Para a generalidade dos
portugueses, a palavra cartel aparece nestes últimos anos associada aos cartéis
da droga em zonas da América Latina. É certo que os cartéis de droga actuam,
não só mas também para limitar a concorrência no narcotráfico e garantir o
domínio dos mercados da droga.
Mas os cartéis são uma actividade
muito antiga em diferentes sectores da actividade económica, em empresas,
serviços, meios turísticos em sectores como os das telecomunicações e multimédia
bem como nos seguros e banca. Começaram na Idade Média com as guildas e
cresceram durante a Revolução Industrial na segunda metade do século XIX, isto
é, com a progressão e consolidação do capitalismo.
Quando falamos em cartéis, trusts e holdings estamos a
falar de realidades semelhantes introduzidas com os monopólios em capitalismo,
que efetuam uma união de interesses próprios contra os consumidores, a fim de
aumentar os seus lucros e evitarem a concorrência.
Assumindo várias formas, está,
frequentemente relacionada com os preços de venda ou o aumento desses preços, de
bens semelhantes, com restrições de vendas ou de capacidades de produção, com a
partilha de mercados ou de consumidores, ou com o conluio noutras condições
comerciais para a venda de produtos ou serviços. Na prática as empresas que
formam um cartel funcionam como empresas de um monopólio que esmaga a
concorrência. Também prejudicam a inovação, impedindo que novos produtos e
processos produtivos surjam no mercado.
Apesar de não haver em Portugal
explicitamente uma lei anti-cartéis, ao contrário do que acontece na maioria
dos países da UE, estas práticas violam o n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º
19/2012, de 8 de Maio (“Lei da Concorrência”). Apesar da expressão “cartel” não
constar da Lei da Concorrência, ela refere-se à atitude que “corresponde a um
acordo entre empresas com atividades concorrentes com vista a restringir a
concorrência e obter assim um controlo mais eficaz do respetivo mercado”
É à
Autoridade da Concorrência (AdC) que compete acompanhar estas situações.
Segundo estimativas da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os cartéis
geram um sobre preço estimado entre 10 e 20% comparado ao preço em mercado
competitivo, e causam todos os anos prejuízos de centenas de milhares de milhões
de euros aos consumidores. A presidente da Autoridade da Concorrência estimava,
no ano passado, que a luta contra os "cartéis" podia reduzir entre
10% a 25% da despesa na contratação pública, isto é, entre 1800 a 4500 milhões
de euros por ano.
Este conluio entre concorrentes é
punível, entre nós, com uma coima até 10% do volume de negócios das empresas
infratoras. Os administradores e diretores das empresas podem também ser
pessoalmente responsabilizados e condenados ao pagamento de uma coima até 10%
da sua remuneração anual. Em casos de cartel na contratação pública, as
empresas podem ainda ser proibidas de participar em procedimentos de
contratação pública durante um período máximo de 2 anos.
O Programa de Clemência da AdC, criado em 2006, confere dispensa
total ou redução da coima às empresas envolvidas em cartéis – bem como aos
respetivos administradores e diretores - desde que revelem à AdC um cartel em
que tenham participado e que colaborem com a AdC na investigação. A primeira
empresa a denunciar o cartel em que tenha participado beneficia de dispensa
total da coima e as empresas seguintes podem beneficiar de uma redução da coima
até 50%. Os documentos apresentados são tratados como confidenciais. É, como se
verifica, um recurso do sistema judicial semelhante à “delação premiada”.
Desde a entrada em vigor do
Programa de Clemência, cerca de 45% dos processos de cartel tiveram origem em
pedidos de clemência, aumentando o número de casos investigados e com algum
tipo de resolução. Mas, em nome da transparência, importaria ficar claro o que
determina algumas empresas a se socorrerem deste programa, para além da redução
de coimas, e se há ou não outros objectivos que as levem a fazer isso. O
desfazer de um cartel também pode facilitar a entrada no mercado de empresas
estrangeiras com outra dimensão que facilite o esmagamento de empresas
nacionais e a sua incorporação nos activos dessas outras empresas
recém-chegadas.
Desde que foi criada em 2003 a
AdC a Autoridade da Concorrência já investigou há cerca de um ano 190 casos de
práticas restritivas da concorrência, de que resultaram 35 decisões
condenatórias com coimas que superaram os 48 milhões de euros pela participação
em mais de uma dezena de cartéis, tendo também sancionado administradores e
diretores das empresas envolvidas. Já no que respeita especificamente a
concentrações, até essa data, a Autoridade adoptou 840 decisões, seis das quais
de proibição de operações de concentração, e 36 de não oposição com o assumir
por parte das empresas de certos compromissos.
São muito diversificados os sectores objecto de investigação que dá
origem a processos que originam condenações ou arquivamentos, alguns destes
sendo acompanhados por compromissos e outras indicções que vinculam os
processados.
