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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017
Bom fim-de-semana, por Jorge
“O otimista não sabe o que o espera.”
Millôr Fernandes
humorista brasileiro, 1923-2012
"O pessimista também não!"
anónimo (1943- )
Eleições presidenciais em França, com 1ª volta em 23 de Abril e 2ª volta em 7 de Maio
Parece garantido que Marine Le Pen irá transitar na votação de 23 de Abril para a 2ª volta em 7 de Maio. Ela será a candidata mais votada na 1ª volta a não ser que o candidato independente Emmanuel Macron, nestes dois meses invertesse a posição relativa dos dois. Para já e segundo as sondagens actuais, tem garantida a vitória sobre Marine Le Pen por 65 contra 35% numa 2ª volta com os dois.
No final de Janeiro a Reuters dava conta de uma sondagem que lhe atribuía 26 a 27% dos votos, para disputar a 2ª volta com Macron, de 39 anos, ex-membro do Governo de Manuel Valls, e fundador do "En Marche", que obteria nessa 1ª volta entre 22% e 23% das intenções de voto. O socialista Macron furtou-se às primárias dentro do PS e decidiu correr em pista própria, realizando uma campanha que tem procurado captar os desiludidos com a governação socialista.
Na segunda volta, segundo a sondagem feita pela Elabe para o jornal económico "Les Echos", divulgada há uma semana, Macron bateria Le Pen com 65% dos votos contra 35% da candidata da extrema-direita, estando a fazer uma campanha para captar votos à esquerda e à direita, “esquecendo” a apresentação de um programa eleitoral. De facto, assumiu, dias depois, compromissos eleitorais com um hipotético candidato do centro-direita, François Bayrou, presidente do MoDem, a troco do apoio deste à sua candidatura. Há menos de dois meses, Bayrou dizia que Macron era um candidato da alta finança…
Mas à direita ainda há que contar com a determinação de François Fillon que, apesar dos escândalos de favorecimentos ilícitos familiares, se apresenta como vítima do sistema judiciário e afirma que o seu julgamento será no sufrágio universal e não em tribunal.
Benoît Hamon, o escolhido nas primárias do PS, não iria além dos 16% a 17%, ficando retido na primeira volta, apesar de obter 42% dos eleitores de Hollande e 5% dos que votaram anteriormente em Mélenchon, da “França insubmissa”, segundo um director da Elabe. Nesta sondagem Jean-Luc Mélenchon tinha 10%.
No passado dia 16 uma sondagem feita para o Le Monde pela Ipso Sopra Steria, as previsões à 1ª volta eram para Le Pen 25-26%, Macron com 20 a 23 %, Fillon com 17,5 a 18,5% (queda de 6.5 num mês), Hamon teria entre 15,5 e 18 %,
Hamon, depois de ganhar as primárias no PS, está a procurar ultrapassar Macron para chegar à 2ª volta. Tem realizado contactos não formais com “A França insubmissa”, que apoia Mélenchon, e, em Lisboa, afirmou encarar com simpatia os entendimentos entre o PS , o PCP e o BE que iria tentar em França. Procura nesta semana fechar ainda com Yannick Jadot, dos Verdes, um acordo de apoio à sua candidatura.
Benoît Hamon, o candidato do PS, ficaria retido na primeira volta, apesar de obter 42% dos eleitores de Hollande e 5% dos que votaram anteriormente em Mélenchon, da “França insubmissa”, segundo um director da Elabe. Nesta sondagem Jean-Luc Mélenchon tinha 10%.
Quanto ao PCF, que tem integrado a Frente de Esquerda, e que apoiou nas últimas presidenciais a candidatura de Mélenchon, o seu secretário nacional Pierre Laurent, tem referido que só um pacto de maioria entre o PS, a França Insubmissa, A Frente de Esquerda e os Verdes podem conduzir à vitória da esquerda nas eleições presidenciais e que hoje se abrem novas perspectivas que exigem muito diálogo no decurso deste mês de Fevereiro com vista às presidenciais e às legislativas, avançando entendimentos quanto à gestão das finanças, a luta contra a evasão fiscal a reorientação na utilização dos fundos públicos, acabar com o Crédito de Imposto para a Competitividade e Emprego (CICE), uma reforma fiscal ampla e a gestão publica do sector bancário.
Nestas declarações ao jornal Politis, Laurent criticou Jean-Luc Mélenchon e a sua “França insubmissa” que falam de um “entendimento” à esquerda m as contra os partidos, particularmente o PCF, procurando a diluição dos partidos na sua candidatura e fazendo “pesca à linha” em zonas de sua influência.
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017
As eleições em 2017 em três baluartes desta UE
Segundo muitos comentadores, e de acordo com as declarações
dos respectivos partidos, uma esperada viragem à direita nas eleições destes
países iria ter consequências na solidez da UE, em particular da moeda única e
da união bancária, para além de um maior controlo da imigração com perseguição
especial à de origem muçulmana.
Mas, mesmo que em França, na 1ª volta, Marine Le Pen, tenha
uma percentagem superior ao segundo candidato que passar à 2ª volta e que o AfD
seja o partido mais votado nas legislativas holandesas, há grande probabilidade
de que Le Pen não seja a presidente que se segue, nem o AfD conseguirá formar
governo. Na Holanda o candidato da extrema-direita fez ontem um dramático apelo
aos holandeses para defenderem o país dos emigrantes mas uma maioria absoluta
do seu partido parece afastada. Na Alemanha o partido da extrema-direita será
derrotado
Porém, tais resultados não serão o único elemento significativo
a retirar.
Há que atender a que a esquerda, que justamente disso se
reclama, tem prosseguido o combate contra as derivas comunitárias há muitos
anos, prevendo acontecimentos e retirando lições do percurso de austeridade, da
perda de soberania, do afastamento entre eleitores e dirigentes não eleitos das
estruturas comunitárias, do agravamento das desigualdades entre países e em
cada país, e do arrastamento de todos para agressões contra países terceiros
que provocaram novos surtos migratórios.
