O Parlamento Europeu acaba de adoptar uma resolução para que a União cesse de considerar a Rússia como um parceiro estratégico, mas mais como uma inimiga da Humanidade. Ao mesmo tempo, a Comissão adverte contra a ameaça chinesa. Tudo se passa como se os Estados Unidos manobrassem a União para fazê-la entrar na sua estratégia supremacista.
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sexta-feira, 29 de março de 2019
Há 16 anos, a NATO completou a destruiçao da Jugoslávia
Quando se assinalam 70 anos sobre a formação da OTAN e 16 anos sobre a destruição por esta da Jugoslávia, que se tinha libertado pelas suas próprias forças dos invasores nazis e construído uma forma particular de democracia socialista em que as diferentes nacionalidades e etnias conviviam e partilhavam todas responsabilidades nas funções de direção do Estado, importa relembrar o que foi esta primeira guerra da OTAN contra um país europeu.
Há 16 anos, a OTAN, que hipocritamente se continua a considerar "organização de defesa coletiva", lançou uma guerra ilegal contra a Iugoslávia (Sérvia e Montenegro), sem base em qualquer resolução da ONU..
A agência noticiosa sérvia, Tanjug, apresentou agora os números que mostram a destruição maciça do país e a perda de vidas.
Anti-aérea de Belgrado contra mísseis da NATO |
A Iugoslávia, supostamente responsável pela "catástrofe humanitária" no Kosovo e Metohija, foi atacada depois das chamadas negociações de Rambouillet sobre o futuro estatuto do Kosovo terem falhado. O acordo de Rambouillet previa o destacamento de forças da OTAN para o território da Jugoslávia. A parte iugoslava não queria forças da OTAN no seu território e sugeriu que as tropas da ONU fossem mobilizadas para supervisionar a implementação do acordo de Rambouillet, o que também foi confirmado pelo parlamento iugoslavo.
Insatisfeita, a OTAN desencadeou uma massiva investida militar contra o pequeno país e seu povo, o que levou à destruição massiva e à perda de vidas.
O general Wesley Clark, que liderou a campanha, admitiu no seu livro Modern Warfare que o planeamento e os preparativos para a guerra já estavam em andamento no verão de 1998 e finalizados em agosto de 1998. O que realmente implicou que Rambouillet nunca iria ter qualquer sucesso.
Hoje a "Tanjug" listou alguns números que foram divulgados pelo governo sérvio, que mostram os resultados devastadores e a destruição do país pelo ataque conduzido pela OTAN:
• Mais de 2.500 pessoas mortas, das quais mais de 1.500 civis e 12.500 pessoas feridas
• Um terço da capacidade de eletricidade e energia do país destruída
• Custo total de destruição acima de 100 mil milhões de dólares
• Não existe uma cidade na Sérvia que não tenha sido alvo da NATO.
A extensão dos danos estruturais foram:
• 25.000 casas e apartamentos
• 470 km de estradas
• 595 km de ferrovia
• 14 aeroportos
• 39 hospitais e centros médicos
• 69 escolas,19 jardins de infâcoia e 176 objetos culturais
• 82 pontes
O ataque massivo da OTAN ao pequeno país envolveu:
• 1.150 aviões com 2.300 ataques por aviões
• 1.300 mísseis de cruzeiro
• Lançamento de 37.000 bombas de fragmentação [proibidas]
• Cerca de 22.000 toneladas de bombas e outras munições incluido com urânio empobrecido
Após os esforços diplomáticos, o bombardeio e a agressão cessaram com a assinatura do Acordo Técnico Militar de Kumanovo [Macedónia] em 9 de junho, que previa a retirada do Exército iugoslavo do Kosovo em três dias.
Naquele dia em que o Conselho de Segurança da ONU aprovou a resolução 1244, cerca de 37.000 soldados da KFOR , a força de manutenção da paz do Kosovo comandada pela OTAN, foram enviados para o Kosovo, com mandato para garantir a paz e a estabilidade e permitir o regresso dos refugiados, até que um amplo estatuto de autonomia fosse negociado para o Kosovo.
