Com o fracasso do golpe e o apoio popular que foi muito importante para esse desfecho, Erdogan sai reforçado internamente, sendo de esperar:
O acentuar da divisão da Turquia em duas partes parecendo seguro,
apesar do reforço, nestas circunstâncias, do poder de Erdogan, que a prazo isso
provoque maiores convulsões na Turquia e isto apesar da unanimidade dos
partidos políticos, aliados do AKP ou partidos da oposição, em condenar o golpe
(1);
Reforço do poder pessoal de Erdogan e do seu partido, o AKP, acentuar
do culto da sua personalidade e do conservadorismo do regime bem como do
islamismo a todos os níveis;
Uma das maiores
purgas da História contemporânea. Milhares de juízes (incluindo do Supremo) foram
sumariamente irradiados da magistratura turca por terem "eventualmente”
apoiado o golpe militar e contra eles foram passados mandatos de captura. O
mesmo se passou com militares, polícias, professores e outros funcionários públicos;
O reforço do
poder por parte de Erdogan levará, seguramente, ao retomar do projecto de
presidencialização do regime através de alterações da constituição;.
Com apoio na
declaração do “estado de emergência”, o governo terá mão pesada contra os golpistas com muitas dezenas
de altos quadros das forças armadas detidos e, na sequência das ameaças quanto
ao futuro desses militares surge um movimento de opinião para recuperar a pena
de morte, abolida há 12 anos atrás, e que Erdogan acha ser de considerar face
ao golpe falhado.;
A ruptura com a tradição de forças armadas que ao longo de décadas,
desde Ataturk, eram o pilar da secularização do regime. Já há 3 anos Erdogan
retirou às Forças Armadas, alterando o Art.º 35º do seu Regulamento, o papel de
defesa interna da república, atribuindo-lhe apenas a defesa contra as ameaças
externas;
Que o conjunto
das pessoas presas não pare de aumentar, incluindo militares, polícias, juízes
e outros funcionários públicos.
A aparente facilidade da derrota do golpe militar terá ficado a dever-se a uma antecipação precipitada. Erdogan já tinha informação dos
seus serviços de informação e, provavelmente, dos de outros países da
preparação do golpe. E os golpistas sabiam disso pelo que, para não serem
presos em pijama, decidiram fazer essa antecipação.
Entretanto o
governo, através do Ministro do Trabalho
denunciou perante as câmaras de televisão que os EUA estiveram por detrás do
golpe.
O Ministro dos
Negócios Estrangeiros, referindo-se à base
de Incirlik, no sudeste do país, usada pelos EUA para o ataque ao Daesh na
Síria, disse que os militares turcos que aí trabalhavam tinham sido atraídos
para o golpe mas que, após a regularização da situação, “vamos continuar a
nossa luta contra o Daesh, quer com as nações da coligação, ou no âmbito da
NATO”. Não sendo de esperar que essa acção decorra antes de os EUA responderem
ao pedido de extradição de Gulen.
O responsável do
movimento Gulen, residente nos EUA,
o imã Fethullah
Gulen, é considerado por Erdogan como o inspirador do golpe, apesar de ele o
ter negado e considerar o golpe como montado pelo próprio Erdogan. Gulen dirige
uma vasta rede de escolas e instituições humanitárias na Turquia e em vários
países, direccionadas para os turcos. A Turquia prepara acusações sobre
actividades a enviar para os EUA que justifiquem, segundo John Kerry, a
consideração da sua extradição. Erdogan, desde que rompeu com Gulen, acusou-o
de organizar um “estado paralelo” com a intenção de o derrubar, e que era esse
estado que estava a funcionar nas vésperas do golpe.
Já estava em curso mas é de prever o acentuar de uma política
externa turca virada para outros quadrantes, podendo
posicionar-se como polo estratégico em relação a um razoável número de países,
que ultrapasse as estritas motivações da NATO, que, aliás, não veio em apoio do
governo legitimado nas urnas que enfrentou um golpe militar. A vocação
eurasiática da Turquia poderia acentuar-se.
Erdogan pretende
tirar o país da crise resultante das
grandes quebras de exportações de têxteis desde 2008, transformando o país numa
encruzilhada (hub) do fornecimento de gás e petróleo à Europa (2).
