1. O Conselho Europeu está hoje e amanhã reunido, depois
da Alemanha, França e Itália terem entre si acertado posições.
Entre
comentadores e fabricantes de manchetes o que vai estar em causa é puxar as
orelhas à Grã-Bretanha, impondo-lhe a atitude imediata de aplicar o Art.º 50 do
Tratado de Lisboa, isto é que ela inicie o processo de saída declarando que o
quer fazer de acordo com o recente Brexit, para conter leviandades de outros
estados da UE seguirem o mesmo caminho. Conduzir este processo muito rápido e
com espírito de retaliação seria a pior maneira. Importa ter presente que o
Tratado de Lisboa é uma imposição antidemocrática das elites dirigentes da UE
para responder à rejeição popular da Constituição Europeia, federalista, nos
anos 2004-2007.
2. O Brexit vai precipitar o fim da UE ou o que
resta dela será capaz de aprender e reverter o caminho que conduziu a este
falhanço? Não tenho elementos para ser categórico quanto à primeira
hipótese mas tenho fundadas desconfianças na capacidade dos dirigentes europeus
serem capazes de concretizar a segunda.
3. Aconteça o que acontecer importa que, para já
o Brexit permita elaborar acordos de saída da Grã-Bretanha mas também acautelar
os interesses dos restantes estados-membros, incluindo de Portugal e dos
portugueses. Poderá ser provável que a partir do Brexit se
precipite o fim da UE, mas importa acima de tudo, para já, libertar-nos da moeda única e do Tratado Orçamental que são tão
limitadoras da nossa soberania. E procurar acordos bilaterais do nosso país com
países exteriores à EU, não esgotando no espaço “europeu”, que poderá estar em
mudança radical, as hipóteses de desenvolver o comércio e actividades em que
Portugal tem créditos firmados.
4. Impactos sobre o futuro da NATO não são de
excluir, atendendo a que, cada vez mais, UE e NATO eram já duas faces
da mesma moeda, aliás em concordância com as orientações norte-americanas
iniciais, depois do plano Marshall, que visavam criar um músculo militar e
económico para conter a “expansão soviética na Europa”, depois de terminada a
guerra.
5. Os europeus que, depois da 2ª Guerra, se
tornaram conhecidos como os iniciadores do “projecto europeu”, definiram-no em
torno de valores civilizacionais como a liberdade, o primado dos cidadãos ou a
tolerância. Mais tarde falou-se mesmo da UE como “a Europa
dos cidadãos”. Mas Mário Soares e Rui Machete já pediriam a adesãoem 1985 à CEE
para que… em Portugal futuros governos ficassem impedidos de opções realmente
socialistas. Sabemos hoje como os grandes valores foram ficando para trás.
Grandes dirigentes europeus conservadores dessa época, portadores desses
grandes ideais, como Giscard d’Éstaing, presidente da UDF, passaram a ser
extremamente críticos dos caminhos da UE. Foi ele que nos anos 90, teve reflexão
produzida sobre a realização desse projecto, que lhe fez ser o autor do tratado
constitucional europeu e depois do projecto da Constituição Europeia, em Julho
de 2003, que foi assinado pelos 25 países (entre os quais Portugal através do
governo de …Durão Barroso, pois claro!). O projecto de tratado foi abandonado
porque a França o rejeitou em referendo (o presidente francês era Jacques
Chirac da UMP).Disse Giscard no período cada vez mais problemático da EU que às
escondidas dos cidadãos se estaria a construir, em passos sucessivos
dissimulados, algo que se escondia aos cidadãos: uma Europa federal, um
superestado europeu, em que, passo a passo, se desmontariam gradualmente a
soberania, a identidade e, numa última fase, a independência dos países, que
seriam lentamente transformados em regiões de um poder quase imperial centrado
em Bruxelas.
6.
A natureza da UE
foi-se alterando e o Brexit é a reacção a essa degenerescência. Na UE passou a ser
usado o medo do desconhecido como argumento a favor da EU. O “salto no escuro”
foi frequentemente usado contra o Brexit e fundamentou a “impossibilidade de
alternativas”, o “pensamento único”, o “caminho único”. A UE pressionou o
parlamento cipriota, não aceitou as escolhas dos gregos em 2015, não aceitou os
referendos francês e holandês de 2005, provocou a queda dos governos grego e italiano
em 2011, em 2015 impôs a austeridade rigorosa a portugueses e gregos.
7.
As estruturas europeias
afastaram-se cada vez mais dos cidadãos, das suas reivindicações e anseios. Não eleitas pelos
povos agravaram o carácter burocrático não respeitável e facilmente contestável.
8.
Se quisermos perceber quem decidiu o resultado do referendo, um olhar sobre o mapa das
votações indica que foram os eleitores do norte da Inglaterra e os do sul do
País de Gales. Zona de influência maioritária trabalhista, de operários ou
ex-operários a trabalhar na precariedade, votou contra as orientações do
Partido Trabalhista.
9. Ainda sobre o que esteve na origem do Brexit,
não foi o UKIP mas sim o próprio Partido Conservador que o impôs a Cameron com
a ajuda da Coroa. O reconhecimento das alterações geoestratégicas
ocorridas à escala mundial, a perda da importância relativa dos EUA, e o
atrelar do país às guerras da administração norte-amereicana, reduziram o
entusiasmo em o UK ser o parceiro privilegiado dos EUA na Europa. Mas também
pesaram as sucessivas consequências que tiveram para os ingleses os ataques
desde Margaret Tatcher, sem interrupção com Blair, contra o estado social, os
rendimentos e outros direitos dos trabalhadores e a capacidade industrial e de
demais serviços do Estado em benefício da financiarização do país e na
transformação da Bolsa de Londres em algo não recomendável. Os impactos da
crise iniciada no sistema financeiro norte-americano, em 2007, e que contaminou
todo o mundo, perdurando até aos nossos dias, foi outro factor.
10. O “projecto europeu”, inicialmente concebido,
morreu e o que resta é outra coisa em decomposição mas que tem que ser
acompanhada.