Os factos aí estão: execução de
47 militantes xiitas na Arábia Saudita, as reações populares e do Irão, o
atentado não reivindicado em Cabul, o abate pela Turquia de um avião russo com
o apoio de um AWAC da Arábia Saudita, os atentados de Paris, o abate de um
avião de passageiros russos, atentados na Nigéria, agressões externas ao Iémen
e Somália, os massacres do Daesh na Síria e no Iraque, as consequências de tudo
isto numa vaga emigratória com aspectos desumanos e muitas mortes.
Estes factos deixam, no ano que
passou e já neste ano, um rasto crescente de violência onde as vidas são
sacrificadas a agendas ocultas, onde há o apelo mais ou menos explícito à
violência sectária, iludindo as verdadeiras causas destes acontecimentos.
Só no Iraque, Paquistão e
Afeganistão, desde o início deste século já foram mortas mais de 4 milhões de
pessoas.
Em torno da agressão à Síria,
configuraram-se dois blocos. O primeiro envolve a Arábia Saudita, a Turquia, a
França, Israel, Qatar, Dubai, Emiratos Árabes Unidos, Bahrein e Jordânia. O
segundo envolve a Síria, Irão e Rússia.
Por detrás do primeiro bloco, os
EUA têm também uma agenda própria. Os EUA combatem a Síria no sentido de
garantirem o domínio do seu petróleo, de eliminar um aliado da Rússia na
região, de inviabilizar o fornecimento de gás russo à Europa, de alargar o
espaço caótico que lhe permita um vasto corredor de acesso à Rússia e depois
contra a China.
Mas
Israel também tem na sua agenda dividir o Próximo-Oriente, em particular no
Levante em mini-estados de natureza étnica e confessional com dois objectivos:
garantir a segurança das suas fronteiras e justificar a sua própria existência
como estado dos judeus de todo o mundo, de acordo com a ideologia sionista.
Até
ao momento só uma grande potência, a Rússia, deu resposta à altura dos
acontecimentos, desdobrando-se em iniciativas de paz, propostas de acordos e de
mediação de conflitos como o que acontece agora entre a Arábia Saudita e o
Irão. Mas também coordenando acções com a Síria no plano militar que tem vindo
a eliminar o Daesh e a sua ocupação do território, face à anterior inoperância
de uma “coligação”, sem mandato para ali intervir, que numa primeira fase
apoiou a progressão do Daesh no território e depois de desmascarada procedeu a
bombardeamentos para cobrir o avanço dos curdos sírios contra o regime.
Desde
a derrota do golpe na Síria, em Março de 2011, o conflito desenvolveu-se a
ponto de se transformar numa complexa situação. O Exército Árabe Sírio leal ao
presidente Bashar Al-Assad, grupos armados derrotados quando da tentativa do
golpe e potências estrangeiras são peças de um intrincado jogo.
Segundo
estimativas da ONU, mais de 200 mil pessoas já morreram nos mais de quatro anos
de conflito na Síria e há pelo menos 4 milhões de pessoas deslocadas
internamente, com alguns milhares chegando diariamente à Europa em busca de
refúgio.
As
tropas leais a Assad lutam contra vários grupos terroristas, que até há pouco
tempo tinham sido absorvidos pelo Daesh, calculando-se terem uns 100 mil
homens. Muitos destes grupos contam com mercenários estrangeiros. Por outro
lado grupos libaneses e iranianos (Hezbollah) apoiam as fileiras do governo.
Entre
as forças estrangeiras estão os Estados Unidos e seus aliados ocidentais, além
de potências regionais como a Turquia, Israel e países do Golfo Pérsico. Que
formaram uma “coligação com o pretexto de deslocar o Daesh da Síria e do
Iraque. O governo sírio conta com o apoio da Rússia e do Irão.
O
regime iraquiano está dependente dos EUA mas as fricções entre ambos aumentam. O Afeganistão não tem uma intervenção directa.
A monarquia
saudita é nos dias de hoje uma ditadura anacrónica. A família Saoud é
proprietária do país como, há décadas atrás, o rei belga Leopoldo II era
proprietário do Congo em nome pessoal. É um regime que se sente ameaçado e se
mantem pelo terror, mesmo dando alguns sinais de abertura como foi a permissão
de candidaturas femininas quando…autorizadas pelos cônjuges. A execução, de há dias atrás, quebrou com o efeito de
tais « aberturas » e o Irão encara com simpatia uma revolta xiita
neste estado vaabita.
A família Saoud opõe-se a Assad. Apoia o Daesh e outros
grupos terroristas.
Grande rival do Irão no Médio
Oriente, a Arábia Saudita é parte da coligação dirigida pelos EUA “para atacar”
o Daesh.
Em recente encontro de líderes em Nova Yorque, o governo saudita
reiterou o seu desejo de ver Assad deposto. O ministro das Relações Exteriores,
Adel Al-Jubeir, defendeu uma intervenção militar na Síria ou um armamento mais
ostensivo dos grupos terroristas que actuam neste país.
A Arábia Saudita é um dos
principais financiadores de rebeldes de orientação sunita, incluindo alguns
mais radicais. Mas tem rejeitado acusações do Irão e de outros países de que
também teria dado dinheiro e armas para o Daesh. No entanto, diversos
milionários sauditas de uma forma clara já doaram dinheiro à causa jihadista do
Daesh e há quem estime que cerca de 2.500 homens do país tenham viajado para a
Síria e Iraque para se juntarem às fileiras do grupo terrorista.
Com Hollande a ser mais falcão
que os EUA, insistindo no afastamento de Assad, como ainda se sentisse numa
relação colonial com a Síria, com a Alemanha a querer afastar-se desta convergência anti-Assad, com a
Bulgária, membro da UE e da NATO, governada por um bando de mafiosos a fornecerem
droga ao Daesh e Al-Qaeda quer na Síria quer na Líbia, com o exército iraquiano
a criticar os EUA pela falta de apoio e de um apoio à fuga dos membros do Daesh,
tudo é muito complicado mas com oportunidades para se caminhar para verdadeiros
acordos de paz.
Um novo ano que já começou mal
com o passo da Arábia Saudita, pode ainda ser oportunidade a não perder.