“Você sai da Argentina e volta 20
dias depois, e está tudo mudado. Você sai da Argentina e volta 20 anos depois,
e nada mudou.” (ouvido de um argentino)
O presidente Maurício Macri
enfrenta, na véspera das eleições de outubro, o momento mais difícil de sua
trágica gestão, agravado pela retumbante e aparentemente imprevista derrota nas eleições prévias eleitorais, quando ficou 15 pontos atrás de seu adversário peronista
Alberto Fernandez e da sua vice Cristina Kirchner.
Por Aldo Rebelo (1)
A tragédia argentina e a ortodoxia económica
A presidência de Macri consolidou-se como um
grande fracasso, com três anos de crescimento negativo, acordos desastrados com o
FMI e uma desorientação completa ao final do governo
Os números são implacáveis contra
Macri: o aumento da pobreza e do desemprego, o disparar da inflação e dos
juros e o peso argentino que se derreteu frente ao dólar. Exatamente o
contrário de tudo o que prometera Macri na sua tomada de posse.
A vitória de Macri foi recebida
nos meios económicos e políticos conservadores e partidários do liberalismo
económico ortodoxo como uma promessa. Os descendentes pouco habilitados da economia liberal encheram a comunicação social do fenómeno Macri como a boa nova que salvaria a Argentina e, conseguindo-o, salvaria também o Brasil.
O atual presidente da República,
então deputado federal, Jair Bolsonaro, ao comentar minha nomeação para o
Ministério da Defesa em 2015, deu a eleição de Macri como exemplo de mudança na
Argentina e esperança para o Brasil.
A verdade é que a presidência de
Macri consolidou-se como um grande fracasso. Três anos de crescimento negativo,
uma negociação desastrada com o FMI, e uma desorientação completa no final do governo, deixou a sua candidatura à reeleição ameaçada de substituição pela governadora de
Buenos Aires, Maria Eugenia Vidal.
Nas vésperas das eleições prévias e da
humilhante derrota, Macri já não fazia a defesa de seu legado ou do seu futuro governo.
Desalentado, apenas agitava o espantalho do regresso de Cristina Kirchner ao
poder.
O fantasma que ronda a ortodoxia
liberal argentina não se apela do nome de Kirchnerismo. É o velho peronismo
que, entre êxitos e fracassos, permanece na memória do povo argentino nos seus
dias promissores de crescimento e bem-estar.
O primeiro governo de Perón
(1946-1952) deu aos argentinos rápido crescimento da economia, elevação do
padrão de vida material e espiritual dos trabalhadores, liquidou a dívida
externa de 12,5 mil milhões e tornou a Argentina credora de 5 mil milhões de dólares perante o mundo. A França tomava dinheiro emprestado da Argentina e a Espanha
escapava da fome pela generosidade do general Perón e de sua esposa Evita.
Os casais Perón e Kirchner: a memória de seus governos dá a tónica da eleição argentina
No governo Nestor Kirchner, a
Argentina cresceu a taxas superiores a 8% e os trabalhadores receberam de volta
uma parte do que tinham perdido nos períodos da ortodoxia liberal. É verdade
que, na fase final de Cristina Kirchner no poder, a economia argentina desabou,
mas nada que se compare aos maus momentos dos governos militares com Martinez
de Hoz, ou à fase de Domingo Cavallo e seu corralito, espécie de confisco que
limitava o saque em conta por parte da população.
O governo militar acumulou a
humilhação nas Malvinas, o sequestro, tortura e morte de opositores e a liquidação de
400 mil empresas argentinas, tragédia que isolou e transformou em párias as
forças armadas do país.
É esse o confronto de fundo que
fragiliza as pretensões de Macri para um novo governo. Em eleição tudo, ou quase
tudo, pode acontecer, mas é provável que a memória antiga do peronismo dê a
Alberto Fernandez o trunfo definitivo contra o seu adversário.
Quando não resta nada, resta a esperança, e parece que Macri deixou de ser a esperança para os argentinos.
Restaram, então, a memória, e cavalgando a memória, Alberto Fernandez, Cristina
Kirchner e o peronismo.
(1) Aldo
Rebelo, jornalista, foi ministro da Coordenação Política e Relações Institucionais;
do Desporto; da Ciência, Tecnologia e Inovação; e da Defesa (governos Lula e
Dilma) e publicou ontem no Vermelho do PC do B este artigo que reproduzimos.
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