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domingo, 18 de junho de 2023

Dois países, um terço da Humanidade, por Leonor Castro

A
China
é um país territorialmente bem enquadrado no coração da Eurásia. Tal como a Grande Muralha testemunha, a China tem fronteiras terrestres vulneráveis e um historial de grandes invasões, em particular a Norte e a Noroeste. 

No entanto, o país tem vindo a adoptar uma política de "pacifismo racional",
tirando partido da sua demografia e da sua economia para ocupar espaços vazios nas suas fronteiras Norte, Noroeste e Oeste. No âmbito do seu projecto de uma Nova Rota da Seda tem efectuado grandes obras de infraestruturas de transporte de pessoas e mercadorias na Ásia Central. Apesar do receio e algum eventual desconforto sentidos pela Federação Russa e pela Mongólia, esta política tem-lhe permitido "comprar" a paz nas fronteiras Norte e Noroeste. 

O carácter não messiânico da liderança chinesa, em comparação com a liderança americana também lhe permite uma simpatia adicional junto dos seus vizinhos e do Mundo em geral. 

A Coreia do Sul, bem como uma eventual Coreia unificada que venha a surgir terá interesse numa cooperação com a China, a bem da prossecução de interesses económicos comuns. De igual forma, a Sul, os países da Indochina, graças a uma crescente integração económica, procurarão uma boa relação com o país. O Vietname poderá ser uma excepção, tendo em conta a experiência traumática representada pela invasão chinesa no final dos anos 70 do século passado. No entanto o Vietname não pretende uma confrontação directa com a China, e a China também não, pois sabe por experiência própria que o Vietname é uma potência regional confiante com um grande poderio militar. O respeito mútuo será um grande dissuasor de problemas no futuro. Resta a Índia, de que falarei depois, e a questão de Taiwan.

Podemos afirmar sem grandes dúvidas que a China é uma potência confiante na segurança das suas fronteiras terrestres. Do ponto de vista marítimo, a China tem acesso livre ao Oceano Pacífico e potencialmente ao Oceano Índico. Relativamente a Taiwan, a política da China é a de confiar que o tempo, esse admirável escultor, resolva o problema por si: as duas economias estão muito interligadas e estarão previsivelmente muito mais no futuro, e os Estados Unidos têm plena consciência de que não poderão defender Taiwan em caso de um ataque que à partida a China não pretende realizar. Não são de excluir provocações em torno da questão de Taiwan, mas a China não parece ser um país muito "provocável", vide a questão da Ucrânia. 
No mar do Sul da China, vital para o acesso ao oceano Índico, a China tem manifestado algum nervosismo e pouca capacidade de negociação com os seus vizinhos. Do meu ponto de vista, este nervosismo será ultrapassado à medida que a China afirme o seu poderio marítimo global, aumentando a sua auto-confiança. 

A China goza ainda de boas relações com a generalidade dos países de África, da América Latina e da Europa, que é como quem diz com todo o Mundo à excepção dos Estados Unidos. 
Por todas estas razões, e embora deva certamente ainda enfrentar vários desafios a nível interno, a China é a potência global melhor posicionada para assumir a posição de potência dominante a nível mundial. Tem plena consciência da sua posição, no entanto não pretende agir de forma precipitada ou optar pela confrontação com os Estados Unidos ou com qualquer outra potência. Tentará sempre optar pela via negocial, e esperará pacientemente pelo seu momento, se tiver essa possibiidade.

A Índia é o outro campeão demográfico e económico da Ásia. O Mundo e talvez a própria tomaram mais rapidamente consciência desta realidade quando a economia da Índia ultrapassou formalmente a do país ex-colonizador, o Reino Unido. 
A Índia vive sob a sombra da presença ameaçadora do Paquistão e do Afeganistão a Noroeste. 

Esta ferida deixada pela colonização britânica define a posição da Índia na actualidade: a presença da Federação Russa a Norte é vista como um poder moderador, e mesmo a presença da China no Nordeste não é tão ameaçadora, pesem embora a questão do Tibete e algumas disputas fronteiriças. A Índia é assim tradicionalmente um aliado da Federação Russa, e também procurará manter relações amigáveis com a China. 
Com um considerável poderio militar terrestre, a Índia tem a capacidade de se tornar uma potência marítima significativa, dado o seu posicionamento bem no centro do Oceano Índico. 
Como o exemplo de Portugal amplamente provou, não é necessário um grande poder territorial para desenvolver um poderio marítimo significativo. A Índia tem no entanto ainda uma coesão territorial e um governo mais fracos do que a China, e é actualmente governada por uma facção nacionalista, extremista hindu e anti-muçulmana. Estes elementos desfavorecem a afirmação da Índia como potência global, para já.

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