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sábado, 28 de dezembro de 2019

Bom fim de semana, por Jorge



What you can imagine depends on what you know.”

"O que conseguimos imaginar depende daquilo que conhecemos."


Daniel Dennet 
filósofo americano, n.1942)




sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Os EUA e o desaire na segunda guerra do Afeganistão, por António Abreu

Os EUA e o desaire na guerra do Afeganistão  No passado dia 9 de dezembro, o Washington Post revelou um conjunto de documentos confidenciais do governo norte-americano que revela que  as mais altas autoridades deste país mentiram sobre a guerra no Afeganistão durante a campanha que já durou 18 anos, fazendo declarações positivas que sabiam serem falsas e escondendo evidências inconfundíveis de que a guerra não era susceptível de ser ganha. Estes elementos referem-se à segunda guerra no país, depois da primeira guerra (1). 

Os documentos foram produzidos por um projeto federal que examinava as falhas fundamentais do conflito armado mais longo da história dos EUA.  Incluem mais de 2.000 páginas de notas de entrevistas inéditas com pessoas que desempenharam um papel directo na guerra, de generais e diplomatas mas também trabalhadores auxiliares e autoridades afegãs.  

O jornal revela que o governo dos EUA tentou proteger as identidades da grande maioria dos entrevistados para o projeto e ocultar quase todas as suas observações. 

O Post ganhou a causa para serem libertados os documentos após uma batalha legal de três anos.

 "Faltava-nos uma compreensão fundamental do Afeganistão - não sabíamos o que estávamos a fazer", disse em 2015 Douglas Lute, um general do Exército de três estrelas - que serviu como pivot da Casa Branca na guerra conduzida neste país durante as administrações de Bush e Obama. E acrescentou: “O que estamos a fazer aqui? Não tínhamos a menor noção do que estávamos a fazer. " E Lute acrescentava “Se o povo americano soubesse a dimensão dessa disfunção com a perda de 2.400 vidas ”, referindo-se apenas as perdas de militares norte-americanos, culpando, por isso os colapsos burocráticos entre o Congresso, o Pentágono e o Departamento de Estado. "Quem poderia dizer que isso foi em vão?" Desde 2001, mais de 775.000 soldados dos EUA foram enviados para o Afeganistão, muitos por várias vezes. Desses, 2.300 morreram lá e 20.589 foram feridos em ação, segundo dados do Departamento de Defesa.  . As entrevistas realizadas no âmbito daquele projecto, através de uma extensa variedade de vozes, revelam as principais falhas da guerra que persistem até hoje. Eles ressaltam como três presidentes - George W. Bush, Barack Obama e Donald Trump - e os seus comandantes militares foram incapazes de cumprir as suas promessas relativas à permanência no Afeganistão. 

Com a maioria dos entrevistados a pensar que as suas declarações não se tornariam públicas, as autoridades americanas reconheceram que as suas estratégias de combate tinham falido e que Washington estavam a desperdiçar enormes somas de dinheiro tentando reconstruir o Afeganistão num país moderno. 
As entrevistas também destacam as tentativas frustradas do governo dos EUA de reduzir a corrupção descontrolada, formar um exército afegão e uma força policial competentes e acabar com o próspero comércio de ópio do Afeganistão.  

O governo dos EUA não realizou uma contabilidade global sobre quanto gastou a guerra no Afeganistão, mas os custos são surpreendentes. Desde 2001, o Departamento de Defesa, o Departamento de Estado e a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (2) gastaram ou apropriaram-se de entre 934 mil milhões e 978 mil milhões de dólares, de acordo com uma estimativa corrigida pela inflação calculada por Neta Crawford, professora de ciências políticas e codiretora dos custos de Projeto de Guerra na Universidade Brown. Esses números não incluem o dinheiro gasto por outras agências, como a CIA e o Departamento de Assuntos dos Veteranos que era responsável pelos cuidados médicos aos veteranos feridos. 


“O que recebemos por esse esforço 1 trilião (3) de dólares? O que nos valeu esse 1 trilião? (3)”, perguntou Jeffrey Eggers, aposentado dos Navy SEAL e da Casa Branca de Bush e Obama, aos entrevistadores do governo. E acrescentava: "Após o assassinato de Osama bin Laden, eu disse que Osama provavelmente estaria a rir-se na sua cova aquática, ao olhar o quanto gastamos no Afeganistão"… 
Os documentos também contradizem um longo coro de declarações públicas de presidentes, comandantes militares e diplomatas dos EUA, que garantiam aos americanos, ano após ano, que estavam progredindo no Afeganistão e que valia a pena lutar nesta guerra.

