Com este lema decorreu, há 50 anos em Berlim, o X Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes. Participaram cerca de 25.600 jovens de países de todo o mundo. A delegação portuguesa era composta por 70 jovens, 16 dos quais viviam na emigração.
1.O ano de 1973 foi, em Portugal, particularmente importante porque
era visível
que os fascistas estavam
enfraquecidos, apesar de se sucederem as prisões e
outros golpes repressivos, as lutas dos trabalhadores sucediam-se
com maior
impacto social, os movimentos de
oposição conquistavam
grande abertura apesar da
semilegalidade em que actuavam, e os
estudantes
estiveram permanentemente em luta por reivindicações específicas,
mas com
uma politização crescente.
Tudo apontava para queda do
regime sem que, é claro, este objectivo
aparecesse expresso como tal.
O conhecimento difuso de uma movimentação entre os militares contra
o
regime era encorajante, mesmo que se tivesse a noção que os” ultras”
do
regime poderiam agir em sentido
contrário.
A CDE manteve-se numa semi-legalidade desde as “eleições” de1969 e
eu,
como seu activista de base,
mantive actividades e relacionamentos
que me
permitiram não viver apenas nas
“ilhas de liberdade” que eram as
associações de estudantes.
Foi nessa dinâmica da oposição democrática que surgiram as actividades preparatórias do III
Congresso da Oposição Democrática que se realizara em abril, na dinâmica do
qual a
Comissão Nacional Preparatória para o X Festival da Juventude e dos Estudantes desenvolveria, a partir
da
organização partidária, mas com uma grande abertura nas iniciativas.
2.Saí de comboio para Paris. No meu grupo iam também a Margarida Vicente e
a Teresa Gafeira, já minhas
conhecidas da CDE de Lisboa, ambas estudantes
de Belas Artes, tendo a Teresa
seguido, depois, uma carreira teatral. Foi uma
viagem em que nos passamos a
conhecer melhor, falamos e cantámos.
Quanto à viagem, uma parte dos
participantes saiu de combóio para Paris em
pequenos grupos, separados e em
diferentes momentos. Vários não se
conheciam ou mal se conheciam,
pelo que a viagem foi uma oportunidade para
se conhecerem melhor. Cantaram-se
músicas da resistência.
Chegados a Paris, foram acolhidos
por José Oliveira, a Helena Bruto da Costa e o
Manuel Aranda da Silva, que
estavam em contacto com o Comité Preparatório
do Festival, e que recebiam os
viajantes para com eles tratarem de questões
de natureza logística, antes de
todos seguirem para Berlim
A minha movimentação era restrita
em Berlim, por razões de segurança, que
passavam por isso e por não
participar nos desfiles, mesmo de cara tapada,
como orientação para os 54 delegados que vinham do interior de
Portugal.
Nunca fui impedido de circular por onde quisesse, incluindo no U-Bahn.
Claro que os
inquiri sobre a questão do muro e as razões que me avançaram
pareceram-me
então plausíveis. Vários troços
do muro não tinham polícia e pareceram-me facilmente
transponíveis, mas o que dava
boas fotos para tirar
efeito de algumas fugas era a
proximidade do check-point Charlie, o mais
conhecido da fronteira entre as
duas partes da cidade.
Quanto à nossa delegação, era composta por jovens trabalhadores e
estudantes, comunistas ou
simpatizantes, com uma grande abertura de espírito
e capacidade de conviver, entre
si, e com as delegações com quem
contactámos.
“Frieden, Freundschaft, Solidarität” e o hino da FMJD nunca mais nos
saíram do ouvido.
A combatividade e a unidade anti-imperialista eram ali tão naturais
como o correr sereno das águas do Spree.
Ao fim do dia partilhava com outros camaradas, numa equipa
coordenadora, a distribuição dos membros da delegação por
iniciativas para as quais tínhamos sido convidados.
Moçambique.
Outros foram os encontros solidários com jovens chilenos (um mês
antes do golpe fascista de Pinochet), com jovens vietnamitas.
Como a minha estada em Berlim coincidiu com o meu 26º
aniversário, tive o
privilégio de, com outros
festivaleiros, que faziam anos nesses dias, almoçar no
restaurante rotativo da bola da magnífica torre de TV!
3.No regresso a Portugal, voltamos a vir aos bochechos em pequenos
grupos e
com a estrita indicação de não
trazer quaisquer lembranças, no respeito de
condições de segurança, que
tinham que ser observadas, mesmo que isso
fosse desagradável para todos. A
mim calhou-me na viagem de comboio a
companhia do saudoso Murad-Ali
Mamadussen, militante da UEC, da
Faculdade de Direito, que viria a
ser ministro de Samora Machel e
que morreria com ele no atentado
ao avião quando sobrevoava o território sul-africano.
Estávamos a chegar a Santa
Apolónia e o Murad-Ali levantou a
camisa revelando por baixo uma
t-shirt com a efígie do Amílcar Cabral. Eu ia-me passando e ele sorria...
4.Muita água passou desde então nas
margens do Spree.
a derrota do nazi-fascismo, procederam à elevação das condições de
vida
(acesso a bens alimentares, à
saúde, à educação, cultura e desporto, à
segurança social) dos seus povos,
ao exercício de vertentes da democracia
que o pensamento liberal nunca
reconheceu nem praticou. Constituíram-se também como um
estímulo às conquistas sociais no
resto do mundo, à coexistência pacífica
contra novas guerras, à
cooperação em múltiplos sectores. E deram um apoio
muito importante à luta pela
independência de países em todo o mundo.
O mundo que alguns anunciavam
melhor depois dos acontecimentos na
europa de leste de início dos
anos 90 do século passado, revelou-se bem pior:
novas guerras de agressão que
mataram milhões de pessoas a que se
associou o nascimento de
diferentes grupos terroristas, a perda de direitos dos
trabalhadores e o acentuar das
desigualdades dentro de cada país, em cada
um dos continentes e globalmente,
a um desenvolvimento enorme da
emigração de povos em zonas de
conflito ou de grade fome endémica.
Os ideais de então não soçobraram
com esse modelo de sociedade cujos precursores
lutaram muito para ser alternativa
ao capitalismo.
Esse modelo, a partir de certa altura,
não respeitou essas aspirações. E soçobrou,
dando nova força ao sistema
capitalista, que viria novamente a borregar por
razões que lhe são intrínsecas.
Muitos dos jovens de então e de mais
novas gerações têm um novo importante
desafio, novos ideais, novos
paradigmas numa luta que continuará, mesmo numa situação
instável, com riscos de
generalização das guerras actuais, com novos êxitos e ensinamentos para
a construção de novas sociedades.
Para aceder a alguns vídeos do
Festival, copie e cole no browser do Youtube:
Mix – X Festival Mundial de la
Juventud y los Estudiantes en la R.D.A 1973
(participa inti
illimani) YouTube
(publicado inicialmente em abrilabril em 16/09. Com actualizações.)
Sem comentários:
Enviar um comentário