Se não se atenderem a estas causas, que não são acidentais,
poderiam as boas consciências entrar em elucubrações sobre novas formas de
atração para o vazio pelos deserdados…
Ou então, que é o que se perspectiva, concentrar a votação do
povo de esquerda, na social-democracia e socialistas. Como se a memória tivesse
que ser curta, fazendo esquecer que esses estão entre os principais
responsáveis dessa deriva! Se parte dos trabalhadores e da classe media se
deslocaram para a direita, a responsabilidade também é deles que não souberam
honrar nem com os seus princípios fundadores nem com sucessiva promessas
eleitorais que foram defraudando.
Se as esquerdas conseguir atrair os deserdados desta política
em termos significativos, isso favoreceria políticas alternativas nesses
países. Resta saber se elas o conseguem ou se se deixam enredar na
“estabilidade” europeia, espécie de papel de embrulho das políticas que
desiludiram essas camadas sociais.
domingo, 19 de fevereiro de 2017
As eleições legislativas de 15 de Março na Holanda
No que respeita às eleições legislativas
na Holanda, de 16 de
Março, o actual primeiro-ministro, Mark Rutte (VVD), tem sido um defensor
acérrimo das orientações da UE sendo penalizado com as consequências sociais
que isso acarretou mas também lhe são assacadas importantes promessas
eleitorais não cumpridas como o não alívio fiscal para os rendimentos mais baixos,
ou a melhoria da qualidade dos cuidados para os mais idosos.
A coligação de centro que actualmente domina as decisões
parlamentares é formada pelo Partido Popular pela Liberdade e pela Democracia
(VVD), partido liberal, de centro-direita, adepto da desregulação dos mercados,
que lidera a coligação de governo, e pelo Partido Trabalhista (PvdA), partido
político social-democrata que se reclama do centro-esquerda.
Outros partidos
holandeses são:
O Partido da Liberdade (PVV), partido de extrema-direita,
conhecido pelas suas posições anti-imigração e anti-UE, o Partido Socialista
(SP), o Partido Esquerda Verde (GL, Groen Links), formado em 1989 a partir da
fusão de quatro pequenos partidos políticos de esquerda (o Partido Comunista da
Holanda, o Partido Socialista Pacifista, o Partido Político dos Radicais e o
Partido Popular Evangélico), o Apelo Cristão-Democrático (CDA),
democrata-cristão, de direita, os Democratas 66 (D66), de centro, liberal e democrata,
radical, a União Cristã (UC, Christen Unie), de direita, cristão reformado, o
50PLUS, que se dedica aos direitos dos reformados e o Partido Político Reformado (SGP), de
extrema-direita, calvinista ortodoxo.
As sondagens publicadas na Holanda nos passados dia 5 e 12
deste mês, confirmam que o PVV, de Geert Wilders deverá ser o partido mais
votado nestas eleições legislativas com 30-32 lugares no Parlamento Twede
Kamer), de 150 lugares, duplicando a sua representação desde as últimas
eleições, em virtude de uma permanente exploração dos efeitos da crise
decorrente da integração na UE e da crise imigratória, assacadas ao governo e UE.
Atrás, com 23-24 lugares está o Partido Liberal (VVD, direita
liberal), do actual primeiro-ministro (antes com 41) e depois a Esquerda verde
com 17, que quadriplica a representação (antes com 4)
Seguem-se-lhes o D66 com 14, o SP 12, o PvdA 11 (antes 38), o
50Plus com 10 (antes com 2), o Christen Unie, UC, com 5 (mantem), o art vd Di ren
com 4 (antes 5) e o SGP mantem os 3 lugares.
A coligação actual terá de alargar-se a outros partidos para
formar governo já que, como se espera, o Partido da Liberdade (PVV) terá
dificuldade em formar governo com outros partidos.
Nas eleições de 2012 o PVV tinha descido bastante, depois de
provocar a queda do governo, mas tem vindo a capitalizar diversos
descontentamentos na Holanda, nomeadamente os que atrás referimos.
Há seis meses o jornal britânico The Independent referia declarações de Geert Wilders em que
afirmava querer banir todos os símbolos islâmicos, incluindo mesquitas, escolas
e centros de asilo islâmicos e o próprio Corão, enfim a “desislamização” total
do país.
E defendia também a saída da União Europeia, o corte de
despesas com ajuda externa e o crescimento de verbas a afectar à polícia e à
segurança. Um apoiante do Partido da Liberdade afirmava então a esse jornal “O
Islão está cheio de violência. Por que é que a comunicação social está a chamar
radical a Wilders? Ele está apenas a dizer a verdade. É uma loucura que os
políticos, com base nos direitos humanos, estejam a fazer crescer a islamização
na Europa. O islamismo é contra a democracia, contra os direitos humanos,
contra a livre escolha do pensamento. Não é segredo que a pena por deixar o
Islão é a morte. Mesmo os pais matam os seus filhos. A educação e assimilação
não vão funcionar em muçulmanos que se não querem tornar ocidentais. Isso já
fez prova de não funcionar com muitos muçulmanos que vivem há muito tempo em
França, Alemanha, Reino Unido, etc. Se a política de Merkel vencer, isso
contribuirá para a liquidação da civilização ocidental. Já hoje muitos Europeus
são mortos pelo Islão. Merkel é a líder mais idiota dos países ocidentais ao
longo dos últimos 70 anos”.
E como se não bastasse o Ministro do Interior, no início
deste mês, anunciou que os votos das eleições legislativas vão ser contados à
mão para prevenir a fraude eleitoral, numa altura em que há "indícios do
interesse da Rússia" no processo eleitoral (!!!). Medida não inocente que,
sem o dizer, insinua que o governo russo apoiaria Wilders…Campanha semelhante
está a acontecer já em relação às eleições da Alemanha…
sábado, 18 de fevereiro de 2017
Bom fim de semana, por Jorge
"O Maior Amor e as Coisas que Se Amam", de Fernando Pessoa
Tomara poder desempenhar-me, sem hesitações nem ansiedades, deste mandato subjectivo cuja execução por demorada ou imperfeita me tortura e dormir descansadamente, fosse onde fosse, plátano ou cedro que me cobrisse, levando na alma como uma parcela do mundo, entre uma saudade e uma aspiração, a consciência de um dever cumprido.
