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segunda-feira, 9 de maio de 2016

Puxando o fio à História por causa de uma mentira de Durão Barroso


1. A declaração há dias de Durão Barroso de que consultara o então Presidente Jorge Sampaio sobre a utilização da Base das Lages para Bush se reunir com Blair, Aznar e com ele, e Sampaio concordara com a sua utilização para o efeito de desencadear o ataque ao Iraque foi por este formalmente desmentida por Jorge Sampaio que, num comentário, no Público afirmou nomeadamente:
 

2. “…Sendo certo que já em 2001 estava na agenda internacional, e sobremaneira na americana, em Portugal, a questão do Iraque só emerge no quadro dos contactos que então mantinha com o primeiro--ministro no início de Setembro de 2002. Lembro-me, concretamente, de uma extensa conversa telefónica sobre a matéria, a 9 de Setembro, aquando do seu regresso de um encontro, na Sardenha, com congéneres europeus, durante o qual se teria desenhado com maior clareza a possibilidade, apoiada por ingleses, espanhóis e italianos, de uma intervenção no Iraque, mesmo sem mandato das Nações Unidas (…)

A convicção certa, com que então ficara, de que o Iraque se viria a tornar num factor de polarização PR versus PM, foi-se adensando e tornou-se evidente no nosso encontro semanal de 19 desse mês, depois de uma intervenção do primeiro-ministro no Parlamento. (…)

O último trimestre de 2002 foi marcado pelo peso crescente da questão do Iraque, quer no plano internacional — fosse das Nações Unidas, em que se destaca a Resolução 1441 de 8 Novembro, ou da NATO, tendo-se realizado a Cimeira de Praga nessa altura —, quer no europeu, com declarações recorrentes no âmbito dos conselhos de assuntos gerais e das relações externas, reiterando o apoio à resolução e o apelo ao “desarmamento do Iraque no que respeita às armas de destruição maciça”. Mas a unanimidade que parecia subjazer a estas declarações foi-se estiolando à medida que nos bastidores se intensificaram indícios de que haveria uma iniciativa militar em preparação. Nesta lógica, a procura pelos EUA de apoios levou a uma clara polarização entre os parceiros europeus, ao arrepio das opiniões públicas europeias que manifestaram uma rara unanimidade contra um conflito armado.    

A divisão europeia tornou-se óbvia com, por um lado, a tomada de posição conjunta de Chirac e Schröder (22 de Janeiro de 2003) sobre a oposição a qualquer acção militar sobre o regime iraquiano e a chamada “carta dos Oito”, publicada a 30 de Janeiro, que, na véspera, o primeiro-ministro me informara ir assinar, embora sem me mostrar o texto, mas que enquadrou com argumentos semelhantes aos que viria a expender no Parlamento a 31 de Janeiro — ou seja, basicamente, que para Portugal a neutralidade não era opção.

. No entanto, recordo aqui o telefonema que, pelas 7 da manhã de 14 de Março, recebi do primeiro-ministro, solicitando-me uma reunião de urgência. Para minha estupefacção, tratava-se de me informar que havia sido consultado sobre a realização de uma cimeira nos Açores, essa mesma que, nesse mesmo dia, a Casa Branca viria a anunciar para 16 de Março, daí a pouco mais de 48 horas. Não é preciso ser-se perito em relações internacionais para se perceber que eventos deste tipo não se organizam num abrir e fechar de olhos; e também não é necessário ser-se constitucionalista para se perceber que não cabe ao Presidente autorizar ou deixar de autorizar actos de política externa.

De qualquer forma, transmiti claramente que, tratando-se, como o meu interlocutor afiançava, de uma derradeira e essencial tentativa para a paz e evitar a guerra no Iraque, nada teria a opor.

 Em relação a tudo isto, muito mais poderia recordar, para além da fotografia conhecida que registou um dos momentos mais gravosos deste século, quer seja sobre o papel de Portugal na cimeira, sobre as conclusões da mesma ou ainda sobre tudo o que se seguiu e o início da guerra.

No debate mensal na AR de 29 de Janeiro de 2003 com o primeiro-ministro Durão Barroso, para o PCP ficou evidente o apoio do Governo a uma intervenção militar dos Estados Unidos, país que disse ser o «mais importante aliado» português.

3. Carlos Carvalhas confrontou o Primeiro-Ministro com a questão de saber se também iria defender que fossem cumpridas as resoluções da ONU sobre Israel e a questão palestiniana com a mesma determinação que pôs no Manifesto que subscreveu com sete outros chefes de Governo sobre o conflito iraquiano, e que foi a forma de ultrapassar uma posição comum na EU, já que sete outros países defendiam a solução pacífica no conflito com Saddam.

Esta questão ficou sem resposta e Barroso também não respondeu sobre a posição do Governo português relativamente à necessidade de uma nova Resolução da ONU, como defendiam a Alemanha e a França.

Já foi categórico o Governo português ao revelar que já autorizara a utilização da base das Lajes pelas forças norte-americanas. Na altura não referiu consultas ao presidente Jorge Sampaio sobre a matéria porque a mentira naquela altura iria ter outras consequências e não podia arriscar a certamente já transacionada cadeira de presidente da Comissão Europeia.

Carvalhas, afirmaria ainda neste debate que o «povo iraquiano não pode pagar o preço da retoma económica dos EUA, da especulação bolsista, do acesso às reservas petrolíferas do Iraque», verdadeiras razões do ataque.

4. Esta atitude do PCP foi, posteriormente referida num relatório do embaixador Bernardo Pires de Lima

A primeira vez que a questão das Lajes se colocou no Parlamento foi a 29 de Janeiro de 2003, introduzida pelo Partido Comunista. Dois dias depois, em debate mensal com o governo, o mesmo PCP voltaria ao tema, colocado nos termos certos: que posição adoptaria Portugal em caso de ataque unilateral dos EUA ao Iraque, autorizaria o uso da base, ou não? Barroso respondeu que os EUA já tinham pedido a sua utilização, “numa comunicação que dirigiu ao governo português, em que disse […] não [estar] ainda tomada uma decisão de ataque contra o Iraque e que o governo português já autorizou essa utilização”. E porquê? “Porque entende que é isso que deve fazer em relação ao nosso aliado mais importante e no quadro do acordo de cooperação e amizade entre Portugal e os EUA”.[69] Por outras palavras, pese embora a narrativa política que pautou as intervenções do governo português, no sentido de encontrar uma solução no quadro da ONU, o facto de ter autorizado a utilização das Lajes pelos EUA – quando esta só se torna necessária em caso de ataque militar fora da Autorização do Conselho de Segurança – indica que já neste final de Janeiro era mais que crível em São Bento que o uso da força iria acontecer em breve. Com ou sem autorização da ONU, mas certamente sob a liderança norte-americana. Para compor este raciocínio, o governo já tinha dado ordens para encerrar a embaixada portuguesa em Bagdad.”