Segundo a tradição, a diplomacia russa não procura, ao contrário dos
Estados Unidos, redesenhar fronteiras e alianças. Ela tenta esclarecer os
conflitos entre parceiros. Foi assim que ajudou o antigo Império Otomano e o
antigo Império Persa a afastarem-se de uma sua definição religiosa (a Irmandade
Muçulmana pela primeira vez, o Xiismo pela segunda) e a assumir uma definição
nacional pós-imperial. Essa evolução é extremamente visível na Turquia, mas supõe
uma mudança de mentalidades no Irão.
Quando há cinco anos a Rússia
passou a intervir sistematicamente para que no Médio Oriente fosse respeitado o
direito internacional, tinha que ter em conta o papel da Turquia, do Irão e dos
Emiratos Árabes Unidos com quem tinha diferentes pontos de vista. O estilo de intervenção da diplomacia
russa teve o acolhimento dos seus parceiros com resultados positivos.
Lá onde o poder militar dos EUA e a “sua visão do mundo” falharam, tem
até agora vencido a muito delicada diplomacia russa. Um novo equilíbrio
existe no vale do Nilo, no Levante e na península arábica, mas sem evitar novos
riscos no Golfo Pérsico.
O pretenso emirato da Al-Qaeda, na
Síria, dividido por cantões e sem administração central, esteve apoiado em ONGs
ligadas aos serviços secretos de várias potências ocidentais que forneciam o necessário
mantimento a esses cantões. Erdogan sofreu uma forte derrota eleitoral por ter
aberto conversações sobre curdos presos, nomeadamente o presidente do PKK,
Abdullah Öcalan. Os curdos tiveram papel muito negativo nos combates que a
Síria com apoio da aviação russa, travaram, na reconquista do território
perdido pela Síria. Isto depois de Erdogan ter decidido este ano, em 6 e 3/8/ uma
nova identidade turca, deixando de ser religiosa para passar a ser a de um
estado nacional, revelando ir trabalhar para expulsar as tropas curdas da Síria.
Os EUA deixaram de apoiar o Rojava, estado curdo pretensamente em solo sírio,
constituído por turcos que limparam etnicamente a área.
Os governos ocidentais mais
interventivos na cena internacional, como a França e a Alemanha desejam o estado
curdo na Turquia, onde têm a legitimidade da Conferência de Sèvres em 1920, Irão,
Iraque ou Síria. Mas curiosamente não o querem criar na Alemanha, onde são
cerca de um milhão.
A situação do Iémen
Os EUA e a Arábia Saudita têm
apoiado o presidente Hadi para explorar as reservas de petróleo da fronteira,
mas a revolta dos xiitas Zaidites tem cada vez mais recursos e ganha terreno.
No passado dia 1 de agosto os guardas costeiros dos emiratos assinaram um
acordo de cooperação transfronteiriço com a polícia iraniana de fronteira. No
próprio dia o dirigente da milícia iemenita, apoiada pelos emiratos foi
assassinado por um grupo islâmico apoiado pela Arábia Saudita. Obviamente, a
aliança entre dois príncipes da Arábia e Emirados, Mohammed ben Salmane
("MBS") e Mohammed ben Zayed Al Nahyane ("MBZ"), ficou
maltratada.
Em 11 de agosto, a milícia
apoiada pelos Emirados Árabes Unidos invadiu o palácio presidencial e vários
ministérios em Aden, apesar do apoio saudita ao presidente Hadi, foi refugiado
de longa data em Riad. No dia seguinte, "MBS" e "MBZ" encontraram-se
em Meca na presença do rei Salman. Eles rejeitaram o golpe de estado e chamaram
suas respetivas tropas para se acalmarem. Em 17 de agosto, os militares pró-Emirados
evacuaram em boa ordem da sede do governo. Durante a semana em que os
"separatistas" tomaram Áden, os Emirados Árabes Unidos controlaram de
fato os dois lados do estreito estratégico Bab el Mandeb, ligando o Mar
Vermelho ao Oceano Índico. Agora que Riyad preservou sua honra, terá que dar uma
contrapartida a Abu Dhabi. Estes parecem ter concluído que a guerra é
invencível e ensaiaram uma aproximação ao Irão.