Mas dia a dia o que vejo em torno meu me aponta novos deveres, novas responsabilidades da minha inteligência para com o meu senso moral. Hora a hora a (...) que escreve as sátiras surge colérica em mim. Hora a hora a expressão me falha. Hora a hora a vontade fraqueja. Hora a hora sinto avançar sobre mim o tempo. Hora a hora me conheço, mãos inúteis e olhar amargurado, levando para a terra fria uma alma que não soube contar, um coração já apodrecido, morto já e na estagnação da aspiração indefinida, inutilizada.
Nem choro. Como chorar? Eu desejaria poder querer (desejar) trabalhar, febrilmente trabalhar para que esta pátria que vós não conheceis fosse grande como o sentimento que eu sinto quando n'ela penso. Nada faço. Nem a mim mesmo ouso dizer: amo a pátria, amo a humanidade. Parece um cinismo supremo. Para comigo mesmo tenho um pudor em dizê-lo. Só aqui lh'o registo sobre papel, acanhadamente ainda assim, para que n'alguma parte fique escrito. Sim, fique aqui escrito que amo a pátria funda, (...) doloridamente.
Seja dito assim sucinto, para que fique dito. Nada mais.
Não falemos mais. As coisas que se amam, os sentimentos que se afagam guardam-se com a chave d'aquilo a que chamamos «pudor» no cofre do coração. A eloquência profana-os. A arte, revelando-os, torna-os pequenos e vis. O próprio olhar não os deve revelar.
Sabeis decerto que o maior amor não é aquele que a palavra suave puramente exprime. Nem é aquele que o olhar diz, nem aquele que a mão comunica tocando levemente n'outra mão. É aquele que quando dois seres estão juntos, não se olhando nem tocando os envolve como uma nuvem, que lhes (...)
Esse amor não se deve dizer nem revelar. Não se pode falar dele.
in "Inéditos"
Nem choro. Como chorar? Eu desejaria poder querer (desejar) trabalhar, febrilmente trabalhar para que esta pátria que vós não conheceis fosse grande como o sentimento que eu sinto quando n'ela penso. Nada faço. Nem a mim mesmo ouso dizer: amo a pátria, amo a humanidade. Parece um cinismo supremo. Para comigo mesmo tenho um pudor em dizê-lo. Só aqui lh'o registo sobre papel, acanhadamente ainda assim, para que n'alguma parte fique escrito. Sim, fique aqui escrito que amo a pátria funda, (...) doloridamente.
Seja dito assim sucinto, para que fique dito. Nada mais.
Não falemos mais. As coisas que se amam, os sentimentos que se afagam guardam-se com a chave d'aquilo a que chamamos «pudor» no cofre do coração. A eloquência profana-os. A arte, revelando-os, torna-os pequenos e vis. O próprio olhar não os deve revelar.
Sabeis decerto que o maior amor não é aquele que a palavra suave puramente exprime. Nem é aquele que o olhar diz, nem aquele que a mão comunica tocando levemente n'outra mão. É aquele que quando dois seres estão juntos, não se olhando nem tocando os envolve como uma nuvem, que lhes (...)
Esse amor não se deve dizer nem revelar. Não se pode falar dele.
in "Inéditos"
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017
A Revolução de Fevereiro de 1917, por Domingos Abrantes, no Centenário da Revolução de Outubro
(publicado em 9 de Fevereiro de 2017 no "Avante!")
A primeira etapa
A confirmação prática da palavra de ordem dos bolcheviques de que para acabar com a guerra se impunha, aos trabalhadores e aos povos, a imperiosa necessidade de transformar a guerra imperialista em guerra civil contra o domínio da burguesia, ganhou grande adesão, impulsionou a luta contra a guerra e pela paz e tornou-se uma ameaça para o domínio da burguesia.
Os bolcheviques não foram
apanhados de surpresa com os acontecimentos de Fevereiro, além de que tinham
ideias bem precisas, quer quanto à natureza da revolução que acabava de
triunfar, quer quanto à questão da sua transformação em revolução socialista,
cuja teoria começou a ser elaborada por Lénine no decurso da Revolução de
1905-1907 e de que a sua obra «Duas Tácticas da Social-Democracia na Revolução»
continua a ser fonte de pensamento criador na nossa época.
Por ocasião dos 100 anos da
revolução democrática burguesa na Rússia, de Fevereiro de 1917, é oportuno
recordar esse extraordinário acontecimento que, no seu desenvolvimento, é
inseparável da Revolução Socialista de Outubro, acontecimento maior em todo o século
XX e cujo centenário se comemora igualmente este ano.
A importância da Revolução de
Fevereiro ressalta do facto de ter sido a primeira revolução popular triunfante
e ainda do facto de ter posto fim a mais de 300 anos de reinado da Casa dos Románov,
a monarquia mais reaccionária e sanguinária, se ter tornado num acontecimento
de importância internacional e o proletariado russo e o Partido Bolchevique se
terem guindado de facto à condição de vanguardas do processo revolucionário
mundial. Acresce ainda que muitas das suas experiências se tornaram património
comum ao adquirem carácter de validade universal. Durante os acontecimentos
memoráveis do ano de 1917, na actividade do Partido Bolchevique e do
proletariado russo manifestaram-se processos que de um ou outro modo deveriam
repetir-se, se repetiram e não deixarão de repetir-se no futuro, em outros
países. Processos comprovados desde então até aos nossos dias e que os
comunistas portugueses, participantes na mais recente revolução que teve lugar na
Europa, puderam confirmar, nomeadamente quanto ao papel revolucionário da
classe operária no aprofundamento das transformações democráticas e na sua
defesa; o carácter indissolúvel entre a defesa das liberdades, da democracia e
a liquidação do poder económico dos monopolistas e dos latifundiários; a
tendência dos sociais-democratas para os compromissos com os derrotados da
véspera com o objectivo de sufocarem as conquistas revolucionárias do movimento
operário e popular; as ingerências do imperialismo na vida interna dos estados
e dos povos.
