Refugiados, imigração de substituição?
Em
2001, a Divisão da População das Nações Unidas publicou um estudo sobre as
migrações de substituição, isto é as carências de imigrações vindas de outros
países para evitar a diminuição e envelhecimento da população de um grande
número de países que apresentavam taxas de fecundidade e de mortalidade
reduzidas, a partir de um estudo em oito países (Alemanha, EUA, Rússia, França,
Itália, Japão, Reino Unido e Coreia do Sul) e duas regiões (Europa e União
Europeia), e fazendo projeções.
A
ONU concluía então que:
·
Durante
os 50 anos seguintes, a população da maioria dos países desenvolvidos diminuiria
e envelheceria em resultado dos níveis de fecundidade e mortalidade;
·
É necessário manter certos níveis de
imigração para evitar o decréscimo populacional em todas as regiões e países referidos
no estudo.
Porém
·
O número de
imigrantes necessários para evitar o decréscimo da população, é consideravelmente
maior do que o projectado pela ONU;
·
O número de imigrantes necessários para
evitar o decréscimo da população activa é mais elevado do que o necessário para
evitar o decréscimo global dessa população e, em termos relativos, a Alemanha e
a Itália precisariam de um número mais elevado de imigrantes para manter o
tamanho da sua população activa;
·
Os
níveis de imigração necessários para evitar o envelhecimento da população são
várias vezes mais elevados do que os requeridos para evitar o decréscimo da
população total.
Na ausência de imigração, os quocientes de dependência
potencial podiam manter-se nos níveis actuais se se deslocasse a idade de reforma
aproximadamente para os 75 anos. Esta seria a resposta que se
conformaria com as políticas que permitiram que aqui se chegasse.
O neoliberalismo provocou o decréscimo acentuado da
população pelo decréscimo dos níveis de vida (salários, desregulamentação do
trabalho, na sua precarização, na exigência e deslocações de residências,
pensões e apoios sociais às populações, educação, saúde, segurança social,
preços dos transportes, entre outros, com consequências evidentes na fuga de
diplomados para outros países, mais ricos, redução do número de filhos por
casal, etc..
Depois dos atentados às Twin Towers em 2001, o Pentágono
e a NATO usaram isso para justificar perante a comunidade internacional o blitzkrieg
contra o Médio Oriente, começando pela invasão do Afeganistão, e depois do
Iraque. Criaram os talibans para se oporem ao regime democrático de Kabul e,
depois, à discutível presença militar soviética, mesmo que a pedido do governo
legítimo. Foram criados outros grupos militarizados com formação terrorista que
foram usando diferentes designações ao longo dos anos.
A partir de 2011 foi a chamada “primavera árabe” que
levou à queda dos regimes do Egito, Tunísia, Líbia, Iémen e Bahrein. Só na
Síria não conseguiram. Têm-no tentado até ao momento, socorrendo-se de países
como a Arábia Saudita, Turquia e Israel.
A questão dos refugiados na Europa:
factos, teorias e necessidades prementes
A
questão dos refugiados em direção à Europa nestes dois últimos anos tem
assumido grandes proporções, passagem de responsabilidades para terceiros de
alguns dos que têm a responsabilidade nos acontecimentos que estão na sua
origem, declarações comunitárias ineficazes, autoridades aduaneiras incapazes
de despachar com celeridade milhares de casos, condições de acolhimento
provisório muito deficientes e, mais recentemente, um acordo vergonhoso com o ditador turco – um dos principais responsáveis
por esse êxodo pelo apoio continuado que deu ao Daesh na Síria.
Até se criou um organismo, o Frontex. O orçamento do Frontex, apesar de ter sido aumentado
depois do início de funções, espelha bem a hipocrisia da União Europeia. A
agência funciona em dois pisos sem condições num arranha-céus de Varsóvia. A
contrastar com esta realidade, desenvolveu-se, dentro do Frontex, um
dispositivo chamado Eurosur que
concentra a maior parte do investimento em drones,
helicópteros e satélites, destinados a rastrear pessoas que tentam migrar
para escapar da “opressão” e da “miséria” (agressão e grandes carências, digo
eu) no seu país de origem.
Sobre
esta questão levantam-se inúmeras perguntas e algumas teorias da conspiração,
para não falar das movimentações das organizações de natureza fascista,
cavalgando este problema para fins eleitorais e criação de situações de
insegurança interna.
Há factos com consequências
indesmentíveis
As
chamadas “primaveras árabes”, uma promovida com intervenção militar directa da
NATO na Líbia, e outras através da organização pelos serviços de informação
ocidentais de golpes de estado com movimentações populares associadas na
Tunísia e no Egipto. A porta aberta a refugiados do Mali …?Ou outras
intervenções como a secessão do Uganda do Sul, prolongada em acções de guerra
civil para o regresso do antigo ditador. A continuada intervenção militar pela
Arábia Saudita e uma coligação de países árabes do Golfo no Iémen, na Somália e
na Eritreia (?). Os de maior envergadura resultam da guerra contra a Síria por
parte de organizações com apoio ocidental para derrubar pela força Bashar
Al-Assad ou das continuadas agressões da Al Qaeda e da Al-Nustra no Iraque.
