(*) Originalmente publicado em 29/05/2019 em www.abrilabril.pt
De um lado estavam John Maynard Keynes1 e Frank H. Knight. Do outro, Frank P. Ramsey e Leonard Jimmie Savage.
Knight e Keynes acreditavam na omnipresença da «incerteza radical». Não só não sabíamos o que iria acontecer, mas tínhamos uma capacidade muito limitada de descrever as coisas que poderiam acontecer. Eles distinguiram o risco, que poderia ser descrito com o auxílio de probabilidades, da incerteza real que não poderia ser assim descrito. No mundo de Knight, tais incertezas deram origem às oportunidades de lucro que eram a dinâmica de uma economia capitalista. Keynes viu essas incertezas como a raiz da inevitável instabilidade nestas economias.
Os seus oponentes insistiram, contrariamente, que todas as incertezas poderiam ser descritas em termos probabilísticos. E estes seus oponentes venceram, até porque o seu mundo probabilístico era conveniente: poderia ser descrito axiomaticamente e matematicamente. É difícil exagerar a consequência prática do resultado desse argumento técnico. Reconhecer o papel da incerteza radical é derrubar as fundações da teoria das finanças e da macroeconomia modernas. Mas o consenso reinante está envolvido em fraquezas gritantes.
Segundo o analista de economia John A. Kay, estes anos revelaram que Keynes e Knight estavam certos e que os seus oponentes estavam errados. E o reconhecimento disso é uma questão prévia necessária à reconstrução de uma teoria económica mais relevante.
«Knight e Keynes acreditavam na omnipresença da «incerteza radical». Keynes viu essas incertezas como a raiz da inevitável instabilidade nestas economias. Reconhecer o papel da incerteza radical é derrubar as fundações da teoria das finanças e da macroeconomia modernas»
Dentro desta linha de pensamento dominante, e já depois dos colapsos a que conduziu a globalização capitalista, o mundo teve que passar pela crise da bolha imobiliária. O ex-presidente do Fed2, Alan Greenspan, foi identificado como o principal culpado na criação de condições para a crise financeira, em particular por se opor a uma maior regulamentação e promover uma bolha imobiliária. Hoje, Greenspan já está no Capitólio. E desta vez fala em termos que todos nós podemos entender: admite alguma responsabilidade, mas furta-se à culpa final.
Em afirmações recentes, declarou que estava «em estado choque de descrença» com a crise financeira, um «tsunami de crédito que ocorre em cada século». O deputado Henry Waxman, perguntando a Greenspan se ele tinha cometido um erro e se sua ideologia tinha falhado com ele. Greenspan admitiu que «cometeu um erro» ao acreditar que as empresas financeiras poderiam administrar seus riscos, sendo «mais capazes de proteger os seus próprios accionistas». Em particular, disse estar errado sobre o perigo representado pelos contratos swap de crédito3.
O colapso «chocou-me», disse. «Eu ainda não entendo completamente por que isto aconteceu. E, obviamente, onde isso aconteceu e por que devo mudar os meus pontos de vista. Se os factos mudarem, então mudo».
Como se vê o mea culpa de Greenspan e é muito limitado. Ainda por cima por não aceitar a ideia de que suas políticas ajudaram a promover uma bolha. E quando pressionado sobre seus comentários públicos exaltando a atractividade das hipotecas de taxa ajustável, ele disse que nunca disse que tais empréstimos não eram arriscados ou preferíveis a empréstimos com taxas fixas...
Mais tarde, Greenspan disse que ficou claro para ele que os Estados Unidos estavam com uma bolha imobiliária no início de 2006 e que não previam um declínio significativo nos preços dos imóveis porque «nós nunca tivemos esse problema». O que é certo é que os economistas vinham alertando sobre a bolha imobiliária há vários anos, e a bolha em alguns relatos estalou em 2006. Como pode um presidente da Reserva Federal mentir tanto e enjeitar tanto a incapacidade (?) de tomar medidas atempadas?
A explosão dos empréstimos subprime, especialmente o tratamento febril na securitização desses empréstimos, foi a raiz do problema, argumentou Greenspan, mas disse que isso não era óbvio para os reguladores da Reserva Federal. «Como pessoas não fomos suficientemente espertos e não conseguimos prever os acontecimentos com muita antecedência. E é muito difícil dizer retrospectivamente por que o não conseguimos.»
É importante «não esperar infalibilidade» dos funcionários do governo, disse Greenspan, ele próprio um ex-funcionário do governo…
E é a tais políticos norte-americanos que nomeiam tais presidentes da Fed que o mundo deve continuar exposto?
- 1.John Maynard Keynes (1883-1946). Economista britânico cujas ideias mudaram fundamentalmente a teoria e prática da macroeconomia, bem como as políticas económicas instituídas pelos governos. Um dos economistas mais influentes do século XX e o fundador da macroeconomia moderna. O seu trabalho é a base para a Escola Keynesiana. Na década de 1930, Keynes opôs-se às ideias da economia neoclássica que defendiam que os mercados livres ofereceriam automaticamente empregos aos trabalhadores contanto que eles fossem flexíveis na sua procura salarial. As suas ideias serviram de base à política do presidente Franklin D. Roosevelt para o combate à Grande Recessão de 1929, a maior crise do capitalismo na primeira metade do século XX. Durante e após a Segunda Guerra Mundial as ideias económicas de Keynes foram adoptadas pelas principais potências económicas do Ocidente. O advento da crise económica global do final da década de 2000 causou um ressurgimento do pensamento keynesiano. Joseph Maynard Keynes defendeu uma política económica de estado intervencionista, através da qual os governos usariam medidas fiscais e monetárias para mitigar os efeitos adversos dos ciclos económicos.
- 2.O Sistema de Reserva Federal (em inglês, Federal Reserve System, também conhecido como Federal Reserve ou simplesmente como The Fed) é o sistema de bancos centrais dos Estados Unidos.
- 3.Os contratos swap são contratos de cobertura de risco no financiamento que fixam uma taxa de juro a pagar por um empréstimo, ficando uma das partes obrigada a pagar a diferença entre a taxa fixa e a variável, implicando assim perdas para uma das partes.