A JMJ 2023 decorre após dez anos de pontificado do Papa Francisco e do processo de novo reformismo que ele incentivou e vem promovendo. Destacamos alguns elementos desse processo. Os diversos documentos papais como Evangelii Gaudium (1) em 2013, Laudato Si’ (2) em 2015, ou Fratelli Tutti (3) em 2020, correspondem a importantes avanços na Doutrina Social da Igreja. Devem ser também destacadas as medidas de reforma da Cúria, de alteração do colégio de cardeais, já quase ⅔ do colégio eleitoral para um novo Papa, da promoção do diálogo ecuménico e inter-religioso, da abertura à maior participação de leigos na Igreja Católica, de valorização das mulheres, do combate à pedofilia e outros abusos que têm provocado um grande impacto na Igreja. Importa ainda assinalar os seus esforços para dinamizar o processo de paz entre a Rússia e a Ucrânia, ainda que pouco conhecidos ou divulgados.
É neste contexto que é importante reflectir e olhar a realização da JMJ 2023, que tem enfrentado críticas, gerado problemas e mesmo a ameaça de um cisma, a partir dos sectores mais retrógrados do clero, que continuam a defender uma Igreja fechada sobre si e afastada dos povos e por isso recusam o caminho cristão apontado por Francisco.
A importância e o significado dos documentos papais mencionados vêm da denúncia do capitalismo enquanto “economia que mata”, da exploração dos pobres, dos trabalhadores e da natureza, das causas da alienação e opressão, da corrida aos armamentos e da guerra. Vêm igualmente do apelo à defesa de caminhos e políticas alternativas, da necessidade de intervenção e luta dos explorados e dos povos excluídos, como resposta aos graves problemas que a humanidade enfrenta no trabalho, na habitação, no ambiente, na soberania, e no desenvolvimento justo e universal. Para Francisco é essencial o papel dos jovens e, muito em particular dos jovens católicos, ideia expressa através do lema da JMJ 2023: “Maria levantou-se e saiu apressadamente”, que coloca a tónica na intervenção e na acção.
Os desenvolvimentos da resposta da ala que se tem expressado sonoramente contra Francisco é incerta, mas importa assinalar outros temas em discussão como a ordenação sagrada de mulheres ou o fim do celibato obrigatório no rito latino.
Em Portugal, a Igreja não ficou incólume a estes desenvolvimentos e tem revelado sinais de desorientação e mesmo de divisão no seio da hierarquia, bem evidentes na constituição da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças e perante a posterior divulgação do relatório que produziu. Esta é uma realidade perante a qual o reeleito Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, próximo de Francisco, teve de refletir, chegando a ponderar não fazer um segundo mandato.
As dificuldades na Igreja em Portugal são bem visíveis nas dioceses que estiveram sem bispo titular até recentemente (Bragança-Miranda) ou que ainda estão (Setúbal), apesar de recentemente terem sido nomeados alguns novos bispos auxiliares. A situação do Patriarcado de Lisboa será uma questão a resolver, face à saída já anunciada do actual Cardeal-Patriarca após a JMJ, possivelmente ultrapassada pela passagem do bispo auxiliar e coordenador da JMJ 2023, D. Américo Aguiar, ao cardinalato. Ele tem sido o rosto nacional e internacional da iniciativa, com um percurso que passou pela Diocese do Porto e nos últimos anos com diversas responsabilidades em Lisboa, nomeadamente na ligação à comunicação social, aos bombeiros, e aos sindicatos.
A JMJ 2023 decorrerá, assim, num período de profundo debate no seio da Igreja, de preparação do Sínodo deste ano sob o lema “Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. O desafio é da construção de uma Igreja-comunidade, participada, com uma missão partilhada por todo o discipulado de Cristo. Os jovens católicos são uma peça fundamental neste chamamento para uma fé que dê frutos em relação aos grandes problemas que afectam milhões de seres humanos.
22.06.2023
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