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segunda-feira, 11 de julho de 2016

Uma questão de etiqueta?



As etiquetas comerciais estão a tornar-se num factor de tensão entre alguns países da UE e os EUA a propósito das negociações do TTIP.

O Le Monde do passado dia 9 dava conta de que a indústria agroalimentar e a grande distribuição se opõem ao projecto, resultante de um estudo encomendado pelo governo francês, de colocar um logotipo colorido nos alimentos em função da sua qualidade nutricional. Não só agora mas nos últimos anos têm-se sucedido os trabalhos científicos que mostram a eficácia deste tipo de etiquetas na informação aos consumidores para reduzir os riscos sanitários. Esta questão também vai exigir a clarificação do governo francês já que uma parte dos peritos mandatados pelo Ministério da Saúde mantém ligações, nem sempre declaradas, com a indústria.
As cinco doenças mais comuns em muitos países estão ligadas, no todo ou em parte, à produção e ao consumo de alimentos provenientes da cadeia agroalimentar industrial: diabetes, hipertensão, obesidade, cancro e doenças cardiovasculares.. Isto não só se traduz em má qualidade de vida e tragédias pessoais, mas também em altos gastos com consultas médicas e com o orçamento de saúde pública, e num enorme subsídio oculto para as multinacionais que dominam a cadeia agroalimentar, das sementes ao processamento de alimentos e à venda em supermercados. Fortes são pois as razões para questionar esse modelo de produção e consumo de alimentos. E fortes são também as razões para a etiquetagem desses produtos confira segurança aos cidadãos.
Quer neste caso de França quer no das negociações entre a UE e os EUA sobre o TTIP, também na etiquetagem destes e outros tipos de produtos, conhecem-se genericamente os tipos de questões a ser tratadas mas não as opções concretas. E são estas que os cidadãos reclamam conhecer. Os relatórios são um “faz de conta” e escondem o que, no concreto, está a ser acordado. Uma entre centenas de perguntas a esclarecer: como vai a UE reagir ou a que acordou chegou sobre a oposição dos EUA à referência nas etiquetas a “produto geneticamente modificado”?
Em relação ao TTIP, esta questão da etiquetagem e da segurança, coloca-se não só no sector agroalimentar mas no vestuário/têxtil e em em todas as áreas
Fazer o exercício de ler os relatórios das 13 reuniões já realizadas entre os EUA e a EU mostra isto à evidência e quem negoceia nas costas dos cidadãos não pode considerar.
Os grupos económicos apelam à simplificação e harmonização das normas de etiquetagem relativas a peças de vestuário vendidas na União Europeia e Estados Unidos da América, como forma de impulsionar o comércio inter-regional, reduzir o número de requisitos de etiquetagem obrigatórios e permitir que as etiquetas dos produtos sejam o mais simples possível. Isto é “esconder mais para vender melhor”.

Entre os grupos norte-americanos estão a Aliança Europeia de Marcas de Vestuário (EBCA), a Associação de Vestuário e Calçado Americana (AAFA) e a Associação Indústria da Moda dos Estados Unidos (USFIA). Todos eles destacam que as práticas empresariais modernas requerem a capacidade de transferência de produtos entre as regiões, como ditam as condições de mercado. Afirmam que “Se um produto não se vende bem na Europa, deveria ser possível transferir esse produto para os EUA e vice-versa, assegurando que o produto encontra a melhor mercado. O produto, portanto, deve estar pronto a ser vendido em qualquer jurisdição, incluindo no que diz respeito à etiquetagem e línguas”, referem. Em última análise, pretendem que o TTIP “permita a eficiência do comércio inter-regional, simplificando os requisitos de etiquetagem e idiomas, reduzindo assim o comprimento das etiquetas, resíduos, custos e confusão do consumidor, resultante de quantidades excessivas de informação. Chegam mesmo ao ponto de, como a Ginetex-Associação Internacional para a Etiquetagem, dizerem que alguma etiquetagem e a contemplação nela de direitos de propriedade intelectual se acabam por reflectir nos preços ao consumidor. E portanto, “cortem nas etiquetas”…
Harmonização, redução das palavras a símbolos, necessidade de reduzir o número e línguas usadas pela EU e o excesso de informação. Tudo são facilidades.
Por detrás de tão bons corações, está a cupidez do aumento dos lucros de quem quer ver alargados os seus mercados e amortizados mais rapidamente os investimentos realizados na exportação/produção, procurando, assim, que “o gato passe por lebre”.
No tocante à indicação do país de origem de produtos que são importados, neste momento a Comunidade Europeia não dispõe de legislação sobre a etiquetagem de origem de produtos industriais importados de países terceiros ("made in").
No decurso da consulta que a Comissão organizou em 2004, certos estados-membros e vários organismos interessados (indústrias, sindicatos, consumidores e outras instituições) tinham expresso a sua preocupação crescente com o aumento da incidência de etiquetas de origens enganosas e/ou fraudulentas apostas em produtos importados e tinham requerido o estabelecimento de regras que impusessem a etiquetagem de origem das importações e/ou dos produtos UE. A proposta que a Comissão apresentou em 2005 permitia conceber a determinação, pelo menos parcial, da origem de um produto em função de regras aduaneiras.

No triénio 2009-2011, os eurodeputados comunistas defenderam o conhecimento, tão completo quanto possível e justificável, da composição dos géneros alimentícios, que constitui um direito fundamental dos consumidores. Consideraram que deve também existir informação sobre aditivos alimentares com efeitos alergénicos e a obrigatoriedade de indicação de origem em determinados produtos, tendo condenado a inexistência de obrigatoriedade de informação relativa à presença de organismos geneticamente modificados (OGM) nos alimentos.

Em Portugal, em 8/2/2011, a Comissão Parlamentar de Assuntos Económicos elaborou um parecer que, face à disposição da Comissão Europeia alterar alguns requisitos da etiquetagem, não deveria antes de se concluir tal processo, ser revogado o Regulamento nº1548/98 de definia os requisitos em vigôr à altura.
Em Março deste ano, um grupo de produtores de leite do Norte do país juntou-se num hipermercado da Póvoa de Varzim para comprar mil litros de leite nacional e colocar etiquetas em produtos lácteos importados, para alertar para as dificuldades que o setor atravessa e sensibilizar as superfícies comerciais e os consumidores a comprarem produtos lácteos produzidos no nosso país.
Também nesse mês, a CNA referia que tem de haver coragem para enfrentar a grande distribuição, que continua a acumular lucros, mesmo quando aqueles que produzem para ela só acumulem prejuízos. Tem de haver exigência na rotulagem da produção nacional à qual a grande distribuição tem resistido. Tem de se verificar se não há dumping na importação de carne e leite que fazem baixar os preços pagos em Portugal. Exige-se também por parte da ASAE uma maior atenção através de uma ação forte, visível e dissuasora.

É de esperar que, também em Portugal, os grandes grupos económicos e as grandes distribuidoras assumam atitudes semelhantes ao que está a acontecer em França.




 

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