na semana anterior, a União Europeia
quis mostrar um “cerrar de fileiras”, na Bulgária, para apoiar o acordo,
tendo-se os seus dirigentes nesta cimeiro assente apenas que as empresas
europeias que fazem negócios com o Irão têm de estar protegidas das sanções
impostas pelos EUA a Teerão. Tusk referiu que "Quanto ao acordo nuclear
com o Irão, concordámos em como a União Europeia se manterá no acordo enquanto
Teerão mostrar empenho em prosseguir na mesma via”.
Os EUA e a UE deveriam ter em
conta que novas sanções contra o Irão poderão tornar o yuan preferível ao dólar
no mercado de petróleo. Desde o seu lançamento em Maio, o interesse nos
contratos de petróleo apoiados no renminbi têm subido constantemente. Os
volumes diários negociados atingiram o recorde de 250.000 lotes na última
quarta-feira, e a participação dos contratos em yuan no comércio global saltou
de 8% em Março para 12%. "Os contratos disparam ", segundo Stephen
Innes, diretor de operações para a Ásia / Pacífico da corretora de futuros
OANDA, em Singapura, citado pela Reuters. "Faz sentido para o Irão começar
a vender petróleo em contratos baseados em yuans em vez de dólares." A
China é o maior consumidor de petróleo do mundo e também compra boa parte do
petróleo do Irão, que é um grande produtor da OPEP. Pequim recebe 25% das
exportações de petróleo do Irão, o que representa oito por cento de suas
necessidades.
A China está a ganhar
economicamente. Enquanto os EUA deixam o acordo, Pequim pode atrair empresas
europeias para trabalhar coma China no Irão, isolando Washington e preenchendo
o vácuo dentro do imenso mercado iraniano.
Ao usar mais yuans no comércio de
petróleo, Pequim economiza os custos da troca em dólares e promove o renminbi
como moeda global, dizem os analistas. Na semana passada, as cotações em Xangai
subiram para um recorde em alta de 75,40 dólares por barril, crescendo mais
rapidamente do que os benchmarks Brent e WTI.
Um dos maiores prejudicados com o
retomar das sanções será a Boeing, a multinacional norte-americana que detém a
maior empresa aeronáutica mundial, que irá perder um lucrativo contrato de 20
mil milhões de dólares.
A França e a Inglaterra seriam
particularmente atingidas pelas consequências de retomarem sanções ao Irão.
Como no comércio com a Rússia, cujas sanções os EUA decretaram levando os seus
vassalos europeus à arreata, isso significaria que os membros europeus da NATO
que continuem a procurar investimentos e negócios no Irão estão a
"colaborar" com o inimigo.
Os EUA não têm autoridade moral
para esperar que os outros obedeçam às suas ordens quando são os EUA a
desconsiderar as resoluções das Nações Unidas e a legislação Internacional,
escolhendo quais regras que se lhe aplicam e quais regras que não, dependendo
dos seus próprios interesses ou de interesses de aliados “leais”.
Israel prepara um ataque nuclear
contra o Irão há muitos anos. Israel dispõe de centenas de bombas nucleares. O
Irão não tem nenhuma, tendo apenas um programa nuclear para fins civis.
Não pode passar no
desconhecimento geral que toda esta campanha contra o programa nuclear iraniano
(civil e não militar), que levou ao Acordo, de que os EUA se afastaram agora,
pretende esconder que há cerca de meio século Israel tem criado um arsenal de
armas nucleares em Dimona, com o apoio dos EUA e da França, que nunca quis
reconhecer, e que dispõe da capacidade de ter 200 ogivas nucleares prontas para
disparar contra o Irão, conforme mensagem escrita por Colin Powel em 3/3/2015
já tornada pública. Hoje em dia, segundo o analista Manlio Dinucci, Israel
dispõe de um arsenal nuclear de entre 100 e 400 armas atómicas, que incluem
bombas nucleares tácticas e bombas de neutrões de nova geração. Israel Produz
plutónio e trítio em quantidades suficientes para construir centenas de armas
atómicas. As ogivas nucleares israelitas encontram-se prontas a serem usadas,
tal como os mísseis balísticos como o Jericó 3. Para usar estas armas
nucleares, Israel dispõe de outros vectores como os aviões F-15 e F-16,
fornecidos pelos EUA, a que se juntaram agora os F-35, também fabricados nos
EUA.
