José Manuel Jara, presidente da
Direcção da CPA de Medicina foi barbaramente espancado na noite de 24 de abril
de 1972, ao entrar numa reunião da RIA (Reunião Inter-Associações de Estudantes) que estava a decorrer nas instalações da
AE do ISCEF, com entrada pela Rua Miguel Lupi.
Uma delegação da Pró-Associação de
Medicina, que incluía Sita Vales e Ferreira Mendes, compareceu a essa reunião, e
o Jara chegaria mais tarde por estar numa reunião com a Ordem dos Médicos. A ordem
de trabalhos tinha como ponto único a luta contra a repressão. No começo da RIA
a delegação da Associação de Ciências propôs como ponto prévio que a reunião
tomasse uma posição face aos “provocadores”.
A delegação de Ciências adiantou
que conhecia um provocador pidesco… e esse provocador pidesco era o Jara (!!!).
Porque tinha acusado os dirigentes da AE de Ciências de ter abandonado os
estudantes da sua escola, encerrada. Para espanto total de todos os estudantes
de boa-fé que ali estavam, iniciou-se o “julgamento" sem a presença do
"réu”.
A maquinação e a trama não se
ficaram por aqui. Como esta questão não fosse suficiente" (?) para a
"condenação" fizeram-se alegações falsas de intuito deliberadamente
provocatório e não provadas sobre "outra conversa pessoal". O Jara
tinha sido abordado na CPA de Medicina por uma estudante de Medicina, irmã de
uma dirigente associativa de Ciências, que lhe mostrou um comunicado
clandestino do PCP apelando ao 1º de Maio, e ele comentou ser um risco andar
com ele e, ironicamente, afirmou ainda que não mostrassem “aos gajos de
Ciências que não iriam gostar disso…”
Foi votada a sua expulsão da RIA
por 3 votos a favor (Ciências, Técnico, e MAEESL - Movimento Associativo dos
Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa), 2 votos contra do Instituto
Industrial e da Pró-Associação da Faculdade de Medicina e uma abstenção da
Associação da Faculdade de Direito de Lisboa, que se distanciou do ocorrido
(1).
A direcção da CPA de Medicina
presente, através de Sita Vales e Ferreira Mendes, afirmaram imediatamente em declaração
de voto que não estariam presentes na R.I.A. enquanto não fosse revogada a
decisão.
Foi uma “deliberação” contra o
presidente da CPA da Faculdade de Medicina que sempre tinha defendido o
Movimento Associativo, que fora eleito democraticamente eleito pela grande
maioria dos estudantes desta Faculdade, que sempre tinha merecido a confiança
destes para cumprir as suas decisões maioritárias. Tentou-se um processo
maquiavélico de o "queimar" inquisitorialmente.
Quando a força não se
impunha pelas ideias, optaram por impor as ideias pela força, a murro…
Ao chegar a Económicas para a reunião
da RIA, o Jara foi avisado pela Sita Vales e pelo Ferreira Mendes, ambos da CPA
de Medicina, e por outros estudantes, que lhe estava preparada uma “espera”, o
que provocou a interrupção da RIA e gerou uma escaramuça, pois logo acorreram a
defendê-lo vários estudantes.
O José Manuel Jara explicaria
perante a reunião, de facto um tribunal-farsa, que confirmava (e repetia) ter
dito em conversa pessoal - aquilo que trágico-comicamente se considerou o
delito - com um membro da Direcção da AE de Ciências que foi a uma reunião de
estudantes de Medicina para aí denegrir a luta dos Estudantes de Coimbra
(1968-1969). Ao que o Jara retorquiu ter sido essa uma luta de grande
combatividade, com a direcção eleita pelos estudantes sempre presente nela, o
que contrastava com o desaparecimento, em plena luta dos estudantes da
Faculdade de Ciências, da sua direcção associativa que “tinha recolhido ao
leito”.
Depois da parte
"legal", o pessoal das direcções de Ciências, Técnico e MAEESL, passou
à violência. Impediram a saída do Jara e em jeito de piquetes
"policiais", em atitude agressiva rodearam os estudantes que o apoiavam,
e que estavam em minoria.
Chovem provocações das mais mesquinhas! Entre
os agressores destacam-se Pedro Ferraz de Abreu, e dirigentes da AEIST, da AE
de Económicas (o mesmo que já agredira a Violante Saramago em episódio que aqui
referi noutro post) e do MAEESL (2).
Tendo-se encerrado a Associação
todos os presentes se deslocaram para o corredor da entrada. Crescia o clima de
tensão. O Ferreira Mendes que apoiou e protegeu o colega foi agredido. Um
membro da delegação do Instituto Industrial, Rui Baltazar, que se virou contra
os agressores a defender o Jara foi também agredido, tendo-lhe sido quebrados
os óculos cujas lentes quebradas lhe provocariam ferimentos na cara.
