Segui com interesse esta série na
RTP-2 porque trocou a História pelas pessoas que a fizeram e porque à escala
europeia, e não só, produções para cinema ou TV sobre as resistências ao
nazismo no decurso da 2ª Guerra Mundial não se têm feito.
Por outro lado, na imprensa e
através de comentadores políticos que têm acesso a esse estatuto, esta questão
passou a estar diluída nos assim designados “extremismos da esquerda e direita,
na igualdade entra comunismo e nazismo”, corrupção intelectual de alguns
historiadores dos tempos do neo-liberalismo.
O guião, interpretações e realização são adequados ao que se poderia esperar nestas séries.
O guião, interpretações e realização são adequados ao que se poderia esperar nestas séries.
Como qualquer série televisiva
ela apresenta a visão não dos vencedores mas de quem pagou a produção.
A série é uma ficção em que o
conhecimento histórico reconhece comportamentos e percursos de personagens mas
não ao nível absoluto ou de caricatura do guião.
Entre os nazis não houve gente
que teve um comportamento mais decente com autoridades de Vichy ou mesmo
populares? Terão havido mas essa não foi a característica geral. Houve
comunistas sectários, insensíveis às preocupações das populações? Terão havido
mas numa pequena proporção. A acção da resistência, quer comunista quer a
gaullista foi muito caracterizada pela anarquia e a responsabilidade? Essa é
uma aberrante caricatura que ignora o seu papel e as muitas mortes de
resistência nas acções. A aldrabice foi a característica das novas autoridades,
compostas naturalmente por resistentes, criadas no anterior território de Vichy?
Terão havido casos mas essa não foi a característica dominante. Houve
torturadores nazis e assassinos da polícia de Vichy com manifestações de
compreensão para com aqueles que eram as suas vítimas? É altamente improvável.
Os judeus foram todos perseguidos ou alguns trabalharam para a Gestapo, SS e
polícia de Vichy para que muitos judeus fossem marginalizados e depois
deportados para campos de concentração e aí mortos? Sabemos que, infelizmente,
houve casos desses. A série poderia ter feito alusão a esses campos de “solução
final”? Deveria porque na altura da proximidade da libertação, o seu conhecimento,
mesmo sem pormenores, já era conhecido. A execução de traidores e
colaboracionistas e a humilhação a que foram expostas publicamente mulheres que
se entenderam com o inimigo é um exagero? Se forem julgados setenta anos depois
num bom sofá, completamente fora do contexto, pode haver quem tenha esse
entendimento. Mas não o teve quem viveu esses tempos, no calor dos combates e
das perseguições e mortes.
A série devia ter cuidado deste
efeito sempre perverso de julgar noutro contexto acontecimentos que foram
trágicos no contexto original.
E não vindo muito a propósito, a
miopia política é uma coisa séria, sobretudo se só dá num olho. Há dias Júlio
Machado Vaz, no seu programa na Antena Um, referia que a História não pode
esquecer os massacres de Katyn, na Polónia. Estes massacres vitimaram em 1940 mais de
vinte mil militares polacos, que eram dirigidos num quadro de entendimento com
os nazis contra os russos, cuja sepultura os nazis denunciaram, e que só há
poucos anos atrás o presidente russo reconheceu terem sido um crime dos dirigentes
de então do seu país, tendo por isso pedido desculpa às autoridades e ao povo
polaco.
Júlio Machado Vaz poderia ter
referido também os massacres, de dimensão muito superior ocorridos com as
bombas atómicas em Hiroshima e Nagasaki em 1945, em relação aos quais Obama há
poucos dias no Japão, em homenagem a essas vítimas, não pediu desculpa ao povo
japonês nem caracterizou esse genocídio como um crime.
Dir-se-á que são critérios. Porém
a verdade histórica existe, por vezes com nuances de interpretação, que
seguramente não vieram à liça nos casos relatados.