Entretanto as numerosas
inspecções da Organização Internacional da Energia Atómica (OIEA) têm
confirmado que o Irão não tem armas atómicas e que está a submeter-se
pontualmente aos controlos internacionais previstos no Acordo. (3)
É evidente que EUA, Israel e
agora Arábia Saudita se preparam para dispor de armas nucleares contra o Irão.
O invocado apoio ao Hezbollah e à defesa da Síria por parte do Irão, são
pretextos grosseiros para esconderem essa realidade.
A atitude de Trump, ao deslocar a
embaixada norte-americana de Telavive para Jerusalém desencadeou uma tempestade
no povo palestiniano, oprimido e preso dentro do seu próprio território, no
decurso da sua Marcha do Regresso. Dezenas de mortos, assassinados pela
soldadesca israelita, foram com naturalidade aceites por Trump que, uma vez
mais quis fazer do massacre uma expressão do combate ao terrorismo de origem
iraniana…
Esta atitude é apenas mais uma
das que os EUA têm tido ao longo de 70 anos desde a criação do estado sionista
de Israel, numa dramática sucessão de massacres, invasões, inviabilização do
estado palestiniano pela desintegração física e bloqueio à circulação,
atentados e liquidações de dirigentes e activistas por snipers e drones.
A abertura da embaixada dos EUA
em Jerusalém no 70º aniversário da fundação do Estado de Israel ou, como os
palestinianos a vêem, o Dia Nakba - quando 700 mil árabes fugiram ou foram
expulsos de suas casas durante a guerra de 1948 - provou ao mundo o
desinteresse dos EUA em promoverem verdadeiras e genuínas soluções pacíficas
para o conflito de Israel com a Palestina.
A moral de alguns diplomatas
norte-americanos terá sido afectada, pelo que o novo Secretário de Estado Mike
Pompeo se veio gabar da "integridade essencial" que os EUA têm na
abordagem de questões globais. O Departamento de Estado divulgou passagens de
comentários seus, exortando os diplomatas desmoralizados dos EUA a agir com
firmeza e agressividade enquanto conduzem as políticas externas do governo
Trump, assegurando-lhes que a causa dos EUA é justa.
Depois do banho de sangue de
Gaza, a maioria dos governos árabes reagiu condenando o comportamento do
exército israelita. Os países muçulmanos queriam ir mais longe na cimeira de
Istambul convocada pelo presidente turco, Recep Tayyip Erdogan. Os
representantes dos cinquenta e sete países, agrupados na Organização da
Cooperação Islâmica (OCI), pediram no dia 18 de Maio, "proteção
internacional para o povo palestiniano, inclusive com o envio de uma força de
protecção internacional ", de acordo com o comunicado final da cimeira. De
facto, à semelhança da lógica da criação de forças de paz noutros pontos do
mundo, o actual secretário-geral da ONU e os seus antecessores tiveram medo de
suscitar esta questão em relação aos sucessivos massacres de palestinianos. É o
que vale Israel dispor de armas nucleares, mesmo ao arrepio de qualquer
comunicação à AIEA e à não autorização de qualquer investigação no complexo
nuclear militar de Dimona.
A abertura decidida pelo
Presidente Sissi da fronteira de Gaza com o Egipto durante 30 dias consecutivos
para o Ramadão, que está a decorrer, constituiu algum alívio para os
palestinianos.
E quem foi o “democrata” que se
seguiu a instalar embaixada em Jerusalém? O presidente corrupto da Guatemala,
que ao mesmo tempo exigira a mudança dos Embaixadores da Suécia e da Venezuela.