Com o apoio dos EUA, da OTAN e da maioria dos Estados da UE, o Kosovo declarou a sua independência em 2008 ...! E foram os mesmos países que em tom empolgado se opõem à autodeterminação da Criméia ou outras partes da Ucrânia ...!Essa analogia do Kosovo com a Crimeia tem sido freqüentemente usada para explicar a hipocrisia dos EUA ao não aceitarem a votação na Criméia,
A independência do Kosovo foi totalmente orquestrado pelo Ocidente para os seus propósitos, armando e usando o KLA (grupo terrorista ligado ao narcotráfico, de que saíram os primeiros dirigentes deste país que se viria a revelar um estado falhado
sábado, 23 de março de 2019
Bom fim de semana, por Jorge
"O dinheiro não traz felicidade
- para quem não sabe o que fazer com ele."
Machado de Assis (escritor brasileiro, 1839-1908)
O “partido americano” nas instituições da União Europeia, por Manlio Dinucci
REDE VOLTAIRE | ROMA (ITÁLIA)
- Antiga Ministra dos Negócios Estrangeiros da Letónia e antiga Comissária Europeia da Agricultura, Sandra Kalniete trabalha desde a independência de seu país contra a União Soviética. É uma das autoras da Declaração de Praga (2008), condenando os crimes do comunismo. Compara o nazismo ao comunismo através do Grupo de Reconciliação das Histórias Europeias. E hoje prossegue o seu trabalho contra a Rússia.
“A Rússia já não pode ser considerada um parceiro estratégico e a União Europeia deve estar pronta para impor-lhe novas sanções se ela continuar a violar o Direito Internacional”: esta é a resolução aprovada pelo Parlamento Europeu, em 12 de Março, com 402 votos a favor, 163 contra e 89 abstenções [1].
A resolução, apresentada pela deputada letã, Sandra Kalniete, nega principalmente a legitimidade das eleições presidenciais na Rússia, defenindo-as como “não democráticas”, apresentando assim o Presidente Putin como um usurpador.
Acusa a Rússia não só de “violar a integridade territorial da Ucrânia e da Geórgia”, mas de “intervir na Síria e interferir em países como a Líbia” e, na Europa, de “interferir com o objectivo de influenciar as eleições e aumentar as tensões”.
Acusa a Rússia de "violar acordos de controlo de armas", atribuindo-lhe a responsabilidade de ter prejudicado o Tratado INF.
Acusa-a, também, de “extensas violações dos Direitos Humanos dentro dela, incluindo tortura e execuções extrajudiciais”, e de “assassinos cometidos pelos seus agentes, com armas químicas, em solo europeu”.
No final destas e de outras acusações, o Parlamento Europeu declara que o Nord Stream 2, o gasoducto destinado a duplicar o fornecimento de gás russo à Alemanha, através do Mar Báltico, “deve ser interrompido porque aumenta a dependência da UE do fornecimento de gás russo, ameaçando o seu mercado interno e os seus interesses estratégicos”.
A resolução do Parlamento Europeu repete fielmente, não apenas no conteúdo, mas usando as mesmas palavras, as acusações que USA e NATO fazem à Rússia. E, o mais importante, repete fielmente o pedido para bloquear o Nord Stream 2: objectivo da estratégia de Washington visando reduzir o fornecimento de energia da Rússia à União Europeia e substituí-la com o proveniente dos Estados Unidos ou mesmo, de empresas americanas.
No mesmo âmbito, enquadra-se a comunicação da Comissão Europeia aos países membros [2], entre os quais, a Itália, com a intenção de aderir à iniciativa chinesa da Nova Rota da Seda:
A Comissão adverte que a China é um parceiro, mas também um concorrente económico e, mais importante, “um rival metódico que promove modelos alternativos de governação”, por outras palavras, modelos alternativos à governação dominada até agora pelas potências ocidentais.
A Comissão adverte que é necessário antes de tudo “salvaguardar as infraestruturas digitais críticas, de ameaças potencialmente perigosas para a segurança”, derivadas das redes 5G fornecidas por empresas chinesas como a Huawei, banida nos Estados Unidos.
A Comissão Europeia repete fielmente o aviso dos Estados Unidos aos Aliados.
O Comandante Supremo Aliado na Europa, o General americano, Scaparrotti, alertou que as redes móveis ultra rápidas da quinta geração desempenharão um papel cada vez mais importante nas capacidades bélicas da NATO, de modo que não se admitem “ligeirezas” da parte dos aliados. Tudo isto confirma qual é a influência que o “partido americano” exerce, um poderoso alinhamento transversal que orienta as políticas da União em simultâneo, com as linhas estratégicas USA/NATO.
