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quinta-feira, 23 de junho de 2016

Uma aldeia francesa


 
Segui com interesse esta série na RTP-2 porque trocou a História pelas pessoas que a fizeram e porque à escala europeia, e não só, produções para cinema ou TV sobre as resistências ao nazismo no decurso da 2ª Guerra Mundial não se têm feito.

Por outro lado, na imprensa e através de comentadores políticos que têm acesso a esse estatuto, esta questão passou a estar diluída nos assim designados “extremismos da esquerda e direita, na igualdade entra comunismo e nazismo”, corrupção intelectual de alguns historiadores dos tempos do neo-liberalismo.

O guião, interpretações e realização são adequados ao que se poderia esperar nestas séries.

Como qualquer série televisiva ela apresenta a visão não dos vencedores mas de quem pagou a produção.

A série é uma ficção em que o conhecimento histórico reconhece comportamentos e percursos de personagens mas não ao nível absoluto ou de caricatura do guião.

Entre os nazis não houve gente que teve um comportamento mais decente com autoridades de Vichy ou mesmo populares? Terão havido mas essa não foi a característica geral. Houve comunistas sectários, insensíveis às preocupações das populações? Terão havido mas numa pequena proporção. A acção da resistência, quer comunista quer a gaullista foi muito caracterizada pela anarquia e a responsabilidade? Essa é uma aberrante caricatura que ignora o seu papel e as muitas mortes de resistência nas acções. A aldrabice foi a característica das novas autoridades, compostas naturalmente por resistentes, criadas no anterior território de Vichy? Terão havido casos mas essa não foi a característica dominante. Houve torturadores nazis e assassinos da polícia de Vichy com manifestações de compreensão para com aqueles que eram as suas vítimas? É altamente improvável. Os judeus foram todos perseguidos ou alguns trabalharam para a Gestapo, SS e polícia de Vichy para que muitos judeus fossem marginalizados e depois deportados para campos de concentração e aí mortos? Sabemos que, infelizmente, houve casos desses. A série poderia ter feito alusão a esses campos de “solução final”? Deveria porque na altura da proximidade da libertação, o seu conhecimento, mesmo sem pormenores, já era conhecido. A execução de traidores e colaboracionistas e a humilhação a que foram expostas publicamente mulheres que se entenderam com o inimigo é um exagero? Se forem julgados setenta anos depois num bom sofá, completamente fora do contexto, pode haver quem tenha esse entendimento. Mas não o teve quem viveu esses tempos, no calor dos combates e das perseguições e mortes.

A série devia ter cuidado deste efeito sempre perverso de julgar noutro contexto acontecimentos que foram trágicos no contexto original.

E não vindo muito a propósito, a miopia política é uma coisa séria, sobretudo se só dá num olho. Há dias Júlio Machado Vaz, no seu programa na Antena Um, referia que a História não pode esquecer os massacres de Katyn, na Polónia. Estes massacres vitimaram em 1940  mais de vinte mil militares polacos, que eram dirigidos num quadro de entendimento com os nazis contra os russos, cuja sepultura os nazis denunciaram, e que só há poucos anos atrás o presidente russo reconheceu terem sido um crime dos dirigentes de então do seu país, tendo por isso pedido desculpa às autoridades e ao povo polaco.

Júlio Machado Vaz poderia ter referido também os massacres, de dimensão muito superior ocorridos com as bombas atómicas em Hiroshima e Nagasaki em 1945, em relação aos quais Obama há poucos dias no Japão, em homenagem a essas vítimas, não pediu desculpa ao povo japonês nem caracterizou esse genocídio como um crime.
Dir-se-á que são critérios. Porém a verdade histórica existe, por vezes com nuances de interpretação, que seguramente não vieram à liça nos casos relatados.