Eram entre 30 e 40 indivíduos,
com atitudes do mais refinado gangsterismo. Choveram murros e pontapés sobre o
Jara que não respondeu às agressões e avançou para a saída. As várias dezenas
de valentaços cercaram-no e passaram a uma nova tortura ainda mais vergonhosa.
Empurraram-no para o centro, onde
estava o Ferraz de Abreu que lhe foi dizendo "Hás-de confessar que és um
provocador!” “Hás-de falar senão comes", "estás aqui se for preciso até às 6 da manhã", "se for preciso até te matamos",
"fala", etc.,etc.
Com um lábio rebentado, teve que receber
tratamento no banco do Hospital de Santa Maria.
Os esbirros só desistiram porque
instantaneamente tomaram consciência da inutilidade dos seus actos… Durou uma
hora a exibição de vandalismo dumas dezenas de agressores, dois deles
"estudantes" de Medicina, o Pedro Paulo e o João Moreira.
Nos dias seguintes realizaram-se
plenários de estudantes em Medicina, no Técnico e na Faculdade de Letras que
condenaram as agressões e exigiram a reintegração do Jara na RIA. Em Medicina,
os dois agressores desta escola foram expulsos num plenário com cerca de 700
estudantes. No IST, a tropa de choque agressora tentou perturbar a RGA mas foi
dissuadida disso, apenas pela presença física de estudantes comunistas e
simpatizantes. Os valentões recuaram em boa ordem… (3).
Mas, apesar de derrotados, os caceteiros insistiram na
campanha através de publicações suas (4).
Depois de uma tentativa gorada de
“reintegrar” o Jara na RIA, numa reunião onde até foram buscar a Livrelco, para
empatarem a votação, a RIA não voltaria a reunir a não ser depois do 25 de
Abril. A correlação de forças, entretanto, passara a ser outra e já não
interessava aos caceteiros viabilizar o funcionamento da RIA, particularmente
num período de ascenso das lutas estudantis que, em resposta à política do
governo, praticamente paralisou a universidade e institutos de ensino “médio”.
O fascismo beneficiou disso.
Mas o Jara continuaria a ser alvo
de uma campanha provocatória com atitudes e pinturas de paredes, WCs e cartazes
contra si em termos perfeitamente ignóbeis durante bastante tempo.
E impediram-no de entrar na
cantina da Cidade Universitária.
Nunca nenhum dos agressores, após
46 anos, pediu desculpa ao Jara
Se desenvolvi num debate recente sobre o movimento estudantil o tema desta agressão ao Jara,
fi-lo, e aqui o repito, como tributo à sua coragem, reconhecendo o sofrimento que este episódio
provocou na sua vida. E porque, por ter feito uma esclarecedora intervenção
televisiva há dias contra a eutanásia, eu ter sentido novos uivos e mandíbulas
a quererem mordê-lo como há 46 anos.
Mas o Jara é uma pessoa de
coragem e não verga.
(1) Comunicado
da direcção da AEFDL, “Provocação e luta de tendências”, sem data, mas
seguramente de Maio de 1972.
(2) Não
referimos, propositadamente, mais de uma dezena dos agressores, identificados
por testemunhos de presentes na cena.
(3) Comunicado
da direcção da Comissão Pró- Associação (CPA) da Faculdade de Medicina, de
25/4/72; um outro, também da CPA da FML, sem data mas provavelmente de 27/4/72;
outro ainda assinado pela CPA sobre as resoluções da AG de Medicina, sem data
mas provavelmente do mesmo dia, depois da AG.
(4) Binómio da AEIST, de 29/4/72 com um comunicado
da ainda direcção da AEIST, que não pode deixar de referir que foi derrotada na
Assembleia Geral Eleitoral de 26/4; Improp da AEFCL, também de 29/4/72, que é
um verdadeiro case study, de uma
ideologia caceteira, altamente sectária, com uma fraseologia delirante; de um
“grupo de colaboradores da CPA de Medicina”, em que se incluíam os dois já
referidos espancadores de Jara, de 3/5/72, já expulsos, por isso da CPA de
Medicina; um “comunicado federativo” nº 5 assinado “As Associações de
Estudantes de Lisboa”, sem as especificar, porque casos houve em que as
direcções unitárias substituíram entretanto as esquerdistas, e com a data de 1 e Maio de
1972 (assim mesmo, por extenso…); um comunicado do MAEESL datado de Maio
de1972.
AA
Esquerdistas = a ...Direitistas!
ResponderEliminar