Ao mostrar o carácter
indissolúvel entre a satisfação das reivindicações políticas, económicas e
sociais dos trabalhadores e das massas populares e grandes transformações
sócio-económicas e quanto é ilusório falar em liberdade e democracia para as
massas mantendo intacto o poder económico, político, cultural e militar das
classes dominantes, a Revolução de Fevereiro fez avançar significativamente a
natureza e o conteúdo do conceito de revolução social.
A Revolução de Fevereiro alterou
profundamente o quadro da evolução do mundo. Com o desmoronar da monarquia
csarista, polarizaram-se as forças de classe à escala mundial; a luta de massas
contra a guerra imperialista e a luta dos trabalhadores pela satisfação de
reivindicações políticas, económicas e sociais, ganharam novo impulso;
reforçaram-se as posições orgânicas e ideológicas do movimento operário e das
correntes socialistas revolucionárias – em oposição às correntes oportunistas
da social-democracia da II Internacional, atascadas no pântano do oportunismo e
da cumplicidade com a guerra imperialista.
A confirmação prática da palavra de ordem dos bolcheviques de que para acabar com a guerra se impunha, aos trabalhadores e aos povos, a imperiosa necessidade de transformar a guerra imperialista em guerra civil contra o domínio da burguesia, ganhou grande adesão, impulsionou a luta contra a guerra e pela paz e tornou-se uma ameaça para o domínio da burguesia.
Esta palavra de ordem
bolchevique, cuja elaboração coube a Lénine, tinha um enorme alcance
estratégico na medida em que não se limitava a colocar apenas a luta por uma
reivindicação imediata – no caso da
Rússia o desencadear de acções com vista ao derrube da monarquia czarista – mas
também a necessidade de pelas formas de luta, sistema de alianças,
reivindicações políticas, económicas e sociais, ampliar esse resultado na
perspectiva do socialismo, de que a revolução democrática burguesa seria a
primeira etapa.
Obviamente que, naquela altura,
Lénine não podia adivinhar que um mês depois a Rússia iria entrar nas dores de
parto da revolução. O que sabia é que amadureciam, objectivamente, em
praticamente todos os países envolvidos na guerra, as condições para a eclosão
de uma crise revolucionária. Foi na Rússia, à época o país em que todas as
principais contradições do sistema capitalista se apresentavam de forma aguda e
concentrada que a crise rebentou. A Rússia tinha-se tornado, por um conjunto de
circunstâncias históricas, no centro do movimento revolucionário mundial. Os
efectivos da classe operária tinham crescido significativamente. Em nenhum
outro país do mundo eram tão elevados os níveis de concentração da classe
operária (60% de todos os operários trabalhavam em empresas com mais de 500
trabalhadores, havendo várias empresas com mais de 10 000 e mesmo mais de 20
000) e em nenhum outro país existia um partido revolucionário tão solidamente
implantado nas empresas e com tanta influência na direcção da luta da classe
operária. A Rússia era praticamente o único país em que a classe operária não
tinha sido contaminada pelo «vírus» do chauvinismo da II Internacional. A
Rússia foi, por isso, o país no qual se criaram, em primeiro lugar, as
condições para que a classe operária passasse à ofensiva.
O ascenso da luta revolucionária
da classe operária na Rússia pode avaliar-se pela gigantesca amplitude das lutas
das massas operárias, lutas secundadas por grandiosas acções de camponeses e
soldados.
A Revolução de Fevereiro resultou
pois de um gigantesco e combativo movimento de massas que, compaginando formas
de luta legais e ilegais, pacíficas e não pacíficas, fundiu numa torrente única
a luta da classe operária, do campesinato, dos soldados e a luta do movimento
nacional dos povos subjugados pelo csarismo, sob a direcção do Partido
Bolchevique – o único partido que dispunha de uma organização nacional e de um
programa fundamentado para a revolução.
A Revolução de Fevereiro criou
uma situação verdadeiramente original e única. O governo que ascendeu ao poder
devia esse poder às massas que apresentavam reivindicações que o governo, pelos
seus interesses de classe, não podia satisfazer, mas também não tinha força
real para enfrentar as massas que não estavam dispostas a abdicar das suas
reivindicações, nem a protelar o fim do envolvimento da Rússia na guerra. Situação
original e única dado o facto da revolução, pela sua natureza, ser democrática
burguesa e já o não ser pela forma, na medida em que a intervenção das massas e
o poder dos sovietes tinham impulsionado a revolução muito para além das
revoluções democrático-burguesas correntes.
Antestreia da Revolução de
Outubro
As teses de Lénine só fizeram
curso através de uma intensa discussão ideológica, em que muitas vezes se
encontrou em franca minoria. A realidade, a revolução no concreto, colocava
muitos problemas que a teoria não previra ou previra de forma diferente. Era
preciso perceber que «...as palavras de ordem e as ideias bolcheviques, em
geral, foram plenamente confirmadas pela história, porém concretamente as
coisas resultaram de outro modo do que quem quer que fosse podia esperar, de
modo mais original, mais peculiar, mais variado». (Lénine, Obras Escolhidas em
seis volumes, Tomo 3, edições «Avante!», pág. 122.)
Assumiram particular relevância
as questões relativas ao papel do partido revolucionário, ao Estado, à
democracia como parte integrante da luta pelo socialismo e à revolução
socialista na fase imperialista, questões a que Lénine dedicou particular
atenção desde a Revolução de 1905-1907.
A vitória de Fevereiro
traduziu-se em importantes conquistas políticas das massas populares: liberdade
de acção livre e aberta a todos os partidos políticos; libertação dos presos
políticos e regresso dos emigrados, abolição da censura à imprensa, liberdade
de expressão, de reunião e manifestação.
A existência e a actividade dos
sovietes, como expressão do poder popular eram uma conquista sem paralelo em
qualquer democracia burguesa. A Rússia era à época o país mais livre, mais
democrático do mundo.