Ao construir a imagem falsa de uma Rússia e China ameaçadoras, as instituições da UE preparam a opinião pública para aceitar o que os EUA estão a preparar para “defender” a Europa:
Os Estados Unidos - declarou à CNN um porta-voz do Pentágono - estão a preparar-se para testar mísseis balísticos com base em terra (proibidos pelo tratado INF destruído por Washington), isto é, novos mísseis europeus que farão novamente da Europa, a base e ao mesmo tempo, o alvo de uma guerra nuclear.
[1] « Résolution du Parlement européen du 12 mars 2019 sur l’état des relations politiques entre l’Union européenne et la Russie », Réseau Voltaire, 12 mars 2019.
[2] “EU-China – A strategic outlook”, Voltaire Network, 12 March 2019.
Manlio Dinucci
Geógrafo e geopolítico. Últimas publicações : Laboratorio di geografia, Zanichelli 2014 ; Diario di viaggio, Zanichelli 2017 ; L’arte della guerra / Annali della strategia Usa/Nato 1990-2016, Zambon 2016;Guerra nucleare. Il giorno prima. Da Hiroshima a oggi: chi e come ci porta alla catastrofe, Zambon 2017; Diario di guerra. Escalation verso la catastrofe (2016 - 2018), Asterios Editores 2018.
Este artigo encontra-se sob licença creative commons
Poderá reproduzir livremente os artigos da Rede Voltaire desde que cite a fonte, não modifique o conteúdo e não os utilize para fins comerciais (licença CC BY-NC-ND).
Fonte : “O “partido americano” nas instituições da União Europeia”, Manlio Dinucci, Tradução Maria Luísa de Vasconcellos, Il Manifesto (Itália) , Rede Voltaire, 19 de Março de 2019, www.voltairenet.org/article205711.html
sexta-feira, 15 de março de 2019
Bom fim de semana, por jorge
global warming becomes irreversible."
"Estamos perto do ponto de viragem em que
o aquecimento global se torna irreversível."
Stephen Hawking
físico e cosmologista inglês, 1942-2018
"Não há maior erro que o
de não fazer nada
porque só se pode fazer pouco."
porque só se pode fazer pouco."
Edmund Burke
político e filósofo irlandês, 1729-1797)
Para onde vai a Argélia?, por António Abreu
As causas das manifestações
A Argélia sofreu duas guerras mortíferas em 65 anos de existência. Terão
morrido cerca de um milhão e setecentas mil pessoas. Os argelinos não quererão que a situação do país fique descontrolada
para benefício de atores que ainda não subiram ao palco. Agora isso exige negociações
entre as partes envolvidas.
A Argélia escapou às “primaveras árabes”,
mas teve de defrontar uma guerra contra grupos radicais islâmicos (1991-2004).
Em 1989 foi aceito o multipartidarismo, de que resultou numa reforma
constitucional que acabou com o regime de partido único. Criou-se a FIS (Frente
de Libertação Islâmica), principal organização oposicionista da Frente de
Libertação Nacional, e que ganhou as eleições desse ano, com Bendjedid, mas, por
incompatibilidades verificadas pelos tribunais do programa e ações da FIS em
relação à constituição argelina. No entanto, em 1992 ocorreu um golpe militar que forçou Bendjedid a renunciar o cargo.
Seguiu-se uma recuperação notável
até 2017 seguida do efeito da queda do preço do petróleo
Estas primeiras manifestações,
iniciadas em 22 de fevereiro foram motivadas pelo anúncio da intenção do
Presidente, visivelmente diminuído, se candidatar a um 5º mandato nas
presidenciais previstas para 18 de abril.
Um dirigente das FLN afirmou no
início destas manifestações tiveram origem no exterior no quadro das guerras de
5ª geração e do papel das redes sociais, que elas e os telemóveis pemitiram.
Face a isto, Bouteflika acabou
por anunciar não se recandidatar, mas adiando as presidenciais até estar
concluída a Conferência da Unidade Nacional.
Porém as manifestações seguintes recusaram
o adiamento da eleição e reclamaram a imediata demissão do Presidente e já vão
no quarto sábado consecutivo.