  
(1) A primeira guerra no Afeganistão iniciou-se com os combates de diversos grupos fundamentalistas islâmicos contra o governo saído da revolução de Saur, em 1978, de carácter socialista, com apoio da maior parte das forças armadas e amplo apoio popular. Este governo promoveu um estado laico e moderno, a educação e a emancipação das mulheres, o ensino da língua e das tradições culturais.  As relações de cooperação militar com a União Soviética já se davam com carácter permanente desde 1919, depois da Revolução de Outubro na Rússia. Mas começaram, em efetiva e larga escala, apenas em 1956. Novos acordos foram assinados nos anos 70, com os soviéticos a enviar conselheiros militares e especialistas. A União Soviética financiou várias obras de infraestruturas diversas, deu assistência na construção da Universidade de Cabul, do Instituto Politécnico e também de hospitais, fábricas produtoras de energia e escolas. Nos anos 80, os soviéticos também financiaram a construção de universidades em Blakhe, Herate, Takhar, Nangarhar e Fariyab. Professores russos foram enviados para dar aulas no Afeganistão. Os combatentes mujahidins, vindos de vários países, tinham as suas bases no território vizinho do Paquistão. Um deles era dirigido pelo saudita Osama Bin Laden que criaria o grupo terrorista Al Qaeda. Os norte-americanos viam o Afeganistão como uma parte integrante da Guerra Fria e a CIA enviou ajuda às forças antissoviéticas através dos serviços de inteligência paquistaneses, num programa chamado Operação Ciclone. Estima-se que entre 850 000 e 1 500 000 afegãos morreram neste conflito. Os militares e agentes do KGB mortos foram cerca de 15 000.   Desde a intervenção a pedido do governo em 1979, os soviéticos concluíram a sua retirada em 1989. Foi a primeira guerra do Afeganistão.  

Os EUA, depois dos ataques às Torres Gémeas em 1 set 2001, lançaram, de imediato um ataque sobre o Iraque, invocando ter este armas de destruição maciça o que se revelou mais tarde ser uma ameaça inventada pelos EUA e seus aliados para “justificar” a agressão. 
Foram duas décadas de guerra, que ainda se mantem hoje com uma tentativa dos talibans reverterem a situação a seu favor e afastar o governo actual. 

(2) A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, mais conhecida pelo seu acrónimo em inglês USAID, é um organismo do governo dos Estados Unidos encarregado de distribuir a maior parte da “ajuda externa de carácter civil”, mas que de facto se traduz na entrega a instituições, que são a capa de organizações terroristas ou destinadas a organizar insurreições, de meios e agentes da CIA. Os EUA mantêm uma grande multiplicidade destas organizações em todo o mundo (alguns dos exemplos mais recentes as “insurreições” na Venezuela, Bolívia, Hong-Kong e em bolsas terroristas na Síria). 

(3) O número um seguido de 18 zeros.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Bom fim de semana, por Jorge



"O aprendes a ser feliz con las cosas elementales de la vida, o no serás nunca feliz"

"Ou aprendes a ser feliz com as coisas elementares da vida, ou nunca serás feliz."

Pepe Mujica 
Agricultor, ex-presidente uruguaio, 
n. 1935,

num encontro com jovens em 11/10 deste ano no Colegio Nacional de Buenos Aires.


num encontro com jovens em 11/10 deste ano no Colegio Nacional de Buenos Aires.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Confirma-se quadro sombrio da saúde nos EUA, por António Abreu



Os Estados Unidos, apesar de gastarem mais em assistência médica do que qualquer outro país, registaram uma mortalidade crescente e uma esperança de vida decrescente para pessoas de 25 a 64 anos, que deveriam estar no auge de suas vidas.

Um novo relatório publicado no Journal of the American Medical Association pelos investigadores Steven H. Woolf e Heidi Schoomaker, mostra um quadro sombrio: a esperança de vida geral nos Estados Unidos, que havia aumentado nos últimos 60 anos, caiu em três anos consecutivos. Mas essa não é apenas uma tendência recente. A expectativa de vida dos EUA começou a perder ritmo com outros países na década de 1980 e, em 1998, havia caído para um nível abaixo da esperança de vida média entre os países da OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico. Embora a esperança de vida nesses países continue a aumentar, a esperança de vida nos EUA parou de aumentar em 2010 e vem diminuindo desde 2014 (1).





A recente diminuição da esperança de vida nos EUA esteve relacionada, em grande parte, com o aumento da mortalidade por todas as causas entre adultos jovens e de meia-idade, em comparação com outros grupos (bebés, crianças e idosos) para os quais as taxas de mortalidade caíram. Para indivíduos de 25 a 64 anos, as taxas de mortalidade por todas as causas que estavam em declínio desde 2000, atingiram o ponto mais baixo em 2010 e aumentaram a partir de então.

Mas as raízes da crise na expectativa de vida dos EUA já vêm de trás. As taxas de mortalidade na meia-idade para uma variedade de causas específicas (por exemplo, overdoses de medicamentos e doenças hipertensivas) começaram a aumentar mais cedo. Mas isso não se refletiu nas tendências de mortalidade por todas as causas porque foram compensadas por grandes reduções simultâneas na mortalidade das doenças cardíacas isquémicas, cancro, infeção por HIV, lesões em veículos motorizados e outras causas principais de morte.
No entanto, os aumentos nas taxas de mortalidade por causas anteriores a 2010 diminuíram a taxa em que a mortalidade por todas as causas diminuiu (e a expectativa de vida aumentou) e culminou numa reversão.
O resultado final foi que a mortalidade por todas as causas aumentou após 2010 (e a esperança de vida diminuiu depois de 2014).
Os autores do relatório deixam claro que as deficiências no sistema de saúde explicam o aumento da mortalidade por pelo menos algumas condições.

