Os crimes da oposição na Venezuela
No passado dia 14, o presidente
da Venezuela, Nicolás Maduro, acusou manifestantes opositores de incendiarem um
jovem por pensarem que não pertencia aos seus grupos de oposição, depois de um
novo dia de confrontos com a polícia de jovens com máscaras, arremessando
pedras e cocktails molotov contra a polícia. Ao longo das últimas semanas, com
a oposição da MUD a usar o mesmo tipo de intervenções de destruições, saques,
incêndios, delapidando um património incalculável, já morreram 60 pessoas,
incluindo polícias, manifestantes e contramanifestantes, sendo que parte dessas
mortes se devem a tiros certeiros na cabeça por parte de snipers não
identificados.
Maduro garantiu no dia em que
ocorreu o crime contra o jovem, que vários dos “chefes de grupos de
mercenários” opositores já estão presos e pediu justiça por parte dos
organismos do Estado competentes.
A ofensiva contra revolução
bolivariana acentuou-se muito depois da morte de Hugo Chávez.
O Papa Francisco teve um papel de
relevo na tentativa de parar as confrontações na Venezuela, quando em final do
ano passado juntou antigos primeiros-ministros latino-americanos para se
iniciar um diálogo. Por iniciativa de sectores da oposição esse diálogo então
fracassou. Questionado agora por jornalistas sobre a possibilidade de relançar
a iniciativa para o diálogo, o Papa Francisco criticou a falta de interesse da
oposição: "Acho que (o diálogo)
deve ocorrer agora, mas que as condições devem ser claras, muito claras. Mas a
oposição não quer isso, é engraçado porque a oposição está dividida (…) ".
Os EUA sabem que não será pela
via democrática que a revolução bolivariana será derrotada e, por isso,
estimulam as confrontações civis armadas e procuram descobrir algum
descontentamento em unidades militares devido à gravidade da situação no país.
E têm a situação ao nível dos
media bem controlada. Toda a comunicação social e comentários nos grandes meios
nacionais e internacionais estão feitos na lógica da criação de “pós-verdades”
(mentiras ou “fake news”) que nos condicionam. São afirmações ou imagens
lançadas que não permitem o contraditório e que nos querem fazer entrar na
cabeça como se fossem verdades incontornáveis.
Os mais de 150 mil manifestantes que ocuparam há dias Brasília,
defendendo os direitos do povo, a nação ameaçada pelos interesses estrangeiros
e a democracia conspurcada pelo golpe, foram recebidos com bombas, balas de
borracha e cassetetes. A meia dúzia de provocadores infiltrados que causou as
cenas de depredação foi a única coisa que os media mostraram apesar de nada
representarem diante da enorme multidão combativa e pacífica que foi a Brasília
lutar pacificamente. Mas agora Temer quer acusar as organizações sindicais
promotoras por esses actos. A Rede Globo divulgou os telefonemas
comprometedores para Temer e está a trabalhar para apoiar o impeachment e impor
a um corrupto um outro figurante alternativo em eleição indirecta pelo bando de
jagunços, instalados no Congresso e Senado, muitos dele a contas com a justiça
por corrupção.
Grande parte dos brasileiros e as
forças de esquerda, sindicais e de agricultores defendem a eleição do novo
presidente por eleições directas. É o caso do dirigente do Movimento dos Trabalhadores
Sem Terra (MST) Gilmar Mauro: "A Globo está numa crise econômica há
bastante tempo e perdendo audiência. Além de tudo, também está perdendo o
debate político na sociedade. Por isso, eles estão desembarcando, mas querendo
construir uma alternativa por via indireta – e nós não podemos admitir. Vamos
conseguir superar o golpismo não só com a saída do Temer, mas com a derrota
política da Globo e a convocação de eleições diretas".
Que souberam os portugueses das grandes manifestações neste mês de Maio na Argentina contra a descriminalização dos torcionários da ditadura de Videla ou, mais recentemente, da grandes manifestação de professores universitários em defesa das suas instituições de ensino contra as investidas de Macri? Mas antes destas já no dia 6 a Argentina realizou uma greve geral convocada pela Confederação Geral do Trabalho (CGT) e pelas Centrais de Trabalho da Argentina (a CTA e a CTA Autônoma), contando com a adesão de todos os sindicatos de trabalhadores em meios de transporte do país, além de diversas categorias, como professores e lixeiros, e grande parte do comércio. Esta greve respondeu às políticas implementadas pelo presidente Mauricio Macri e a coligação neo-liberal que o apoia, numa altura em que se registam 40% de inflação, salários desvalorizados, aumento do desemprego (que subiu dois pontos percentuais) e da pobreza (que atinge 32% da população do país).