Foi nestas condições que, como
Lénine previra, a conquista da democracia na Rússia não marcou, nem podia
marcar, o fim da revolução, mas deveria abrir caminho ao desenvolvimento da
revolução, rumo à revolução socialista.
Tendo a Revolução de 1905-1907
sido o ensaio geral das revoluções de 1917, a Revolução de Fevereiro foi a
antestreia da Revolução Socialista de Outubro, a revolução que deu aos povos da
Rússia «exaustos pela guerra, a paz, o pão e a liberdade». O ano de 1917 ficou
definitivamente gravado no calendário da história como o ano em que a classe
operária, intervindo de forma independente, demonstrou a sua capacidade como classe
criadora de uma nova forma de organização social, o socialismo.
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017
Camões revisitado
terça-feira, 7 de fevereiro de 2017
Era uma vez na América
Donald Trump está a avançar em algumas das promessas feitas. Noutras não. Algumas perspectivas iniciais que podiam ter desenvolvimentos positivos. Quinze dias após a tomada de posse é um prazo curto para fazer uma avaliação desta nova administração. Esta avaliação será continuamente feita nos próximos meses.
Nas relações com os media, Trump tem, com razão, fortes motivos de queixa dos principais, mas o governar por twitter e a imagem do assinatura decretos presidenciais nos termos em que tem feito, não resolvem os condicionalismos de comunicação, mesmo na perspectiva populista em que se coloca.
Trump procura conter a decadência dos EUA no plano económico. Falou de um grande plano de infraestruturas mas não como ele será financiado. A externalização da indústria para outros países foi até aqui uma opção deliberada dos grupos económicos norte-americanos na mira de cada vez mais lucros. Convencê-los a inverter de estratégia esbarra com outras realidades e, para isso, o erguer de barreiras alfandegárias e o mandar o comércio «livre» às urtigas é uma perspectiva positiva no interesse dos trabalhadores.
No plano militar, a Rússia desenvolveu-se tecnologicamente, ultrapassando a modernidade do armamento dos EUA. Como confidenciava ao Pepe Escobar um «mestre» anónimo do novo presidente: «A produção em série e a produtividade de Henry Ford foi a maravilha que fez os Estados Unidos ganharem a Segunda Guerra Mundial. A Amazon não contribui em nada para a defesa nacional, sendo apenas um serviço de marketing na Internet baseado em programas de computador, nem o Google que simplesmente organiza e fornece melhor os dados. Nada disso constrói um míssil ou um submarino melhor, a não ser em termos marginais.»
No plano geoestratégico, Trump poderá ser tentado a dividir Rússia e China mas não terá o êxito que Nixon teve na guerra do Vietname, que jogou com contenciosos sino-soviéticos para que a China hostilizasse o Vietname e pactuasse no Cambodja com o regime sanguinário de Pol-Pot com o mesmo objectivo. A situação hoje é outra.
Começou conflitos com a China ao estabelecer uma relação directa com Taiwan. O novo secretário de Defesa dos Estados Unidos, James Mattis, foi na sexta-feira a Seul, na Coreia do Sul, comprometer-se com a instalação do sistema de defesa antimíssil americano THAAD, já anteriormente decidida por Obama durante este ano na Coreia do Sul. Mantém no leste da Europa mísseis americanos apontados à Rússia em países vizinhos desta e não criticou a intervenção da Ucrânia da passada segunda-feira contra as populações russas do Donbass, instando mesmo a Rússia a retirar-se da Crimeia (!).
Trump quer desafiar a China para uma guerra? E pressionar a Rússia para a encontrar numa posição desfavorável num futuro e distante encontro com Putin? Trump deve ter em conta que para garantir o fim do bloqueio «ocidental», para ver a segurança regressar ao leste do rio Dnieper, a Rússia não se afastará nem da Crimeia, nem da China, nem do Irão, nem da Síria, nem de Afez Al-Assad. E que a China e o Irão vão resistir às suas investidas. Pequenos sinais de cooperação da China com os EUA neste Ano Novo Lunar são positivos.
Em quinze dias, as manifestações contra Trump têm-se sucedido particularmente contra as novas restrições à imigração que foram introduzidas, confrontando e provocando reacções de outros países, particularmente dos que vêm cidadãos seus serem impedidos de entrar nos EUA.
É certo que as restrições à imigração dos sete países «proscritos» já funcionava com Obama mas os media conseguiram criar a ideia de que elas foram introduzidas por Trump, que, de facto, as quer agravar, arrastando-se já para uma crise institucional entre o Presidente e a Justiça. E nem os EUA nem a UE têm autoridade moral para conter a imigração, resultante dos dramas provocados pelas suas agressões no Médio Oriente e em África.
O muro com o México é característico da confrontação com o México de várias administrações norte-americanas e já foi também motivo de um decreto executivo de Trump para a sua conclusão. Da iniciativa de George W. Bush, e aprovado em 2006 no Senado, incluindo pelos senadores Barack Obama e Hillary Clinton, teve a sua construção iniciada por Bill Clinton e continuada pelo filho Bush e Barack Obama… O muro já revelara fragilidades pela escavação que no seu interior os cartéis da droga fizeram para utilização em benefício do seu narcotráfico.
Para além do reinício da sua construção, Trump decidiu sobre um nítido reforço de meios humanos associados, com mais cinco mil polícias de fronteira (acréscimo de 24%), de mais dez mil agentes de imigração (mais 50%) e mais juízes para darem andamento aos dossiers e ainda construir mais centros de retenção junto à fronteira para tornar as expulsões mais rápidas e menos dispendiosas.
A imagem de «um país que não tem fronteiras, não é um país» vem ao encontro de correntes na Europa que defendem o mesmo. A integração europeia capitalista abriu fronteiras com consequências desastrosas para a indústria, a agricultura, a pesca, os serviços particularmente nos países mais pequenos como Portugal. A perda das medidas de defesa da economia, de uma moeda própria que se possa valorizar ou desvalorizar em função dos contextos tem sido assinalada ao longo dos anos pela esquerda mais consequente como o bloqueio a vencer para permitir o crescimento e desenvolvimento.
