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segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Os planos do gás de Israel e o genocídio em Gaza António Abreu

Publicado hoje em abrilabril


Netanyahu aponta para um mapa do «Novo Médio Oriente», na Assembleia Geral das Nações Unidas
Netanyahu aponta para um mapa do «Novo Médio Oriente», na Assembleia Geral das Nações Unidas CréditosRichard Drew / Misión Verdad

Dois dias depois dos homicídios do Hamas contra israelitas, próximos das fronteiras com Gaza, o governo de Israel mandou a Chevron parar a produção de gás natural na plataforma de Tamar, mas continuando com a plataforma de Leviatã a operar.

Nesta mesma data, os índices S&P 500 e Nasdaq desceram e assim continuaram com o desenrolar do conflito entre Israel e o Hamas, com os mercados globais a refletir a opção de investidores por ativos seguros. Entretanto os preços do petróleo subiam mais de 3%...

É de referir que os setores da indústria de alta tecnologia têm sido, nas últimas décadas, os de mais rápido crescimento em Israel e crucial para o desenvolvimento económico do país, sendo responsáveis por 14% dos empregos e quase 20% do Produto Interno Bruto.

Há dias, um artigo no venezuelano Misión Verdad interpretou os projetos de gás de Israel para o Médio Oriente, Israel e Europa. A plataforma Leviatã, revelada e projetada entre 2010 e 2015, está associada ao curso sanguinário que se abateu posteriormente sobre Gaza e os seus habitantes, que está longe de estar concluído, remetendo-nos novamente para como Gaza irá entrar neste projeto.

«Esse campo de gás [de Leviatã] está num meridiano que inclui a Faixa de Gaza a norte, sendo natural por isso que Israel tenha já dado grande importância à conquista do porto de Gaza, para além do porto de Haifa.»

Netanyahu, depois de ter sido descoberto em 2010 o novo campo de gás Leviatã – grande campo de gás natural no Mar Mediterrâneo, na costa de Israel e Gaza, 47 quilómetros a sudoeste do campo de gás Tamar –, rapidamente lhe atribui uma grande conotação estratégica dois anos depois, assinando, em 2015, um acordo para o início da produção com o conglomerado petroleiro Delek Group e com a empresa norte-americana Noble Energy – agora adquirida pela Chevron.

Esse campo de gás está num meridiano que inclui a Faixa de Gaza a norte, sendo natural por isso que Israel tenha já dado grande importância à conquista do porto de Gaza, para além do porto de Haifa. Este novo campo contém uma média aproximada de 1,7 mil milhões de barris de petróleo passíveis de extração e uma média de 122 de milhões de pés cúbicos de gás recuperáveis. Além disso, calcula-se que esta bacia tem reservas de gás provadas e prováveis de 16,27 biliões (designação que corresponde, na escala curta usada em Portugal, a mil milhões) de pés cúbicos, e reservas de condensado de 35,8 milhões de barris.

No final de 2019 iniciou-se a produção.

Só em 2021, os países da UE (União Europeia) importavam 155 bilhões de metros cúbicos (bcm) de gás russo, o que representou cerca de 45% das importações totais de gás. São números que revelam o impacto da política de sanções do Ocidente contra a Rússia. Por isso, a busca de fontes alternativas marcou as agendas comerciais dos países dependentes desta matéria-prima fundamental.

Nesta equação geopolítica, a região da Ásia Ocidental, por ser uma área que em sua totalidade conta com os mais vastos reservatórios de petróleo do mundo, é importante foco de fornecimento opcional para abastecer o dependente mercado europeu.

«Netanyahu destacou as potencialidades do corredor económico Índia-Médio Oriente-Europa (IMEC, na sigla em inglês), armando-se ainda de uma pequena folha A1 com um mapa do Médio Oriente onde estava garatujada a suposta ligação da plataforma Leviatã a Itália, que serviria de centro de difusão do gás para os países da UE»

Quando no ano passado, em 14 de junho, de formas diferentes, a Alemanha e a Hungria reagiam às pressões para os países europeus boicotarem o gás russo, Ursula van der Leyen revelou a intenção de um projeto assinado entre a UE, Israel e o Egito. Já antes disso, meios de comunicação locais, revelavam que Israel e a UE negociavam há mais de um mês a exportação de gás através do Egito. Devido à falta de gasodutos que ligassem Israel com a UE, a opção passaria por canalizar o gás israelita até ao Egito, para aqui o liquefazer e ser exportado de barco para a Europa.

Um ano e tal depois, a Assembleia Geral das Nações Unidas, em 5 de setembro deste ano, em Nova Iorque, Netanyahu destacou, novamente mas com alterações, as potencialidades do corredor económico Índia-Médio Oriente-Europa (IMEC, na sigla em inglês), armando-se ainda de uma pequena folha A1 com um mapa do Médio Oriente onde estava garatujada a suposta ligação da plataforma Leviatã a Itália, que serviria de centro de difusão do gás para os países da UE, ambição manifestada em fevereiro pela primeira-ministra deste país, depois de ter ido dar o seu apoio entusiasta à Ucrânia em guerra num encontro em Kiev com Zelensky.

Na Conferência do G20, dias depois, em 9 de setembro, em Nova Delhi, o presidente Biden, o primeiro-ministro Modi e líderes europeus e árabes anunciaram planos para o corredor imaginário que se estenderá ao longo da Península Arábica e Israel. E que ligará a Índia à Europa mediante conexões marítimas, ferroviárias, gasodutos energéticos e cabos de fibra ótica.