Depois de vencida a guerra
provocada por diferentes correntes islamitas, que entre 1991 e 2014 provocou
mais de 200 mil mortos, o país conseguiu uma notável recuperação, comprometida
pela queda do preço do petróleo, o que levou à redução de alguns índices
económicos, como o saldo da balança comercial (que há muito era positivo e
passou a negativo em 2017) e à redução dos ritmos de crescimento económico. O
Le Monde, em editorial nos primeiros dias destes acontecimentos, afirmou que a
candidatura de Bouteflika foi a centelha que acendeu um rastilho de anos e anos
de má governação. Alguma oposição de esquerda refere que salários baixos e
deficientes condições de vida coexistem com grandes privilégios do Estado para
com a camada dirigente do país. A maioria dos manifestantes são jovens
estudantes.
Até ao dia de hoje a cobertura
mediática dos incidentes, quer entre nós, quer noutros países, tende a
considerar com simpatia estas ações, não recolhendo opiniões do governo.
Da imprensa consultada só o Avante!
citando a agência Sputnik, transmitiu a opinião de um dirigente da Frente de
Libertação Nacional (FLN), o partido que dirigiu a luta independentista e que,
com outras forças políticas, integra a aliança presidencial, Walid ben Qarun.
Ele explicou que as manifestações provam que a Argélia é um país democrático,
onde os cidadãos são livres de expressar as suas posições políticas. Considera,
no entanto, que estes protestos não são promovidos por nenhuma força política
argelina, tratando-se antes de ataques manipulados do exterior. «É uma guerra
de quinta geração. Forças estrangeiras atacam o país com a ajuda dos meios de
comunicação e das redes sociais»1.
Entretanto o governo com novo promeiro-ministro fez apelo à criação de uma comissão inclusiva, que represente todos os grupos da sociedade, incluindo a juventude que protesta, que leve à criação de uma "nova república democrática plural e florescente". Uma centena de associações juvenis. Uma centena de associações juvenis reuniu para ter uma intervenção organizada do processo, mas de forma autónoma à do governo.
Não sendo todas as democracias iguais em todas as partes do mundo ao mesmo tempo, nem defendendo eu isso, entendo, no entanto, que na Argélia a democracia está, em primeiro lugar questionada pela corrupção, pela concentração de riqueza e outros privilégios numa camada bem definida da população, com ausência de melhor distribuição de rendimentos às camadas mais carentes da sociedade, de ausência de direitos sociais. A Argégia, apesar de tudo, foi dos países em que este processo foi mais tardio e em que personalidades como Bouteflika, que não tiveram papel relevante na guerra da libertação, depois de Boumedienne se encarregaram de ir removendo as forças armadas do poder para nele se manterem com o apoio nos grupos dos grandes negócios nacionais ou com ligaçoes ao estrangeiro.
Pode consultar noticiário actualizado, por exemplo,
agence press service
www.aps.dz
jornal mais oficioso
www.elmoudjahid.com
jornal que confronta as soluções propostas pelo novo primeiro-ministro
www.alwatan.com
Entretanto o governo com novo promeiro-ministro fez apelo à criação de uma comissão inclusiva, que represente todos os grupos da sociedade, incluindo a juventude que protesta, que leve à criação de uma "nova república democrática plural e florescente". Uma centena de associações juvenis. Uma centena de associações juvenis reuniu para ter uma intervenção organizada do processo, mas de forma autónoma à do governo.
Não sendo todas as democracias iguais em todas as partes do mundo ao mesmo tempo, nem defendendo eu isso, entendo, no entanto, que na Argélia a democracia está, em primeiro lugar questionada pela corrupção, pela concentração de riqueza e outros privilégios numa camada bem definida da população, com ausência de melhor distribuição de rendimentos às camadas mais carentes da sociedade, de ausência de direitos sociais. A Argégia, apesar de tudo, foi dos países em que este processo foi mais tardio e em que personalidades como Bouteflika, que não tiveram papel relevante na guerra da libertação, depois de Boumedienne se encarregaram de ir removendo as forças armadas do poder para nele se manterem com o apoio nos grupos dos grandes negócios nacionais ou com ligaçoes ao estrangeiro.
Pode consultar noticiário actualizado, por exemplo,
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jornal que confronta as soluções propostas pelo novo primeiro-ministro
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A posição da União
Africana
O presidente da Comissão, M. Faki
Mahamat fez um apelo a um diálogo nacional para obter um consenso que permita
por em prática essas reformas em paz.
O presidente da Comissão
expressou a total solidariedade da União Africana com a Argélia nesta fase
particular da sua história. E está convencido que o povo argelino encontrará os
recursos necessários para ultrapassar os desafios do momento e lançar as bases
de uma desejada renovação nacional. Também transmitiu a satisfação pelas
manifestações estarem a decorrer de forma pacífica, revelando um alto espírito
de responsabilidade.