A PT quando existia era um cartel
no sector das telecomunicações. Mais
recentemente, a Autoridade da Concorrência (AdC) declarou extinto o processo de compra da Media Capital pela Altice e, apesar
de não se tratar da constituição de um cartel como outros, a abrangência das
empresas que ficariam controladas pela Altice, levariam à deformação da
concorrência e à elevação substancial dos custos aos consumidores (que a AdC
estimou que, em certos cenários, poderia atingir os 100 milhões de euros por
ano).
Há mais de dez anos (Março 2007)
cerca de meia dúzia de casos estavam em fase de investigação avançada pela AdC
(Autoridade da Concorrência) e quase todos se referiam à prestação de serviços
ou ao fornecimento de bens ao Estado.
Um caso recente foi o de fornecimento de aeronaves para o combate a
fogos florestais que, segundo o governo, atrasou a aquisição dos aparelhos
considerados necessários para enfrentar uma situação como a de 2017, tendo
outros meios sido adquiridos, eventualmente por valores ainda superiores, para
garantir os meios aéreos considerado necessários para o combate neste ano.
No ano passado, por indícios de
cartel, foram feitas buscas em nove empresas do sector da manutenção ferroviária.
Em 2016 a prática nos consumíveis de material de escritório,
por suspeita de acção concertada na fixação de preços e repartição de mercado, a
Antalis foi condenada, ficando ainda sob investigação outras 4 empresas similares.
Também neste ano, a Associação Portuguesa de Escolas de Condução foi condenada por essas práticas. No mesmo ano
foi arquivado processo contra várias empresas de animação turística.
Em 2015 foram feitas
investigações em empresas de serviços
portuários dos quatro maiores portos portugueses mas o respectivo processo
foi arquivado.
Em 2015 também foi arquivado
processo contra a Associação Portuguesa de Leasing, Factoring e Renting (“ALF”) e empresas suas associadas,
mas mediante compromissos e outras condições.
Nesse ano foram também arquivados
processos contra uma Ordem profissional
(mais duas em anos seguintes), contra a SIVA, SEAT, FCA e Ford Lusitana, onde se investigou a “Existência de uma restrição
constante de um contrato de extensão de garantia, a qual impedia os
consumidores de realizarem operações de manutenção ou reparação (não abrangidas
pela garantia) em oficinas independentes, sob pena de perderem o direito à
garantia do fabricante”. Os
primeiros três processos foram arquivados, o primeiro dos quais com condições, e
o quarto acabou numa condenação por declarações falsas.
Antes, entre outras, tinham sido
condenadas a Petróleos de Portugal e
GALP e algumas grandes empresas de
papelaria (2011), a Sport TV de
Portugal (2010), a Associação
Nacional de Farmácias e a Farminveste (2009), a Roche Farmacêutica, várias escolas de condução e a Royal Canin de Portugal
(todas em 2008).
O leitor interessado em conhecer
todas estas situações pode ir ao site
da Autoridade da Concorrência.
Na banca e nos seguros
Desde o ano passado, decorre a
investigação da Autoridade da Concorrência a uma possível cartelização no
sector dos seguros, resultante de
uma denúncia da Tranquilidade feita em 2017. Foi a própria Tranquilidade que,
confrontada internamente com a cartelização de seguros de trabalho, entregou à AdC os indícios dessa actividade
indícios, solicitando, ao mesmo tempo, a adesão ao Programa de Clemência. Este
programa constitui uma delação premiada, que permite à seguradora ficar livre
de qualquer penalização.
Idêntica investigação está em
busca no sector da banca, no que
respeita à cartelização nos spreads e comissões a aplicar aos
clientes, tendo neste caso sido delatores o Barcklay’s e o Montepio, que
também requereram a adesão ao Programa de Clemência. A AdC prometeu há um ano
medidas que ainda estarão dependentes do segredo de justiça que se mantem. Mas
a notificação dos 15 bancos alegadamente prevaricadores já vem de 2015, depois
de a investigação ter sido desencadeada em 2013 por denúncia, e de isso se ter
traduzido em buscas em 12 instituições financeiras, nomeadamente aos maiores
grupos como a CGD, BCP, BES, BPI e Santander Totta, aos considerados de média
dimensão com o Crédito Agrícola, Banif, Montepio, e aos de menor dimensão - Barclays,
Banco Popular, Banco BIC e BBVA Portugal.
Em 2015 a AdC confirmara que em
causa estava a "suspeita de prática concertada, na forma de intercâmbio de
informações comerciais sensíveis, de carácter duradouro, no que respeita à
oferta de produtos de crédito na banca de retalho, designadamente crédito à habitação, crédito ao consumo e crédito a
empresas
Depois de já ter admitido a
conclusão deste caso em 2016, esse desfecho transitou agora para este ano.
Aguardamos, com interesse, para ver somado mais este caso aos muitos que fazem
da banca portuguesa um caso de polícia e de desconsideração e prejuízo da
população que a procura. São empresas importantes, com capacidade de “manobra”
que outras mais pequenas não têm.
artigo originalmente publicado hoje em www.abrilabril.pt
Sem comentários:
Enviar um comentário