Relativamente ao tratado com o Canadá e o México, o NAFTA, apesar da situação de conflito que já criou com o México, prometeu, depois de um encontro com os respectivos primeiros-ministros começar negociações sobre ele… O NAFTA foi, até agora, um desastre para o México. O mercado foi inundado com produtos agrícolas canadianos a preços baixos (graças a subsídios do Estado) e, causaram o colapso da produção agrícola com efeitos sociais devastadores para a população rural.
.
Assim criou-se uma plataforma de trabalho a baixo custo, recrutados nas maquiladoras: milhares de estabelecimentos industriais ao longo da linha de fronteira do território mexicano, detidos ou controlados principalmente por empresas norte-americanas que graças ao regime de isenção de impostos exportam produtos semiacabados ou componentes para montagem, reimportando-os já acabados para os EUA, o que lhes dá muito maiores lucros graças a custos muito mais baixos da mão-de-obra mexicana e a outras facilidades.
Nas maquiladoras trabalham principalmente meninas e mulheres jovens. Os horários são massacrantes, a toxicidade elevada, os salários baixos, os direitos sindicais praticamente inexistentes. A pobreza, o tráfico de drogas, a prostituição e a criminalidade desenfreada e generalizada causam uma profunda degradação de vida nestas áreas. Basta lembrar a Ciudad Juarez, na fronteira com o Texas, que se tornou tristemente célebre por inúmeros assassinatos de mulheres jovens, na sua maioria trabalhadores das maquiladoras.
A isto foi chamado durante muitos anos «livre comércio», que coexistiu com o proteccionismo dos mercados americanos, e não só, que se traduziu, por exemplo, em barreiras alfandegárias, descidas de impostos e outros apoios aos produtores nacionais dos grandes países, negados aos mais pequenos, manipulação do valor do dólar em seu proveito.
Esta atitude dos EUA criou uma falsa industrialização destas zonas mexicanas.
Trump não pode ignorar esta realidade.
Os EUA vão ensaiar uma retirada dos EUA de parte do comércio mundial.
Começando pelo Tratado de Comércio Livre Transpacífico (TPP), em que acaba com a participação nele dos EUA, processo que parece não estar concluído mas os restantes países, devido a pressões da Austrália e da Nova Zelândia, que procuram agora na China uma contrapartida para a solidez do tratado.
Quanto ao acordo transcontinental EUA – Europa, o TTIP, ele ainda estava em fase de discussão que Trump irá abandonar para se centrar em acordos comerciais, para já, com o Reino Unido, o que vai ao encontro dos interesses de Theresa May que, com isso, pretende compensar os efeitos do Brexit. Essa é uma medida positiva.
Em matéria de relações comerciais à escala planetária, os EUA vão ter que se conformar, aparentemente fechando-se e defendendo uma política interna que «torne maior a América».
E isto coloca a todo o mundo com mais força a expectativa de uma China que reclama as vantagens da globalização. Agora é a China, primeira potência comercial mundial, a «dar as cartas».
Enquanto a globalização capitalista beneficiava mais o chamado «mundo ocidental», a liberalização do comércio e a livre circulação de bens e serviços não era contestada pelos States mas por aqueles países que dela eram vítimas.
Mas poderá a China neste novo quadro, ao afrontar o dedo pontado de Trump, contribuir para uma globalização com menos efeitos negativos que a anterior? Esta é uma questão que os amigos e admiradores do progresso fantástico deste país gostariam de ver expressa em compromissos firmes.
O decreto presidencial contra o aborto coincidiu com 44.º aniversário da legalização pelo Supremo Tribunal do aborto em 1973. Não é de estranhar que Trump esteja rodeado de activistas «pró-vida», particularmente o vice-presidente, Mike Pence, que tem travado uma longa luta para acabar com o financiamento ao planeamento familiar e que, quando foi governador de Indiana, adoptou leis locais muito persecutórias em relação ao aborto.
Trump acabou com o Obamacare que era um sorvedouro de recursos para as seguradoras mas não parece ir criar alternativas de acesso aos cuidados de saúde deixando «o mercado funcionar»…O povo americano mais carente (e a outra parte que os têm através de seguradoras) necessita de algo semelhante aos serviços nacionais de saúde de vários países europeus, pagos pelos descontos nos salários para a segurança social. O liberalismo de Trump permitir-lhe-á discernir isso?
O dar luz verde a novas extrações petrolíferas, à exploração do «petróleo de xisto» e o cancelar de regulamentação de defesa ambiental nas empresas, deixa francos receios, se aliados à negação por Trump das alterações climáticas, de os EUA se retirarem das preocupações da Conferência de Paris e não contribuírem para o esforço universal para a redução da emissão de gases de efeitos de estufa.
Os contactos com Israel estimularam a política de colonatos de Netanyahu, agora particularmente em Jerusalém e Cisjordânia, a hostilização ao Irão exigida por Israel e com consequências já nas provocações a esse país, as negociações israelo-palestinianas realizadas fora de qualquer acompanhamento internacional, e o reconhecimento de Jerusalém como capital do Estado de Israel, com a passagem da embaixada dos EUA de Tel-Aviv para a cidade santa.
Enfim, parece poder concluir-se que, nestes quinze dias:
Algumas perspectivas iniciais que podiam ter desenvolvimentos positivos estão a ser submersas por um mar de coisas negativas;
Trump acentuou o seu carácter reaccionário em matéria de política interna;
A perseguição aos imigrantes vai continuar mas com forte resistência popular e de outras instituições;
Não se vislumbram medidas coerentes para a defesa dos trabalhadores americanos ou para o aumento do poderio económico contra a qual parte dos seus críticos já desatou a lengalenga neoliberal de que a elevação da actividade industrial e respectivos níveis salariais criaria níveis de inflação «insuportáveis»;
Não se atenuaram tensões no plano internacional, bem pelo contrário;
Trump não conseguiu dar a volta ao gueto informativo que lhe criaram;
E parece estar cada vez mais possuído pelas estruturas mais retrógradas da administração norte-americana, incluindo as que foram suportes do seu antecessor.
