Do "Avante!" de hoje transcrevemos o seguinte que, não sem surpresa mas com indignação, não teve direito a referência nos órgãos de "informação portugueses"
Deputados de esquerda de vários países da América Latina participaram, ao início da noite de anteontem, 17, numa emotiva sessão de solidariedade promovida pelo CPPC, a CGTP-IN e a Associação de Amizade Portugal-Cuba.
«Solidariedade com a América Latina» lia-se no enorme pano de fundo da sessão pública da passada terça-feira, que fez transbordar o salão da Casa do Alentejo. Deputados e senadores latino-americanos (que participavam por esses dias no EuroLat), representações diplomáticas de Cuba e da Venezuela, deputados ao Parlamento Europeu, dirigentes do PCP e activistas de diversas organizações sociais estavam entre as muitas centenas de pessoas que fizeram questão de ali permanecer, de forma atenta e entusiástica, até depois das 21 horas.
Os 11 deputados e senadores que intervieram na sessão (ver caixa) eram oriundos de diferentes países, com histórias e percursos também eles diferentes. Mas o que sobressaiu das suas intervenções foi o espírito de cooperação entre os povos latino-americanos. Aliás, não haverá outra zona do globo em que este sentimento de unidade continental seja tão forte quanto na América Latina, apelidada pelos sectores progressistas como Nuestra America (Nossa América).
O sonho de Bolívar de um continente livre e soberano, liberto de outros senhores que não os seus povos, começou a materializar-se no início deste milénio. Após a vitória eleitoral de Hugo Chávez na Venezuela, em 1998, outros países empreenderam processos democráticos e libertadores: Brasil, Bolívia, Equador, Argentina, Nicarágua, El Salvador e Uruguai foram apenas alguns deles, enquanto Cuba socialista foi sempre o farol e o aliado fiel. Milhões de pessoas foram retiradas da pobreza, os trabalhadores alcançaram importantes direitos, a saúde, a educação, a cultura e a protecção social passaram a ser garantias efectivas das populações e os indígenas assumiram-se como protagonistas do seu próprio destino.
A integração regional, mutuamente vantajosa e livre da alçada do imperialismo e das suas estruturas transnacionais, começou então a desenhar-se. O projecto imperialista da ALCA foi derrotado e nasceram a ALBA, a CELAC e a UNASUR. Os povos da América Latina viram na sua unidade e cooperação o cimento da sua força e da sua capacidade de resistir ao imperialismo, que nunca deixou de tentar – pelos mais variados meios – travar e fazer retroceder a emancipação dos países da região que durante décadas foi o seu «pátio das traseiras».
Resistir e avançar
A sessão de anteontem realizou-se num quadro marcado pela violenta ofensiva do imperialismo e das oligarquias nacionais a ele subjugadas, patente na vitória de Maurício Macri na Argentina, no golpe em curso no Brasil e na brutal guerra económica, mediática e diplomática contra a República Bolivariana da Venezuela. Quem esteve na Casa do Alentejo saiu de lá com uma certeza: os povos latino-americanos, ciosos das amplas conquistas sociais alcançadas nos últimos anos e conscientes do alcance regional de todos e cada um dos processos emancipadores em curso, não só estão dispostos a resistir como já o estão a fazer. Unidos!
Na primeira intervenção da tarde, Ilda Figueiredo reafirmou o direito de cada povo a decidir do seu destino. Para a presidente da direcção nacional do CPPC, é precisamente isto que está hoje em jogo naquela região. De qualquer forma, acrescentou, há hoje na América Latina «forças suficientes para travar as lutas pelo progresso, a justiça social e a paz» que a actual situação impõe. Ilda Figueiredo estabeleceu um paralelo entre a ofensiva imperialista no continente americano e a contra-revolução em Portugal, garantindo que nem os mais violentos ataques conseguiram apagar da memória colectiva do povo português os valores da Revolução de Abril.
Mais adiante, João Barreiros, do Departamento Internacional da CGTP-IN, realçou os avanços laborais e sociais registados em muitos dos países da região e acusou os Estados Unidos da América e a União Europeia de não suportarem o «levantamento soberano e progressista» da América Latina. Para os trabalhadores portugueses, os avanços progressistas registados do outro lado do Atlântico constituem um «exemplo de confiança e esperança».
Augusto Fidalgo, presidente da direcção da Associação de Amizade Portugal-Cuba, apontou a luta popular de massas e a solidariedade internacionalista como caminho mais seguro para vencer a ingerência e a desestabilização provocadas pelo imperialismo e pelas elites nacionais.
