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terça-feira, 28 de junho de 2016

União Europeia: por aí já não vamos!



1.       O Conselho Europeu está hoje e amanhã reunido, depois da Alemanha, França e Itália terem entre si acertado posições.

Entre comentadores e fabricantes de manchetes o que vai estar em causa é puxar as orelhas à Grã-Bretanha, impondo-lhe a atitude imediata de aplicar o Art.º 50 do Tratado de Lisboa, isto é que ela inicie o processo de saída declarando que o quer fazer de acordo com o recente Brexit, para conter leviandades de outros estados da UE seguirem o mesmo caminho. Conduzir este processo muito rápido e com espírito de retaliação seria a pior maneira. Importa ter presente que o Tratado de Lisboa é uma imposição antidemocrática das elites dirigentes da UE para responder à rejeição popular da Constituição Europeia, federalista, nos anos 2004-2007.

2.      O Brexit vai precipitar o fim da UE ou o que resta dela será capaz de aprender e reverter o caminho que conduziu a este falhanço? Não tenho elementos para ser categórico quanto à primeira hipótese mas tenho fundadas desconfianças na capacidade dos dirigentes europeus serem capazes de concretizar a segunda.

3.      Aconteça o que acontecer importa que, para já o Brexit permita elaborar acordos de saída da Grã-Bretanha mas também acautelar os interesses dos restantes estados-membros, incluindo de Portugal e dos portugueses. Poderá ser provável que a partir do Brexit se precipite o fim da UE, mas importa acima de tudo, para já, libertar-nos da moeda única e do Tratado Orçamental que são tão limitadoras da nossa soberania. E procurar acordos bilaterais do nosso país com países exteriores à EU, não esgotando no espaço “europeu”, que poderá estar em mudança radical, as hipóteses de desenvolver o comércio e actividades em que Portugal tem créditos firmados.

4.      Impactos sobre o futuro da NATO não são de excluir, atendendo a que, cada vez mais, UE e NATO eram já duas faces da mesma moeda, aliás em concordância com as orientações norte-americanas iniciais, depois do plano Marshall, que visavam criar um músculo militar e económico para conter a “expansão soviética na Europa”, depois de terminada a guerra.

5.      Os europeus que, depois da 2ª Guerra, se tornaram conhecidos como os iniciadores do “projecto europeu”, definiram-no em torno de valores civilizacionais como a liberdade, o primado dos cidadãos ou a tolerância. Mais tarde falou-se mesmo da UE como “a Europa dos cidadãos”. Mas Mário Soares e Rui Machete já pediriam a adesãoem 1985 à CEE para que… em Portugal futuros governos ficassem impedidos de opções realmente socialistas. Sabemos hoje como os grandes valores foram ficando para trás. Grandes dirigentes europeus conservadores dessa época, portadores desses grandes ideais, como Giscard d’Éstaing, presidente da UDF, passaram a ser extremamente críticos dos caminhos da UE. Foi ele que nos anos 90, teve reflexão produzida sobre a realização desse projecto, que lhe fez ser o autor do tratado constitucional europeu e depois do projecto da Constituição Europeia, em Julho de 2003, que foi assinado pelos 25 países (entre os quais Portugal através do governo de …Durão Barroso, pois claro!). O projecto de tratado foi abandonado porque a França o rejeitou em referendo (o presidente francês era Jacques Chirac da UMP).Disse Giscard no período cada vez mais problemático da EU que às escondidas dos cidadãos se estaria a construir, em passos sucessivos dissimulados, algo que se escondia aos cidadãos: uma Europa federal, um superestado europeu, em que, passo a passo, se desmontariam gradualmente a soberania, a identidade e, numa última fase, a independência dos países, que seriam lentamente transformados em regiões de um poder quase imperial centrado em Bruxelas.

6.      A natureza da UE foi-se alterando e o Brexit é a reacção a essa degenerescência. Na UE passou a ser usado o medo do desconhecido como argumento a favor da EU. O “salto no escuro” foi frequentemente usado contra o Brexit e fundamentou a “impossibilidade de alternativas”, o “pensamento único”, o “caminho único”. A UE pressionou o parlamento cipriota, não aceitou as escolhas dos gregos em 2015, não aceitou os referendos francês e holandês de 2005, provocou a queda dos governos grego e italiano em 2011, em 2015 impôs a austeridade rigorosa a portugueses e gregos.

7.      As estruturas europeias afastaram-se cada vez mais dos cidadãos, das suas reivindicações e anseios. Não eleitas pelos povos agravaram o carácter burocrático não respeitável e facilmente contestável.

8.     Se quisermos perceber quem decidiu o resultado do referendo, um olhar sobre o mapa das votações indica que foram os eleitores do norte da Inglaterra e os do sul do País de Gales. Zona de influência maioritária trabalhista, de operários ou ex-operários a trabalhar na precariedade, votou contra as orientações do Partido Trabalhista.
9.      Ainda sobre o que esteve na origem do Brexit, não foi o UKIP mas sim o próprio Partido Conservador que o impôs a Cameron com a ajuda da Coroa. O reconhecimento das alterações geoestratégicas ocorridas à escala mundial, a perda da importância relativa dos EUA, e o atrelar do país às guerras da administração norte-amereicana, reduziram o entusiasmo em o UK ser o parceiro privilegiado dos EUA na Europa. Mas também pesaram as sucessivas consequências que tiveram para os ingleses os ataques desde Margaret Tatcher, sem interrupção com Blair, contra o estado social, os rendimentos e outros direitos dos trabalhadores e a capacidade industrial e de demais serviços do Estado em benefício da financiarização do país e na transformação da Bolsa de Londres em algo não recomendável. Os impactos da crise iniciada no sistema financeiro norte-americano, em 2007, e que contaminou todo o mundo, perdurando até aos nossos dias, foi outro factor.
10.  O “projecto europeu”, inicialmente concebido, morreu e o que resta é outra coisa em decomposição mas que tem que ser acompanhada.