Embora o sistema de saúde dos EUA seja excelente em certos aspectos, os países com maior expectativa de vida superaram os Estados Unidos ao garantirem acesso universal aos cuidados de saúde, removendo os custos como uma barreira ao acesso a esses cuidados.

Transformar radicalmente a maneira como os cuidados de saúde são financiados, como é proposto no Programa de Seguro de Saúde do Medicare for All Act de 2017, ajudaria bastante a reverter o declínio na expectativa de vida nos Estados Unidos. Eliminaria as barreiras financeiras a cuidados de saúde decentes, fornecendo a todos acesso a hospitalização, serviços primários e preventivos, medicamentos prescritos e outros serviços (como saúde bucal, audiologia e serviços de visão) e assim por diante.

Mas o seguro de saúde universal não vai, por si só, resolver o problema nos Estados Unidos. Uma razão, claramente, é que uma das causas da diminuição da esperança de vida é o aumento das mortes por overdose de drogas, iniciadas na década de 1990, que surgiram do próprio sector da saúde americano, com fins lucrativos e privado (2).

A crescente mortalidade e a queda da expectativa de vida entre jovens americanos e de meia-idade foram exacerbadas por outras dimensões do capitalismo americano. Sabemos, por exemplo, que, desde o final da década de 1970, as desigualdades no rendimento aumentaram, superando os níveis noutros países, concomitantemente ao aprofundamento da crise da saúde nos EUA.
Além disso, os mais vulneráveis ​​à nova economia (por exemplo, adultos com educação limitada e homens mais jovens) sofreram os maiores aumentos nas taxas de mortalidade, assim como aqueles que trabalhavam em áreas que sofreram deslocamentos da actividade económica, como nas áreas rurais dos EUA e industriais no centro-oeste. Embora os autores admitam que os vínculos causais não tenham sido firmemente estabelecidos, observaram que "as pressões socioeconómicas e o emprego instável podem explicar alguns dos aumentos observados na mortalidade em várias causas de morte".

Não é apenas uma questão absoluta de rendimento ou de património líquido. Segundo o relatório, as causas do desespero económico podem ser mais "matizadas", decorrentes de "percepções e expectativas frustradas" dentro da classe trabalhadora americana. Qualquer que tenha sido a esperança ligada ao sonho americano, ela foi minada à medida que a desigualdade económica alcançava níveis obscenos e a mobilidade intergeracional diminuía.

Além disso, essas causas potenciais provavelmente não são independentes e podem, juntas e de maneira complexa, moldar os padrões de mortalidade.

Os principais responsáveis, como o tabagismo, abuso de drogas e dietas geradoras de obesidade, são moldados por condições ambientais, sofrimento psicológico e estatuto socioeconómico. As mesmas pressões económicas que forçam os pacientes a renunciar aos cuidados médicos também podem induzir estresse e comportamentos insalubres.
Os principais responsáveis importantes, como o tabagismo, abuso de drogas e dietas geradoras de obesidade, são moldados pelas condições ambientais, pelo sofrimento psicológico e pelo estatuto socioeconómico. As mesmas pressões económicas que forçam os pacientes a renunciar aos cuidados médicos também podem induzir stress e comportamentos insalubres, além de fraturar as comunidades.

Os americanos enfrentam, então, um enorme problema: um sistema económico que, especialmente nas últimas décadas, elevou a mortalidade e diminuiu a esperança de vida dos trabalhadores jovens e de meia idade, um sistema de saúde privado que foi incapaz de cuidar dessas pessoas e, no caso de certas classes de medicamentos, piorou o problema, e um sistema de seguro de saúde que deixou milhões de pessoas sem acesso à assistência médica.

O Medicare for All (seguros de vida para todos) representa uma solução para uma dimensão do problema. Mas não para os outros dois. A menos que e até que o sistema económico dos EUA (incluindo a forma como os cuidados de saúde são prestados) seja radicalmente transformado, os americanos continuarão morrendo jovens demais.



(1) De acordo com o relatório, a expectativa de vida começou a avançar mais lentamente na década de 1980 e atingiu o platô em 2011. A expectativa de vida nos EUA atingiu o pico em 2014 e, posteriormente, diminuiu significativamente por três anos consecutivos, atingindo 78,6 anos em 2017.

(2) Começou com a introdução do OxyContin em 1996. Foi seguido pelo aumento do uso de heroína, geralmente por pacientes que se tornaram viciados em opióides prescritos. E depois foi agravado pelo surgimento de opióides sintéticos potentes, que provocaram um grande aumento nas mortes por overdose depois de 2013 .