Porque ambos os diplomatas apoiaram muito activamente a Comissão Internacional
contra a Impunidade na Guatemala (Comissão Internacional contra a Impunidade na
Guatemala, CICIG). Este organismo, criado pelas Nações Unidas e aprovado pela
Assembleia guatemalteca, está encarregue de auxiliar o Ministério Público e a
Polícia do país. O Presidente Jimmy Morales já tentara expulsar o Presidente da
Comissão depois de esta ter iniciado uma investigação sobre o financiamento da
sua campanha eleitoral. Trump e Nethanyau ficaram muito bem acompanhados da
fotografia…E quem sã os vassalos seguintes? Os governos de direita do Panamá e
do Chile, agradecidos aos massacres que, directa ou indirectamente os EUA
promoveram através do derrube de presidentes e maiorias legislativas de
esquerda, democraticamente eleitos pelos respectivos povos.
A repressão do protesto civil da
população de Gaza com armas militares valeu a Israel a abertura de uma
investigação, aprovada pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, e
que se debruçará também sobre as acções na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental.
Votaram a favor 29 países, 14 abstiveram-se, sendo os únicos votos contra os
dos EUA e da Áustria. Claro, da Áustria que tem um governo de extrema-direita…
Invocando o receio de violência
durante o Ramadão, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu sustentou
que “os meios não-letais não funcionam” e ameaçou reactivar a política de
assassinios selectivos contra dirigentes do Hamas se as manifestações de
protesto continuarem.
Reflecti há dias no Facebook
sobre como lidar com Israel na complexa negociação para a paz no Médio Oriente
para que esta conduza a resultados efectivos.
Israel saiu de Gaza em 2005 mas a faixa está cercada há mais de dez
anos. Ali a ONU prevê que ninguém consiga viver dentro de uma década.
Rússia, China e alguns grandes
países desempenham hoje um importante papel para atenuar tensões regionais e de
impacto global, para encontrar solução para os conflitos através de negociações
entre partes, em que necessariamente como em qualquer processo negocial existem
cedências de parte a parte, para reduzir a margem de manobra e tentar acabar
com o terrorismo, para associar a todos estes esforços diplomáticos meios de
desenvolvimento dos países mais desprovidos de quase tudo.
Esta é uma realidade que convive
com o papel negativo dos EUA, da União Europeia e de Israel.
A operação da instalação da
embaixada americana em Jerusalém que, de acordo com as decisões da ONU é
capital simbólica de dois estados – o palestiniano e o israelita – é uma
machadada forte nos esforços de paz.
O isolamento internacional dos
protagonistas deste acto e o massacre de dezenas de palestinianos agora, que se
somam a mais outras dezenas nos meses anteriores, exigem uma clarificação das
relações com Israel. Há dias, Israel voltou a disparar mísseis contra a capital
síria de Damasco, masque viriam a ser abatidos pela defesa antimíssil síria.
O correspondente do Expresso em
Gaza, Julio de la Guardia, descrevia há dias a situação naquele território,
através do relato de uma habitante ocasional daquela faixa da Palestina:
“Gaza está sitiada há mais de dez anos. Nem
sequer há água. A única que existe é salgada. Apenas água do mar. Em uma pessoa
sente-se pegajosa todo o dia. Todos os dias, há anos. E, de vez em quando, um
F-16 aparece e lança bombas. De vez em quando, de repente, morre-se.
Já nos habituámos aos números
brutais de Gaza. Quase dois milhões de palestinianos vivem aqui e 80% vivem da
ajuda humanitária: 50% sofrem de “insegurança alimentar”, segundo o jargão da
ONU, 50% passam fome e 45% têm menos de 15 anos.
Em Gaza só se tem eletricidade
quatro horas por dia. O que significa que, durante as outras 20 horas, os
hospitais não têm ventiladores, não têm incubadoras. Não têm luz nas mesas de
operação. E, contudo, há uma palavra em Gaza que diz mais do que todos estes
números: Tramadol. Que é um analgésico. Um analgésico para cães. E é a droga
mais popular aqui.