Uma primeira teoria da conspiração
Nicolas
Bonnal (1) analisou no diário Boulevard
Voltaire, as declarações de um agente de informações austríaco segundo as
quais o surto dos refugiados resultantes de intervenções dos EUA no Médio
Oriente teve como objectivo uma
verdadeira invasão da Europa.
E,
fazendo uma retrospectiva histórica, referiu que desde os mandatos de 1913 a
1921 do presidente norte-americano Woodrow Wilson, os EUA, com o apoio da
França e do Reino Unido, realizaram agressões em intervenções a que atribuíram
um carácter messiânico, garantindo uma moeda de reserva, que bem poderiam ter
aproveitado para revelar ser a forma dos EUA não pagarem a consequências das
suas guerras.
Fizeram-no
provocando situações caóticas no continente africano e, depois, viraram-se para
o europeu. E põem, assim, em prática os princípios maquiavélicos de Leo Strauss
(2) e de estrategas ao estilo de Wolfowitz (3) que encontram políticos europeus
que acabam por estar de acordo em governar introduzindo situações caóticas e
privar esses países das suas realidades humanas e das suas identidades
históricas e culturais, acabando por os converter em territórios para
instalação de bases, com os territórios vazios, povoados de centros de
refugiados ou de drogados.
Hungria fecha fronteira com a Sérvia para impedir chegada de refugiados |
Um
dos principais problemas da política de imigração da Europa decorreria, segundo
Slavoj Zizeck (4), de uma perspectiva neocolonial que se foca no “fardo do
homem branco” e da “culpa”, negando quaisquer tipo de responsabilidades aos
refugiados nesta crise.
Os
que fingem ser os mais abertos para os imigrantes ou refugiados seriam os que
os tratam efectivamente de uma forma abertamente racista.
Quando
sabemos estar criado um novo “eixo do mal” que integra a Turquia, a Arábia
Saudita e Israel, com múltiplos recursos e agindo particularmente contra os
seus opositores xiitas, é espantoso o acordo entre a UE e a Turquia. Serem
entregues à Turquia 6,8 mil milhões de dólares para voltar a receber os
migrantes que chegam à Grécia, e acabaremos vistos para cidadãos turcos em
viagem para a Europa a partir de Junho constitui uma vergonha
O
acordo não pode ignorar que a Turquia finge combater o terror na região pois a
sua única acção militar é para combater os curdos turcos, que com
características diferentes são os únicos que combatem o Daesh no norte da Síria
com conselheiros militares dos EUA.
O
futuro é negro para a democracia na Turquia. Pela perseguição aos curdos como
para os que, em geral, se opõem a Erdogan.
Zizek
elaborou um novo conceito para lidar com este problema, que designou por “militarização”, não do espaço europeu,
mas das zonas quentes de emigração em guerra. Na sua opinião, os Estados
europeus devem estabelecer uma base militar para "organizar pontes aéreas regulares
da imigração" da Síria e da Líbia.
E
designou a situação actual como "um fiasco político da Europa...um
escândalo", acrescentando que os imigrantes "apenas estão a fluir de
forma desordenada." Para ele, os refugiados devem ser ajudados, mas não
desta forma caótica. Se as coisas continuarem como estão, daqui a cinco anos a
Europa não será mais Europa, não no sentido de se dar uma islamização, mas no
sentido da predominância da população anti-imigrante”.
Por
agora, as políticas da UE estão a criar divisões entre vizinhos europeus. Esses
países da Europa Ocidental estão jogando jogos sujos. A chanceler alemã, Angela
Merkel, mostrou-se muito aberta à imigração, mas depois, quando havia muitos
refugiados, não quis fazer o trabalho sujo de dizer “stop”. Em vez disso, foi
deixado aos países dos Balcãs fazer esse trabalho tão discreto quanto possível
de parar o fluxo de refugiados.
(1) Escritor e ensaísta francês.
(2) Leo Strauss é um
filósofo norte-americano de origem alemã, principal inspirador
da corrente neocon
(neoconservadores) que dominou durante anos uma parte significativa do
pensamento político norte-americano (gravitando, não apenas em redor da
Administração Bush, como por vezes surge referenciado, antes
se posicionando em vários campos, incluindo o democrata).
(3) Professor e político norte-americano. Ex-presidente do Banco
Mundial, arquiteto da política externa do governo de George W. Bush e da Guerra
do Iraque.
(4) Filósofo
esloveno, psicanalista marxista, investigador sénior do Instituto de Sociologia
da Universidade de Liubliana, diretor internacional do Instituto de Humanidades
Birkbeck da Universidade de Londres.