Erdogan já estava a realizar, antes do golpe, negociações com a
Síria, prometendo abandonar o projecto de derrubar
o regime e Assad, motivado pela contenção dos curdos, do Irão e da Rússia. Não
por acaso, o governo sírio expressou o seu apoio à “valente defesa da
democracia” que foi a derrota do golpe na Turquia. Pode ser que as relações
entre os dois países melhorem mas a Turquia, que já sofreugraves atentados do
Daesh, deverá rever a sua atitude de cooperação com este e outros grupos
terroristas na região.
Idêntica
rejeição do golpe teve o Irão, o primeiro país a fazê-lo, ao contrário da
Arábia Saudita e o Qatar que foram vendo para que ladocaíam as coisas. Com esta
atitude, o Irão propõe-se ser o principal aliado de Ancara, no período
pós-golpe.
O governo russo tem interesses que o levarão a cooperar mais com
a Turquia. Para além da participação nos projectos
energéticos da Turquia, os russos têm interesse em que a sua frota do Mar Negro
possa voltar a ter acesso ao Mediterrâneo e a soberania da Turquia sobre o
Bósforo é decisiva para isso.
As relações
entre o governo turco e o russo têm evoluído favoravelmente, depois do abate
pela Turquia de um caça russo e das desculpas apresentadas por Erdogan. Principalmente
na área da energia, que veio compensar as quebras no comércio têxtil da
Turquia. O gasoduto SouthStream no Mar Negro foi desviado da Bulgária para a
Turquia, como forma de tornear as regulamentações da UE contra o monopólio da
Gazprom. E os russos querem estender a cooperação energética à área da energia
nuclear.
A Rússia tem interesse em ver reduzidas as sanções que tem sofrido por causa Ucrânia. E até na cimeira da NATO em
Varsóvia, Hollande em tom vigoroso afirmou que “à NATO não cabe ter qualquer
papel em como devem ser as relações entre a Europa e a Rússia. Para a França a
Rússia não é adversária, não é ameaça”. Essa
afirmação, para além de objectivos domésticos, terá sido feita com a
consciência de que um novo eixo transatlântico se tem vindo a definir entre os
EUA e a Alemanha já que os EUA tudo farão para conjurar um eixo entre a
Alemanha e a Rússia.
O Brexit, que
continuará a ter consequências, contribuiu para que o governo turco se
desinteresse da UE por não ganhar nada com isso. Por outro lado, as relações
ambivalentes da Turquia com a UE e os EUA abrem a perspectiva da Turquia, em
vez de continuar a ser um mero peão da NATO, fazer um acerto na sua política externa com vista a contribuir, com um
peso próprio, para um mundo multipolar.
(1)
Entre eles o Partido Comunista da Turquia que
em cima dos acontecimentos sublinhou: “A tensão e as rivalidades entre
diferentes grupos no seio do Estado e das Forças Armadas, que sabíamos
existirem, numa dada altura tomaram a forma de um conflito armado. Se a tensão
entre essas forças é real, não é verdade que qualquer um desses grupos
represente os interesses do povo. Procurar a solução contra o governo do AKP
através de um golpe militar, é um erro, como errado será dar qualquer apoio ao
AKP com a desculpa de tomar posição contra o golpe militar”.
(2)
Nesse sentido há acordos assinados pela Turquia
com a Rússia e o Irão. Tem ainda a possibilidade de retomar com o Azerbeijão o
projecto B-T-C (Baku-Tbilisi, Ceilão) para o escoamento do gás deste país.
Também poderá participar com a Arábia Saudita e o Qatar no transporte do gás de
Pars, no Qatar. Todos estes projectos passam pela província da Anatólia
Oriental, de maioria curda e forte influência do PKK. Sendo por isso de prever
o acordos com o PKK que, por outro lado, possam contribuir para atenuar o
projecto de formação de um Grande Curdistão, projecto alimentado pela França e
outras potências europeias e pelos EUA para enfraquecerem vários países e
consolidarem a sua liderança na região.
(publicado originalmente em 22/7/16 em www.abrilabril.pt)
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