A Argélia e a França
Desde o surgimento na Argélia de
uma mobilização contra um quinto mandato de Abdelaziz Bouteflika, a França,
antiga potência colonial, interveio com muito cuidado. Mas se ela garante não
interferir na situação, esta não lhe é obviamente indiferente. E a pressão e
ingerência são evidentes na evolução das intenções de Bouteflika nestas duas
semanas.
A França e a Argélia têm laços de
interdependência. Devido à sua história comum e apesar da conflitualidade com a
Argélia quando, nos anos 50, esta lutava pela independência, a França
dificilmente pode ignorar a situação neste país. A presença no seu território
de um grande número de argelinos de nacionalidade ou origem é um sinal muito concreto
dos laços que unem os dois países. Além dos aspetos humanos e históricos, os
dois países também estão economicamente vinculados. A Argélia é o principal
parceiro económico da França na região do Oriente Médio e Norte da África
(MENA). O comércio entre os dois países atinge o valor de cinco mil milhões de
dólares e mais de 500 empresas francesas estão sediadas na Argélia.
Além disso, embora Paris e Argel
tenham expressado repetidamente as suas diferenças em relação à resolução de
conflitos internacionais como os da Síria ou da Líbia, a sua cooperação em
termos de segurança continua a ser indispensável por motivos comuns. A
estabilidade da Argélia, interface geográfico entre o Mediterrânico e uma faixa
saheliana – sempre muito instável – a sul desta, constitui motivo de
preocupação elevado para a França e outros países da União Europeia.
No dia 4 de Março, o Quai d’Orsay
dava prova de que Paris se manteria neutra face aos acontecimentos, apesar de
contactos diplomáticos de conteúdo não revelado.
A perspectiva de crescer o ritmo
da imigração para a França «é um assunto real», segundo afirmou à France Press
um ministro, cuja identidade não foi revelada, acrescentando pensar «este é o
maior “objetivo” político dos próximos dias e semanas, num cenário de eleições
europeias. Mobiliza o Presidente da República e o Primeiro Ministro». Segundo
este ministro francês, as repercussões possíveis desta crise são numerosas:
«instabilidade, questões de segurança, imigração, questões económicas,
sentimentos e comportamentos de nossos compatriotas franco-argelinos». Essa
atenção à Argélia também está a envolver os políticos franceses. «A
desestabilização do regime argelino levaria a uma inundação migratória sem
precedentes na Europa, por isso é do interesse da França», alertou em 4 de março,
na France 2, Jordana Bardella, líder do Rassemblement Nacional (RN) para as
próximas eleições europeias. Por seu lado, o deputado socialista Luc Carvounas,
vice-presidente do grupo parlamentar de amizade França-Argélia, disse no mesmo
dia, na Radio Sud, estar «muito preocupado» e «muito atento e vigilante» à
situação argelina. No dia seguinte, Marine le Pen defendeu que cessassem os
vistos para imigrantes argelinos. Só em 2018 chegaram a França cerca de 300 mil
argelinos com vistos
Neste contexto, Paris é forçada a
pesar cada palavra. Uma crítica às autoridades argelinas seria interpretada
como uma interferência, um silêncio seria interpretado pelos opositores de
Abdelaziz Bouteflika como um apoio implícito das autoridades francesas a este
último. Também no cenário político francês, a política do Quai d'Orsay em
relação à situação argelina é minuciosamente examinada. Em outras palavras: um
posicionamento agudo da França poderia causar uma profunda turbulência na
Argélia, mas também na França, havendo nos meios diplomáticos quem expressasse
preocupações. «Registamos a candidatura do presidente Bouteflika. Desejamos que
a eleição presidencial decorra em boas condições. É ao povo argelino que cabe
escolher os seus dirigentes e decidir do seu futuro».
Pela primeira vez Macron
pronunciou-se no dia 13, sobre a questão após o anúncio da renúncia de
Abdelaziz Bouteflika a candidatar-se a um quinto mandato como chefe de Estado
argelino. «Congratulo-me com a decisão do Presidente Bouteflika, que assinou
uma nova página no desenvolvimento da democracia argelina», disse Emmanuel
Macron numa conferência de imprensa com o seu homólogo do Djibouti, Ismaïl Omar
Guelleh. Mas acrescentou também: «saúdo a dignidade com que as pessoas,
especialmente os jovens da Argélia, foram capazes de expressar as suas
esperanças, o seu desejo de mudar, e o profissionalismo das forças de
segurança».