E deixamos ainda algumas questões:
Se Trump concretizar algumas perspectivas positivas poderá não resistir a um qualquer processo de destituição mas os grupos económicos que dominam os actores políticos podem reconfigurar a sua acção e discurso de maneira a prosseguir com os de anteriores administrações;
Porém, o mundo mudou, há novas realidades emergentes e isso também condicionará esse processo.
(originalmente publicado em www.abrilabril.pt em 6/2/17)
Nas relações com os media, Trump tem, com razão, fortes motivos de queixa dos principais, mas o governar por twitter e a imagem do assinatura decretos presidenciais nos termos em que tem feito, não resolvem os condicionalismos de comunicação, mesmo na perspectiva populista em que se coloca.
Trump procura conter a decadência dos EUA no plano económico. Falou de um grande plano de infraestruturas mas não como ele será financiado. A externalização da indústria para outros países foi até aqui uma opção deliberada dos grupos económicos norte-americanos na mira de cada vez mais lucros. Convencê-los a inverter de estratégia esbarra com outras realidades e, para isso, o erguer de barreiras alfandegárias e o mandar o comércio «livre» às urtigas é uma perspectiva positiva no interesse dos trabalhadores.
No plano militar, a Rússia desenvolveu-se tecnologicamente, ultrapassando a modernidade do armamento dos EUA. Como confidenciava ao Pepe Escobar um «mestre» anónimo do novo presidente: «A produção em série e a produtividade de Henry Ford foi a maravilha que fez os Estados Unidos ganharem a Segunda Guerra Mundial. A Amazon não contribui em nada para a defesa nacional, sendo apenas um serviço de marketing na Internet baseado em programas de computador, nem o Google que simplesmente organiza e fornece melhor os dados. Nada disso constrói um míssil ou um submarino melhor, a não ser em termos marginais.»
No plano geoestratégico, Trump poderá ser tentado a dividir Rússia e China mas não terá o êxito que Nixon teve na guerra do Vietname, que jogou com contenciosos sino-soviéticos para que a China hostilizasse o Vietname e pactuasse no Cambodja com o regime sanguinário de Pol-Pot com o mesmo objectivo. A situação hoje é outra.
Começou conflitos com a China ao estabelecer uma relação directa com Taiwan. O novo secretário de Defesa dos Estados Unidos, James Mattis, foi na sexta-feira a Seul, na Coreia do Sul, comprometer-se com a instalação do sistema de defesa antimíssil americano THAAD, já anteriormente decidida por Obama durante este ano na Coreia do Sul. Mantém no leste da Europa mísseis americanos apontados à Rússia em países vizinhos desta e não criticou a intervenção da Ucrânia da passada segunda-feira contra as populações russas do Donbass, instando mesmo a Rússia a retirar-se da Crimeia (!).
Trump quer desafiar a China para uma guerra? E pressionar a Rússia para a encontrar numa posição desfavorável num futuro e distante encontro com Putin? Trump deve ter em conta que para garantir o fim do bloqueio «ocidental», para ver a segurança regressar ao leste do rio Dnieper, a Rússia não se afastará nem da Crimeia, nem da China, nem do Irão, nem da Síria, nem de Afez Al-Assad. E que a China e o Irão vão resistir às suas investidas. Pequenos sinais de cooperação da China com os EUA neste Ano Novo Lunar são positivos.
Em quinze dias, as manifestações contra Trump têm-se sucedido particularmente contra as novas restrições à imigração que foram introduzidas, confrontando e provocando reacções de outros países, particularmente dos que vêm cidadãos seus serem impedidos de entrar nos EUA.
É certo que as restrições à imigração dos sete países «proscritos» já funcionava com Obama mas os media conseguiram criar a ideia de que elas foram introduzidas por Trump, que, de facto, as quer agravar, arrastando-se já para uma crise institucional entre o Presidente e a Justiça. E nem os EUA nem a UE têm autoridade moral para conter a imigração, resultante dos dramas provocados pelas suas agressões no Médio Oriente e em África.
O muro com o México é característico da confrontação com o México de várias administrações norte-americanas e já foi também motivo de um decreto executivo de Trump para a sua conclusão. Da iniciativa de George W. Bush, e aprovado em 2006 no Senado, incluindo pelos senadores Barack Obama e Hillary Clinton, teve a sua construção iniciada por Bill Clinton e continuada pelo filho Bush e Barack Obama… O muro já revelara fragilidades pela escavação que no seu interior os cartéis da droga fizeram para utilização em benefício do seu narcotráfico.
Para além do reinício da sua construção, Trump decidiu sobre um nítido reforço de meios humanos associados, com mais cinco mil polícias de fronteira (acréscimo de 24%), de mais dez mil agentes de imigração (mais 50%) e mais juízes para darem andamento aos dossiers e ainda construir mais centros de retenção junto à fronteira para tornar as expulsões mais rápidas e menos dispendiosas.
A imagem de «um país que não tem fronteiras, não é um país» vem ao encontro de correntes na Europa que defendem o mesmo. A integração europeia capitalista abriu fronteiras com consequências desastrosas para a indústria, a agricultura, a pesca, os serviços particularmente nos países mais pequenos como Portugal. A perda das medidas de defesa da economia, de uma moeda própria que se possa valorizar ou desvalorizar em função dos contextos tem sido assinalada ao longo dos anos pela esquerda mais consequente como o bloqueio a vencer para permitir o crescimento e desenvolvimento.
Relativamente ao tratado com o Canadá e o México, o NAFTA, apesar da situação de conflito que já criou com o México, prometeu, depois de um encontro com os respectivos primeiros-ministros começar negociações sobre ele… O NAFTA foi, até agora, um desastre para o México. O mercado foi inundado com produtos agrícolas canadianos a preços baixos (graças a subsídios do Estado) e, causaram o colapso da produção agrícola com efeitos sociais devastadores para a população rural.