Cadeiras musicais no Sudão
No Sudão, depois que o presidente
Omar al-Bashir (irmão dissidente muçulmano) ter sido derrubado por manifestações
da Aliança pela Liberdade e Mudança (ALC) e o aumento do preço do pão ter sido
cancelado, um conselho militar de transição ocupou o poder. Na prática, essa
revolta social e alguns milhares de milhões de petrodólares permitiram que os
manifestantes transferissem o país da uma tutela para outra saudita.
Em 3 de junho, uma nova manifestação
do LRA foi dispersa com um banho de sangue pelo Conselho Militar de Transição,
provocando 127 mortos, o que provocou condenação internacional, tendo o
Conselho Militar realizado negociações com organizações civis e assinado um
acordo no dia 17. Por um período de 39 meses, o país será governado por um
Conselho Supremo de 6 civis e 5 militares, não identificados, controlados por
uma assembleia de 300 membros nomeados e não eleitos, compreendendo 67% dos
representantes da ALC.
Solução tão pouco democrática não
suscitou, porém, reservas de qualquer partido
O economista Abdallah Hamdok,
ex-chefe da Comissão Económica das Nações Unidas para a África, será o novo
primeiro-ministro, devendo obter o fim de sanções contra o Sudão e reintegrar o
país na União Africana. O ex-presidente
Omar al-Bashir será julgado no país para garantir que ele não mais possa ser
extraditado para Haia para o Tribunal Penal Internacional.
O poder real será mantido pelo
"general" Mohammed Hamdan Daglo (conhecido como "Hemetti"),
que não é um general ou mesmo um soldado, mas um líder da milícia empregada por
"MBS" para subjugar a resistência iemenita. Durante esse jogo de
cadeiras, a Turquia - que tem uma base militar na ilha sudanesa de Suakin para
cercar a Arábia Saudita - não disse nada.
De fato, a Turquia concorda em
perder em Idleb e no Sudão para ganhar contra os mercenários curdos pró-EUA. Só
isso foi vital para ela. Foi precisa muita discussão para ela perceber que não
podia vencer em todas os tabuleiros ao mesmo tempo e que devia hierarquizar as
suas prioridades.
Os Estados Unidos contra o
petróleo iraniano
Londres e Washington continuam
sua competição, iniciada há setenta anos atrás, pelo controle do petróleo
iraniano. Como nos dias de Mohammad Mossadegh, a coroa britânica pretende
decidir sozinha o que pertence ao Irão. Embora Washington não queira que as suas
guerras contra o Afeganistão e o Iraque beneficiem Teerão (consequência da
doutrina Rumsfeld / Cebrowski) e pretenda fixar o preço mundial da energia
(doutrina de Pompeo).
Essas duas estratégias foram
combinadas durante a apreensão do navio-tanque iraniano Grace 1 nas águas da
colónia britânica de Gibraltar. O Irão, por sua vez, apresou dois navios
britânicos no Estreito de Ormuz, argumentando – supremo insulto! – que o
principal carregava "óleo de contrabando", ou seja, o petróleo
subsidiado pelo Irão comprado por Londres no mercado negro. Quando o novo
primeiro ministro, Boris Johnson, percebeu que seu país tinha ido longe demais,
ficou "surpreso" ao ver a justiça "independente" de sua
colónia libertar o Grace 1 . Imediatamente Washington emitiu um mandado de
apreensão novamente.
Desde o início deste caso, os
europeus pagam o preço pela política norte-americana e protestam contra ela com
poucas consequências. Somente os russos defendem não o seu aliado iraniano, mas
o Direito Internacional, como fizeram sobre a Síria, o que lhes permite ter uma
linha política consistente.
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