A sessão terminou com a actuação do grupo El Sur, que interpretou conhecidas canções latino-americanas de resistência e luta. «El pueblo unido jamás será vencido» foi particularmente apropriada ao conteúdo da sessão e à realidade na região.
Palavra aos povos
«Temer, golpista, não passará» foi o clamor com que um grupo de cidadãos brasileiros residentes em Portugal saudou a intervenção da senadora do PT Gleisi Hoffman, que lembrou que o actual presidente interino, Michel Temer, não só não foi eleito como pretende alterar radicalmente o projecto sufragado por 54 milhões de eleitores. O programa político do presidente golpista, acrescentou, é «economicamente neoliberal e politicamente conservador».
Também Vanessa Grazziotin, senadora do PCdoB, rejeitou que se esteja perante um processo de «impeachment» no Brasil. Na verdade, é de um golpe que se trata, preparado pelo PSDB para alcançar dessa forma o que o povo lhe negou nas urnas. Reconhecendo erros e insuficiências nestes 13 anos de governos Lula/Dilma, de que o seu partido fez parte, a senadora comunista realçou que não é por eles que a direita conspira; pelo contrário, é pelas conquistas sociais alcançadas, que beneficiaram milhões de brasileiros.
Da Venezuela veio Dario Vivas, do PSUV, que acusou as forças de direita aliadas do imperialismo de estarem a reter alimentos e medicamentos para, dessa forma, procurarem refrear o apoio popular ao processo bolivariano. O governo de Nicolás Maduro, garantiu, está a preparar-se para a possibilidade de uma agressão externa (já defendida por Álvaro Uribe e John Kerry), ao mesmo tempo que irá aprofundar a participação e o poder popular.
O deputado cubano Luis Morlote Rivas, destacando a importância do VII Congresso do Partido Comunista de Cuba, considerou a sessão da Casa do Alentejo como a mais importante em que participou nestes dias em Portugal, pelo «apoio e carinho» que dela emanaram. Para travar a ofensiva imperialista, que nunca cessou mas que hoje está particularmente intensa, o deputado cubano realçou que a solidariedade é o «combustível» que mais falta faz aos povos latino-americanos.
Unidade e solidariedade
A deputada da Frente para a Vitória, Julia Argentina Perié, informou que o povo argentino está em luta, nas ruas, contra as medidas antipopulares do presidente Macri, que pretende reverter os avanços alcançados durante os mandatos de Nestor e Cristina Kirchner. Para além das conquistas sociais – particularmente significativas após a ditadura militar e as políticas neoliberais dos anos 90 –, os governos progressistas tiveram um papel destacado na derrota da ALCA e na construção de estruturas de efectiva cooperação regional. «O império não gostou», concluiu.
O boliviano Herbert Choque, mineiro indígena eleito pelo Movimento ao Socialismo de Evo Morales, valorizou a nacionalização dos recursos naturais do seu país pelo actual governo e defendeu a «unidade continental contra o imperialismo», baseada no reforço das organizações populares em cada um dos países.
De El Salvador, o deputado da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional, Santiago Flores, sublinhou os obstáculos colocados ao governo do país pelos tribunais e pela generalidade dos órgãos de comunicação social, que são baluartes da direita. A FMLN, realçou, é solidária com os povos latino-americanos da mesma forma que eles foram solidários com El Salvador nos tempos mais graves da guerra civil e da agressão externa.
Os equatorianos Pedro de la Cruz e Silvia Andrade, respectivamente da Aliança País e da Frente Ampla Socialista, valorizaram os avanços alcançados no seu país e apelaram à unidade latino-americana para defender os processos progressistas. O deputado indígena destacou sobretudo a importância da prioridade dada no Equador à salvaguarda da soberania alimentar.
Hilária Supa, do Partido Nacionalista Peruano, iniciou a sua intervenção em língua Quechua, afirmando a sua identidade indígena. Para esta deputada, um dos principais desafios que está colocado ao seu povo é impedir a eleição presidencial da filha de Alberto Fujimori, antigo chefe de Estado peruano que, entre outras violências cometidas contra os indígenas, tem no currículo a esterilização forçada de milhares de mulheres.
O jovem Daniel Cagiani, da Frente Ampla do Uruguai, realçou a necessidade imperiosa da unidade – em cada país e entre os diferentes estados – para suster a ofensiva do imperialismo e prosseguir com as transformações políticas, económicas e sociais. A Frente Ampla do Uruguai é, a seu ver, um excelente exemplo de unidade na acção com respeito pelas diferenças entre forças. Quanto à solidariedade, é parte do «ADN da esquerda».