O chefe de Estado francês não
ficou por aí, expressando também o desejo de que a «conferência nacional», com
o objetivo de redigir um projeto de Constituição até ao final de 2019, possa
ser organizada «nas próximas semanas e meses para permitir uma "transição razoável». «Acho que é um
sinal de maturidade [e] faremos de tudo para acompanhar a Argélia nessa
transição de amizade e respeito».
Os mandatos de
Bouteflika
Em 1999, Bouteflika concorreu como candidato único às eleições presidenciais da Argélia, sendo eleito com 74% dos votos, segundo números oficiais. Os outros seis candidatos de oposição denunciaram um esquema de fraude em favor de Bouteflika, candidato apoiado pelos militares, e desistiram de suas candidaturas. Como presidente, Bouteflika conduziu o processo de pacificação da Argélia para colocar fim ao longo conflito civil iniciado em 1992, concedendo ampla amnistia a grupos militantes islâmicos que atuavam dentro do país. Também se concentrou na reconstrução e na recuperação e reforço da sua reputação internacional, por exemplo, mediando um acordo de paz entre Eritreia e Etiópia.
A 14 de Janeiro de 2003 foi
agraciado com o Grande-Colar da Ordem do Infante D. Henrique de Portugal, numa
altura em que a Argélia já se tornara no fornecedor do gás natural em Portugal.
Em 8 de Abril de 2004, foi
reeleito para um segundo mandato presidencial com 83,49% dos votos, numa
eleição dentro da legalidade, segundo observadores internacionais, apesar da
contestação de seu rival e antigo primeiro-ministro Ali Benflis. Em 2005
organizou um referendo à «Carta presidencial para a Paz e a Reconciliação
Nacional», numa tentativa de colocar um ponto final à guerra civil de 1992. Um
dos aspetos mais relevantes desta iniciativa foram as concessões que o FIS
aceitou fazer em nome da resolução do conflito. O partido comprometeu-se a
rejeitar a violência como forma de conquistar o poder e a cessar os ataques
contra civis e estrangeiros, bem como a destruição da propriedade privada. Tal
interpretação não excluía, segundo o FIS, a utilização de violência na sua
forma legítima de rebelião contra um Estado considerado ilegítimo e
exclusivamente com o propósito de assegurar o retorno à legalidade.
Mas o terrorismo manteve-se
ativo. Já depois de iniciada a série de manifestações contra Bouteflika, o
Estado Islâmico reivindicou o atentado falhado de um suicida armadilhado contra
uma esquadra de Argel.
Apesar da aprovação em massa no
referendo e dos esforços para restaurar a paz e reduzir a atividade e a
violência de grupos rebeldes do país, alguns dos quais se articulavam já com a
rede da Al-Qaeda e formaram o grupo Al-Qaeda no Magrebe Islâmico, responsável
por uma série de atentados suicidas durante o seu segundo mandato.
Mas deu continuidade a uma
atitude do antecessor , de manter afastados os
militares do poder e protegeu uma camada de ricos empresários que entre si espalharam
benesses enquanto as camadas populares sofram os efeitos da austeridade. Este
grupo terá querido manter o presidente em funções, mesmo quando era evidente já
não ter condições físicas para continuar.
Embora se especulasse
continuamente sobre o seu estado de saúde, Bouteflika concorreu a um terceiro
mandato presidencial em 2009, sendo reeleito com 90,24% dos votos, enquanto os
seus adversários denunciaram supostas fraudes e manipulações na campanha. Em abril
de 2013 sofreu um acidente vascular cerebral, mas manteve-se no cargo.
Considerado grande favorito para
um quarto mandato em 2014, apesar do boicote e denúncias de fraude de
oposicionistas, foi reeleito em 17 de Abril pela quarta vez consecutiva, com
81,53% dos votos, à frente do ex-primeiro-ministro Ali Benflis.
Com a eventual recandidatura, que
chegou a registar nos tribunais, Bouteflika jurou «solenemente diante de Deus e
do povo argelino» que, caso vencesse as eleições, iria mais tarde convocar «uma
eleição presidencial antecipada». Essa futura eleição, acreditava, iria
assegurar a «sucessão nas condições incontestáveis de serenidade, liberdade e
transparência». Entretanto nos últimos dias comprometeu-se a «não ser
candidato3, adiando as eleições para data posterior, depois de concluído o seu projeto
de realizar uma Conferência Nacional sobre o futuro da Argélia».