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Assim criou-se uma plataforma de trabalho a baixo custo, recrutados nas maquiladoras: milhares de estabelecimentos industriais ao longo da linha de fronteira do território mexicano, detidos ou controlados principalmente por empresas norte-americanas que graças ao regime de isenção de impostos exportam produtos semiacabados ou componentes para montagem, reimportando-os já acabados para os EUA, o que lhes dá muito maiores lucros graças a custos muito mais baixos da mão-de-obra mexicana e a outras facilidades.
Nas maquiladoras trabalham principalmente meninas e mulheres jovens. Os horários são massacrantes, a toxicidade elevada, os salários baixos, os direitos sindicais praticamente inexistentes. A pobreza, o tráfico de drogas, a prostituição e a criminalidade desenfreada e generalizada causam uma profunda degradação de vida nestas áreas. Basta lembrar a Ciudad Juarez, na fronteira com o Texas, que se tornou tristemente célebre por inúmeros assassinatos de mulheres jovens, na sua maioria trabalhadores das maquiladoras.
A isto foi chamado durante muitos anos «livre comércio», que coexistiu com o proteccionismo dos mercados americanos, e não só, que se traduziu, por exemplo, em barreiras alfandegárias, descidas de impostos e outros apoios aos produtores nacionais dos grandes países, negados aos mais pequenos, manipulação do valor do dólar em seu proveito.
Esta atitude dos EUA criou uma falsa industrialização destas zonas mexicanas.
Trump não pode ignorar esta realidade.
Os EUA vão ensaiar uma retirada dos EUA de parte do comércio mundial.
Começando pelo Tratado de Comércio Livre Transpacífico (TPP), em que acaba com a participação nele dos EUA, processo que parece não estar concluído mas os restantes países, devido a pressões da Austrália e da Nova Zelândia, que procuram agora na China uma contrapartida para a solidez do tratado.
Quanto ao acordo transcontinental EUA – Europa, o TTIP, ele ainda estava em fase de discussão que Trump irá abandonar para se centrar em acordos comerciais, para já, com o Reino Unido, o que vai ao encontro dos interesses de Theresa May que, com isso, pretende compensar os efeitos do Brexit. Essa é uma medida positiva.
Em matéria de relações comerciais à escala planetária, os EUA vão ter que se conformar, aparentemente fechando-se e defendendo uma política interna que «torne maior a América».
E isto coloca a todo o mundo com mais força a expectativa de uma China que reclama as vantagens da globalização. Agora é a China, primeira potência comercial mundial, a «dar as cartas».
Enquanto a globalização capitalista beneficiava mais o chamado «mundo ocidental», a liberalização do comércio e a livre circulação de bens e serviços não era contestada pelos States mas por aqueles países que dela eram vítimas.
Mas poderá a China neste novo quadro, ao afrontar o dedo pontado de Trump, contribuir para uma globalização com menos efeitos negativos que a anterior? Esta é uma questão que os amigos e admiradores do progresso fantástico deste país gostariam de ver expressa em compromissos firmes.
O decreto presidencial contra o aborto coincidiu com 44.º aniversário da legalização pelo Supremo Tribunal do aborto em 1973. Não é de estranhar que Trump esteja rodeado de activistas «pró-vida», particularmente o vice-presidente, Mike Pence, que tem travado uma longa luta para acabar com o financiamento ao planeamento familiar e que, quando foi governador de Indiana, adoptou leis locais muito persecutórias em relação ao aborto.
Trump acabou com o Obamacare que era um sorvedouro de recursos para as seguradoras mas não parece ir criar alternativas de acesso aos cuidados de saúde deixando «o mercado funcionar»…O povo americano mais carente (e a outra parte que os têm através de seguradoras) necessita de algo semelhante aos serviços nacionais de saúde de vários países europeus, pagos pelos descontos nos salários para a segurança social. O liberalismo de Trump permitir-lhe-á discernir isso?
O dar luz verde a novas extrações petrolíferas, à exploração do «petróleo de xisto» e o cancelar de regulamentação de defesa ambiental nas empresas, deixa francos receios, se aliados à negação por Trump das alterações climáticas, de os EUA se retirarem das preocupações da Conferência de Paris e não contribuírem para o esforço universal para a redução da emissão de gases de efeitos de estufa.
Os contactos com Israel estimularam a política de colonatos de Netanyahu, agora particularmente em Jerusalém e Cisjordânia, a hostilização ao Irão exigida por Israel e com consequências já nas provocações a esse país, as negociações israelo-palestinianas realizadas fora de qualquer acompanhamento internacional, e o reconhecimento de Jerusalém como capital do Estado de Israel, com a passagem da embaixada dos EUA de Tel-Aviv para a cidade santa.
Enfim, parece poder concluir-se que, nestes quinze dias:
Algumas perspectivas iniciais que podiam ter desenvolvimentos positivos estão a ser submersas por um mar de coisas negativas;
Trump acentuou o seu carácter reaccionário em matéria de política interna;
A perseguição aos imigrantes vai continuar mas com forte resistência popular e de outras instituições;
Não se vislumbram medidas coerentes para a defesa dos trabalhadores americanos ou para o aumento do poderio económico contra a qual parte dos seus críticos já desatou a lengalenga neoliberal de que a elevação da actividade industrial e respectivos níveis salariais criaria níveis de inflação «insuportáveis»;
Não se atenuaram tensões no plano internacional, bem pelo contrário;
Trump não conseguiu dar a volta ao gueto informativo que lhe criaram;
E parece estar cada vez mais possuído pelas estruturas mais retrógradas da administração norte-americana, incluindo as que foram suportes do seu antecessor.
E deixamos ainda algumas questões:
Se Trump concretizar algumas perspectivas positivas poderá não resistir a um qualquer processo de destituição mas os grupos económicos que dominam os actores políticos podem reconfigurar a sua acção e discurso de maneira a prosseguir com os de anteriores administrações;
Porém, o mundo mudou, há novas realidades emergentes e isso também condicionará esse processo.
(originalmente publicado em www.abrilabril.pt em 6/2/17)
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