Muitos jovens de todo o mundo
usam ecstasy, cocaína, metanfetaminas para se sentirem despertos até ao
amanhecer. Em Gaza, contudo, quem está na faixa dos 20 anos só quer adormecer e
esquecer. A cada dois ou três dias, há uma tentativa de suicídio. Nos últimos
dez anos, Israel proibiu até a entrada de lápis, brinquedos, instrumentos
musicais, bolachas e batatas fritas. Calculou que, para se manterem vivos, os
palestinianos precisavam de 2279 calorias cada: e proibiu tudo o resto”.
O presidente Putin levou
Netanyahu e o presidente da Sérvia para o seu lado, no desfile da vitória no
início deste mês em Moscovo e os contactos entre responsáveis de ambos os
países parecem ter-se traduzido num fechar de olhos ou aquiescência por parte da Rússia
a ataques contra instalações de brigadas militares de origem iraniana e do
Hezbollah em território sírio.
Entretanto as negociações para a
paz na Síria prosseguiram em Astana, capital do Cazaquistão, promovidas pela
Síria, Rússia e Irão, com a ONU e a Turquia como observadores e a participação
da oposição síria, que não inclui os grupos terroristas, entretanto derrotados
e removidos das zonas de influência, que nelas não quiseram participar por uma
questão de princípio de não-aceitação da negociação que reconhecesse as
instituições do Estado Sírio. E deixaram as portas abertas a acordos de
aceitação internacional mais vastos, que possam incluir os EUA e a UE
nomeadamente. O contacto entre Macron e Putin, no passado fim-de-semana, em S. Petersburgo, pode entreabrir essa possibilidade. É certo que é difícil para tais protagonistas reconhecerem a
derrota, que custou centenas de milhares de vidas humanas numa luta que levou à
derrota dos grupos terroristas que armaram durante anos e que nunca partilharam
com Damasco a ideia de negociar uma paz para o conflito.
É certo que são complexos os
compromissos a obter até uma paz promissora mas isso não pode levar à aceitação
das já referidas atitudes de Israel nem ao abandono do direito dos
palestinianos a terem o seu estado, que não o campo de concentração em que hoje
a Cisjordânia e, particularmente, a faixa de Gaza vivem. A Rússia e também a
China terão que ter isto em linha de conta.
Há dias, em entrevista à
RussiaToday, a ex-candidata republicana independente às últimas eleições
presidenciais norte-americanas, Souraya Faas, declarava “A única maneira de
estabelecer a paz mundial é os Estados Unidos pararem de se intrometer noutros
países e concentrarem-se no que realmente importa para o povo americano -
"Tornar a América Grande Outra Vez". Para esta republicana
desassombrada hoje em dia, a política externa americana reflecte apenas os interesses
de algunsdos seus aliados e não os interesses do povo americano, como Trump
tinha prometido em matéria de política externa. E que nunca existirá paz
verdadeira e genuína no Médio Oriente quando os EUA estiverem a fazer o
contrário do que importa fazer.
E vai mais longe ao afirmar que
“Não por culpa própria, o povo do Médio Oriente se vê envolvido em rivalidades
políticas e tensões religiosas e étnicas alimentadas pelos países ocidentais,
cujos constantes jogos de cabos-de-guerra se concentram apenas no garantir dos
seus próprios interesses”.
(1) Reino Unido, Polónia, Grécia,
Roménia, Lituânia, Letónia e Estónia – os “amigos leais”…
(2) Jorge Cadima, “A pútrida
classe dirigente dos EUA só conhece a violência “, 17 Maio 2018, “Avante!”.
(3) http://www.voltairenet.org/article201175.html,
Manlio Dinucci “200 armas nucleares apontadas ao Irão”.
originalmente publicado em abrilabril, em 28 Maio 2018, entretanto actualizado.