Mensagem de
Bouteflika ao país
Nesta mensagem o Presidente
referiu repetiu propósitos anteriormene enunciados mas não realizados.
Conseguiu, sim, o fim da guerra com grupos islamitas desde o seu primeiro mandato, que favoreceu um largo desenvolvimento económico, vencer as baixa nos preços do petróleo, proceder à reconstrução maciça das infraestruturas básicas, a possibilidade da diversificação da economia e outras exportações além dos hidrocarbonetos, reformas na justiça, educação, administração e economia. Equacionou progressos e recuos dependentes de condições externas.
Mas muitas das promessas expressas nesta mensaem ao país, como referimos, nao foram anteriormente cumpridas.
Conseguiu, sim, o fim da guerra com grupos islamitas desde o seu primeiro mandato, que favoreceu um largo desenvolvimento económico, vencer as baixa nos preços do petróleo, proceder à reconstrução maciça das infraestruturas básicas, a possibilidade da diversificação da economia e outras exportações além dos hidrocarbonetos, reformas na justiça, educação, administração e economia. Equacionou progressos e recuos dependentes de condições externas.
Mas muitas das promessas expressas nesta mensaem ao país, como referimos, nao foram anteriormente cumpridas.
Sublinhou que a Argélia defronta
desafios relacionados com a consolidação de uma sociedade de progresso, justiça
e equidade, política e consenso, socialmente inclusiva, baseada em uma economia
produtiva e competitiva, gradualmente libertada, na economia e sistema
financeiro, da dependência no que diz respeito aos hidrocarbonetos.
Afirmou também que os argelinos
devem agora enfrentar várias restrições, incluindo os relacionados com o
crescimento populacional, a multiplicação das necessidades a satisfazer, a
erosão dos recursos financeiros externos, as incertezas da economia global, os
problemas regionais e internacionais. E que devem trabalhar para evitar uma
sociedade de comportamento contrário aos princípios de integridade e valores
éticos de respeito para com o trabalho e sentido do esforço coletivo.
Referiu que, no entanto, é
especialmente na conjunção de vontades e energias, ao serviço do interesse
nacional, que os argelinos serão capazes de ter sucesso na transformação para
esta sociedade de progresso, justiça e equidade, «à qual todos nós aspiramos».
Afirmou que é com essa convicção
que apelava, há vários meses, às forças da Nação, para promover um consenso
patriótico e político que lhes permita mobilizar-se melhor para preservar a
conquistas, defender os melhores interesses e permitir que o país continue a
progredir em unidade e estabilidade, no meio de um ambiente regional altamente
perturbado e num contexto internacional carregado de incerteza.
Concluiu afirmando a sua
convicção que o consenso é uma virtude essencial, graças ao qual o povo
conseguiu assegurar a coesão nas suas fileiras para enfrentar grandes desafios,
como o da gloriosa Revolução de Novembro e, «mais perto de nós» os da Concórdia
e Reconciliação Civil e Nacional.
Argélia uma grande
potência regional
A Argélia tem uma das maiores
forças armadas na África e um dos maiores orçamentos de defesa no continente. A
maioria das armas da Argélia são importadas da Rússia, com quem mantém uma
aliança próxima.
O país é membro da Organização
das Nações Unidas (ONU), da União Africana (UA) e da Liga Árabe praticamente
depois de sua independência, em 1962, e integra a Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP) desde 1969. Em fevereiro de 1989 a Argélia
participou, com os outros estados magrebinos, na criação da União do Magrebe Árabe.
A Constituição argelina define «o Islão, os árabes e os berberes» como
«componentes fundamentais» da identidade do povo argelino, e o país como «terra
do Islão, parte integrante do Grande Magreb, do Mediterrâneo e da África».
