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quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Frieden, Freundshaft, Solidarität (Paz, Amizade, Solidariedade)

Com este lema decorreu, há 50 anos em Berlim, o X Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes. Participaram cerca de 25.600 jovens de países de todo o mundo. A delegação portuguesa era composta por 70 jovens, 16 dos quais viviam na emigração.

 

1.O ano de 1973 foi, em Portugal, particularmente importante porque era visível

que os fascistas estavam enfraquecidos, apesar de se sucederem as prisões e

outros golpes repressivos, as lutas dos trabalhadores sucediam-se com maior

impacto social, os movimentos de oposição conquistavam

grande abertura apesar da semilegalidade em que actuavam, e os estudantes

estiveram permanentemente em luta por reivindicações específicas, mas com

uma politização crescente.

Tudo apontava para queda do regime sem que, é claro, este objectivo

aparecesse expresso como tal.

O conhecimento difuso de uma movimentação entre os militares contra o

regime era encorajante, mesmo que se tivesse a noção que os” ultras” do

regime poderiam agir em sentido contrário.

A CDE manteve-se numa semi-legalidade desde as “eleições” de1969 e eu,

como seu activista de base, mantive actividades e relacionamentos que me

permitiram não viver apenas nas “ilhas de liberdade” que eram as associações de estudantes.

Foi nessa dinâmica da oposição democrática que surgiram as actividades preparatórias do III

 Congresso da Oposição Democrática que se realizara em abril, na dinâmica do qual a

Comissão Nacional Preparatória para o X Festival da Juventude e dos Estudantes desenvolveria, a partir

 da organização partidária, mas com uma grande abertura nas iniciativas.

 

2.Saí de comboio para Paris. No meu grupo iam também a Margarida Vicente e

a Teresa Gafeira, já minhas conhecidas da CDE de Lisboa, ambas estudantes

de Belas Artes, tendo a Teresa seguido, depois, uma carreira teatral. Foi uma

viagem em que nos passamos a conhecer melhor, falamos e cantámos.

Quanto à viagem, uma parte dos participantes saiu de combóio para Paris em

pequenos grupos, separados e em diferentes momentos. Vários não se

conheciam ou mal se conheciam, pelo que a viagem foi uma oportunidade para

se conhecerem melhor. Cantaram-se músicas da resistência.

Chegados a Paris, foram acolhidos por José Oliveira, a Helena Bruto da Costa e o

Manuel Aranda da Silva, que estavam em contacto com o Comité Preparatório

do Festival, e que recebiam os viajantes para com eles tratarem de questões

de natureza logística, antes de todos seguirem para Berlim

A minha movimentação era restrita em Berlim, por razões de segurança, que

passavam por isso e por não participar nos desfiles, mesmo de cara tapada,

como orientação para os 54 delegados que vinham do interior de Portugal.

 


Nunca fui impedido de circular por onde quisesse, incluindo no U-Bahn. Claro que os

inquiri sobre a questão do muro e as razões que me avançaram pareceram-me

então plausíveis. Vários troços do muro não tinham polícia e pareceram-me facilmente

transponíveis, mas o que dava boas fotos para tirar

efeito de algumas fugas era a proximidade do check-point Charlie, o mais

conhecido da fronteira entre as duas partes da cidade.

 

Quanto à nossa delegação, era composta por jovens trabalhadores e

estudantes, comunistas ou simpatizantes, com uma grande abertura de espírito

e capacidade de conviver, entre si, e com as delegações com quem

contactámos.

“Frieden, Freundschaft, Solidarität” e o hino da FMJD nunca mais nos

saíram do ouvido.

A combatividade e a unidade anti-imperialista eram ali tão naturais 

como o correr sereno das águas do Spree.

Ao fim do dia partilhava com outros camaradas, numa equipa

coordenadora, a distribuição dos membros da delegação por 

iniciativas para as quais tínhamos sido convidados.

 O momento mais emocionante foi um meeting de solidariedade num amplo salão em que participaram centenas de jovens

portugueses, da Guiné-Bissau eCabo Verde, de Angola e 

Moçambique.

Outros foram os encontros solidários com jovens chilenos (um mês 

antes do golpe fascista de Pinochet), com jovens vietnamitas.

 

Como a minha estada em Berlim coincidiu com o meu 26º 

aniversário, tive o

privilégio de, com outros festivaleiros, que faziam anos nesses dias, almoçar no

restaurante rotativo da bola da magnífica torre de TV!


 





3.No regresso a Portugal, voltamos a vir aos bochechos em pequenos grupos e

com a estrita indicação de não trazer quaisquer lembranças, no respeito de

condições de segurança, que tinham que ser observadas, mesmo que isso

fosse desagradável para todos. A mim calhou-me na viagem de comboio a

companhia do saudoso Murad-Ali Mamadussen, militante da UEC, da

Faculdade de Direito, que viria a ser ministro de Samora Machel e

que morreria com ele no atentado ao avião quando sobrevoava o território sul-africano.

Estávamos a chegar a Santa Apolónia e o Murad-Ali levantou a

camisa revelando por baixo uma t-shirt com a efígie do Amílcar Cabral. Eu ia-me passando e ele sorria...


4.Muita água passou desde então nas margens do Spree.

 Os países socialistas que tinham, começando pela URSS, a darem um contributo decisivo para

a derrota do nazi-fascismo, procederam à elevação das condições de vida

(acesso a bens alimentares, à saúde, à educação, cultura e desporto, à

segurança social) dos seus povos, ao exercício de vertentes da democracia

que o pensamento liberal nunca reconheceu nem praticou. Constituíram-se também como um

estímulo às conquistas sociais no resto do mundo, à coexistência pacífica

contra novas guerras, à cooperação em múltiplos sectores. E deram um apoio

muito importante à luta pela independência de países em todo o mundo.

 

O mundo que alguns anunciavam melhor depois dos acontecimentos na

europa de leste de início dos anos 90 do século passado, revelou-se bem pior:

novas guerras de agressão que mataram milhões de pessoas a que se

associou o nascimento de diferentes grupos terroristas, a perda de direitos dos

trabalhadores e o acentuar das desigualdades dentro de cada país, em cada

um dos continentes e globalmente, a um desenvolvimento enorme da

emigração de povos em zonas de conflito ou de grade fome endémica.

Os ideais de então não soçobraram com esse modelo de sociedade cujos precursores

lutaram muito para ser alternativa ao capitalismo.

Esse modelo, a partir de certa altura, não respeitou essas aspirações. E soçobrou,

dando nova força ao sistema capitalista, que viria novamente a borregar por

razões que lhe são intrínsecas.

Muitos dos jovens de então e de mais novas gerações têm um novo importante

desafio, novos ideais, novos paradigmas numa luta que continuará, mesmo numa situação

instável, com riscos de generalização das guerras actuais, com novos êxitos e ensinamentos para

a construção de novas sociedades.

 

Para aceder a alguns vídeos do Festival, copie e cole no browser do Youtube:

Mix – X Festival Mundial de la Juventud y los Estudiantes en la R.D.A 1973

(participa inti illimani) YouTube


(publicado inicialmente em abrilabril em 16/09. Com actualizações.)

 

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