À Rússia, o Ocidente impôs um diktat que pudesse pôr fim «à dependência da Europa do gás russo», particularmente na Europa. A reorganização do sector energético, devido ao tremendo efeito sobre esse sector que tiveram as sanções contra a Rússia, tem tido consequências muito graves para as economias e as populações em geral.

O corredor IMEC apresenta-se como multimodal, ao ligar a costa ocidental da Índia com os Emirados Árabes Unidos por mar, e contaria também com uma rota ferroviária que cruzaria a península Arábica até ao porto de Haifa onde o gás seria transportadas por mar para a Europa. Que papel destinariam do porto de Gaza, «conquistado» recentemente ao território soberano palestiniano de Gaza?

O corredor IMEC apresenta, pois, uma vantagem comparativa para os Estados Unidos e seus aliados, em relação tanto ao projeto chinês do Cinturão e Rota como ao Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul proposto pela Rússia para conectar os mercados europeus à Índia pelo Irão.

«Com tantos interesses em jogo, e o mercado global em plena reconfiguração, vão-se deixando adivinhar sinais de que este choque geopolítico se estenderá»

Com a degradação da imagem de Israel neste período, mesmo com o projeto em banho-maria, ele pode ser incluído como peça de um quadro mais vasto de uma guerra regional, provocada a partir de Israel.

Porém, compreende-se que, em termos financeiros, as grandes empresas e os governos envolvidos no IMEC não vejam prioridade em investir para já num projeto como este por um conjunto de aspetos.

– As ligações do longo sistema ferroviário da península saudita correspondem a mais de mil quilómetros entre o porto de Fujairah, nos Emirados Árabes Unidos, o mais próximo da Índia, e o de Haifa, incluindo centenas de quilómetros entre outros portos dos EAU;

– a China tem um contrato importante para o desenvolvimento de estradas de ferro na Arábia Saudita e uma concessão de 35 anos destinada a desenvolver e operar um terminal de contentores no porto de Khalifa. Não há lugar para o IMEC ser envolvido neste projeto;

– os tempos de envio de mercadorias por meio do IMEC seriam de quase um mês, mas o mesmo objetivo pelo canal de Suez levaria apenas algumas semanas;

– os detalhes técnicos do IMEC são escassos e os funcionários envolvidos no projeto admitem que ainda não está definida a contribuição do financiamento.

 

Mas, na nossa opinião, há quem subestime o impacto deste projeto e não esteja a dar a devida atenção ao campo de gás Leviatã e ao corredor IMEC. Estas são duas variáveis destacadas no marco da arremetida sionista contra a população palestina. O genocídio busca conquistar definitivamente a Faixa de Gaza para controlar a costa palestina e assim poder gerir os recursos e, por conseguinte, os canais comerciais.

Entretanto, Israel irá participando em sucessivas lavagens de imagem.

Com tantos interesses em jogo, e o mercado global em plena reconfiguração, vão-se deixando adivinhar sinais de que este choque geopolítico se estenderá, para estabelecer uma nova agenda comercial de domínio de Israel não só sobre os recursos energéticos nesta importante zona do mundo, como também sobre outros aspetos, como alguns referidos por José Goulão em três artigos, aqui publicados nos últimos dias.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Do pintor Ismail Shammut


 

Pode esmagar-se um povo até à última criança, à última mulher e ao último homem?

O genocídio praticado por Israel em Gaza suscita muitas questões: 

Uma primeira é saber se a terraplanagem que os buldozers vão fazer sobre a faixa norte do território será concluída, esmagando tudo o que de vida possa ter sobrevivido aos bombardeamentos fanáticos de Netanyahu? 

E, depois, se irão instalar kibutzes sobre a nova terra ensanguentada a que chamarão sua?

Em segundo lugar, o governo de Israel pensa que assim acaba om  o Hamas, com a resistência palestiniana? 

Ainda não perceberam que os crimes praticados por Israel antes deste outubro levou ao aparecimento de sucessivos novos combatentes? E que isso reflectia a sensação de segurança que tinham com o Hamas no governo, na administração  que o povo de Gaza?

Uma terceira questão refere-se à impunidade de que Israel foi investido pelo Ocidente. Verbalmente os seus  dirigentes criticam, escandalizam-se com os "excessos". Na prática ajudam Israel. Mas porquê?

Porque não querem ferir um governo que insiste em ser o factor usado pelo Ocidente nos esforços de divisão do mundo árabe?

Por causa da bomba atómica que possui graças a ele?




A luta vai continuar

 A mediação da vida política inunda os nossos ouvidos com o caos, com a corrupção omnipresente, com os influencers, com os envelopes, com as crises, com os almoços grátis, com os padrões éticos deste e daquele como se a generalidade das empresas e outras instituições e pessoas tivessem os meios para se andarem a corromper uns aos outros…

Mas estas “crises” não podem adiar o debate e a procura de soluções em questões centrais como as da escola pública, do SNS, dos salários e pensões, da habitação,

dos privilégios concedidos à banca e às grandes empresas, da revitalização das pequenas e médias empresas que são a malha principal da economia nacional, da agricultura submetida desde muitos anos às políticas da PAC, da subalternização da cultura, da questão demográfica e do corte interior/litoral, e da subserviência em relação à NATO e a EU, com expressões particularmente graves na situação internacional nos dias de hoje.
O governo está em funções nos próximos meses, com capacidade de governar. Por isso a luta pelas soluções dessas “crises” podem continuar a ser travadas.