A Revolução anticolonial e a
independência
Antes da Revolução, a crise
social chegou ao seu limite, com índices de analfabetismo subindo cada vez mais
enquanto que a população nativa era expropriada das suas terras. A Argélia foi
obrigada a enfrentar uma guerra prolongada de libertação em virtude da
resistência dos colonos franceses, que dominavam as melhores terras. Em 1947, a
França estende a cidadania francesa aos argelinos e permite o acesso dos
muçulmanos aos postos governamentais, mas os franceses da Argélia resistem a
qualquer concessão aos nativos. Nesse mesmo ano é fundada a Frente de
Libertação Nacional (FLN), para organizar a luta pela independência. Uma
campanha de atentados contra árabes (1950-1953) desencadeada por colonos
direitistas, tem como reação da FLN uma onda de atentados nas cidades e a
guerrilha no campo. Em 1958, rebeldes exilados fundam no Cairo um governo
provisório republicano. A intervenção de tropas de elite da metrópole (Legião
Estrangeira e paraquedistas) amplia a guerra. Ações terroristas, assassinatos,
torturas terríveis e deportações caracterizam a ação militar da França.
Os nacionalistas e oficiais de ultradireita
dão um golpe militar na Argélia em 1958. No ano seguinte, em 1959, o presidente
francês, Charles de Gaulle, concedeu a autodeterminação aos argelinos.
Mas a guerra intensifica-se em
1961, com a entrada em ação da organização terrorista de direita OAS
(Organização do Exército Secreto), comandada pelo general Salan, um dos
protagonistas do golpe de 1958. Ao terrorismo da OAS a FLN respondeu,
defendendo-se e atacando. No mesmo ano fracassam as negociações
franco-argelinas, por discordâncias em torno do aproveitamento do petróleo
descoberto em 1945. Em 1962 é acertado o Armistício de Évian, com o
reconhecimento da independência argelina pela França em troca de garantias aos
franceses na Argélia. A República Popular Democrática da Argélia é proclamada
após eleições em que a FLN se apresenta como partido único e Ben Bella torna-se
presidente. Na cúpula do estado manteve-se em geral a FLN com mais nove presidentes.
Na guerra de libertação
registaram-se cerca de 1,5 milhões de mortos.
Com o atual presidente, a Argélia
alterou a sua constituição, depois do seu segundo mandato (o limite legal era
de dois mandatos) de maneira a passarem a existir três novos mandatos que, se
se confirmasse a vitória em 18 de abril, seria o último e de duração breve.
Apesar do domínio da cultura e da
etnia berbere na Argélia, a maioria dos argelinos identifica-se com uma
identidade árabe, especialmente depois de o nacionalismo árabe se ter
levantado, no século XX. Os berberes e os argelinos que falam berbere são
divididos em muitos grupos com línguas variadas. O maior destes são os cabilas,
que vivem na região de Cabília ao leste de Argel, os chamou do Nordeste
Argélia, os tuaregues no deserto do sul e os shenwa do norte do país.
Durante o período colonial, havia
uma grande parte da população (10% em 1960) de europeus, que se tornou
conhecida como pied-noirsExpressão francesa que designa os europeus que
apoiaram os colonizadores franceses contra os nacionalistas que, em geral,
abandonaram a Argélia durante e depois da independência. Eles eram
principalmente de origem francesa, espanhola e italiana. Quase toda esta
população partiu durante a guerra da independência ou depois dela.
A Argélia e o apoio aos
movimentos de libertação das colónias portuguesas e aos exilados portugueses
Após a independência, e no
seguimento de uma política de não-alinhamento com os dois grandes blocos, mas
de solidariedade ideológica, os líderes argelinos prestaram um grande auxílio a
alguns movimentos de africanos de libertação, nomeadamente aos angolanos,
moçambicanos guineenses e cabo-verdianos, mas também a grupos de exilados
políticos portugueses. Esta política de solidariedade permitiu o acentuar da luta
contra os colonizadores desses territórios, por parte destes movimentos
autónomos, e dos exilados políticos portugueses contra a ditadura fascista de
Oliveira Salazar (Frente Patriótica de Libertação Nacional-FPLN).
Também tem apoiado a Frente
Polisário para a independência do território Sahara ocidental do reino de
Marrocos, e não apenas da sua autonomia dentro do reino como defendeu há quatro
dias Mohamed VI, o rei de Marrocos.
1. Ver «Argélia enfrenta grandes
desafios», em Avante! 7 de Março de 2019.
2. Ver «Bouteflika candidata-se e
manifestantes voltam à rua», em Público, 4 de março de 2019.
3. Ver «Mensaje de candidature
d’Abdelaziz Bouteflika», em 10 de fevereiro de 2019, em Voltairenet.
Versão várias vezes atualizada e revista da publicada em www.abrilabril.pt mo passado dia 13.
Versão várias vezes atualizada e revista da publicada em www.abrilabril.pt mo passado dia 13.
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