Num comício na 5ª feira, membros
da Comissão Presidencial para a Assembleia Nacional Constituinte (ANC) da Venezuela, garantiram que “a Revolução
Bolivariana realizará as acções necessárias para manter a estabilidade social e
política do país, não caindo, por isso, em nenhuma provocação que fizesse
perigar a soberania nacional.” “Temos a partir de agora de assumir a tarefa de nos
convertermos em soldados para a guerra com que nos vão confrontar, (…) com a
disciplina, consciência e organização, obedecendo à nossa liderança, e não
caindo na provocação da guerra civil que leve a uma intervenção no país. Para
além da República e do governo, está em jogo a Pátria”.
Também nesse dia Maduro em
comunicação ao país apelava ““Já basta de ódio, de intolerância, de violência.
Vamos a dar as mãos pela paz, pelo reconhecimento mútuo, pelo futuro. Vamos dar
um abraço de paz. Basta de violência. Basta de dor. O caminho de Venezuela tem
de ser de diálogo e de reencontro dos venezuelanos”. No dia seguinte, o
vice-presidente do partido do governo (psuv) Diosdado Cabello, disse que o povo
venezuelano deve aproveitar a Assembleia Nacional Constituinte (ANC) para fazer
uma revisão completa do Ministério Público e da Procuradoria geral da República
para que esta não continue a ser promotora da impunidade na Venezuela. Cabello
reiterou que o artigo 347º da
Constituição da República Bolivariana da Venezuela prevê que o povo é o
depositário do poder Constituinte original e que no exercício desse poder pode
convocar uma ANC, para transformar o estado, redigir uma nova constituição e
criar um novo ordenamento jurídico.
A juíza presidente do Conselho Nacional Eleitoral, Tibisay Lucena,
explicou que serão eleitos um total de 545 deputados constituintes. Desses, 364 representarão seus
municípios, ou seja, cada município venezuelano terá um deputado e as capitais
terão dois. Os povos indígenas terão oito deputados para representá-los. Os
diversos setores sociais e econômicos da Venezuela terão 173 deputados no
total.A eleição dos membros da Constituinte está marcada para Julho.
A procura de soluções que legitimem outra constituição, que consagre direitos como o da habitação, podendo até constitucionalizar a Grande Missão Habitação Venezuela, que garantiu desde 2011 até hoje mais de um milhão e seis mil habitações dignas para quem as não tinha, e por essa forma ficar vedada uma eventual futura privatização desta Missão.
A profunda crise política, económica e social
na Venezuela, exige uma grande unidade das forças revolucionárias e patrióticas
para deter tão forte ofensiva do imperialismo e do fascismo.
Mas importa verificar como
compatíbilizar com a correlação de forças civis e militares face a uma guerra civil
que o imperialismo prepara, para “justificar” uma intervenção militar externa.
Não são fáceis os caminhos dos
revolucionários no seu próprio país. Mais fácil são os palpites que de fora se
produzam, incluindo os do autor destas linhas.
Um relatório comprometedor para os EUA
O Comando Sul do Pentágono tem
sido um observador atento da Venezuela, e não só, apresentando relatórios
regulares ao Senado norte-americano (1).
Há cerca de duas semanas, o
ministro venezuelano Padriño Lopes negou que os conspiradores possam encontrar nos
meios militares algum apoio e que o “empurrão final” no governo, de que falam
só pode entender-se à luz de um dos últimos relatórios do Almirante Kurt Tidd, chefe do Comando Sul do Pentágono, onde este
afirma: “Com sectores políticos da MUD temos vindo a acordar uma agenda comum,
que inclui um cenário abrupto que pode combinar acções de rua e emprego doseado
de violência armada num quadro de cerco e asfixia”.
A MUD Mesa da Unidade Democrática
é a força opositora, dirigida por Henrique
Caprilles, candidato presidencial anteriormente derrotado, que é o chefe
dos grupos armados que desencadeiam destruições e pilhagens de rua.
Aparecem ainda no relatório
referências a treinos com a Força de Intervenção Conjunta Bravo, a unidade
Leticia da Colômbia (2),
tudo como concentração de Operações Avançadas FOL (3) com projecções sobre a
região central de Venezuela onde se concentra o poder político-militar, para de
seguida enumerar os activos militares disponíveis para a operação”.
O ministro venezuelano rematou
que só com essa articulação que existe na guerra não convencional, entre a
oposição venezuelana e sectores políticos e militares dos EUA, como o Comando
Sul, pode entender-se o indefinido desenvolvimento dessas acções armadas e de
vandalismo, e a confiança no “é agora ou nunca”. Até agora o Senado norte-americano
não desmentiu a autenticidade do relatório.
A Venezuela e outros países da América Latina
As forças de esquerda e presidentes
eleitos para a Venezuela, o Brasil, a Bolívia, o Equador, o Paraguai, o
Uruguai, a Nicarágua, e as Honduras, e já décadas antes o Chile de Allende
viveram numa permanente desestabilização por partes das classes sociais que
sentiram poder vir a perder privilégios e sentiram em vários casos a ascensão
social e a melhoria das condições de vida e de acesso ao que chamamos estado
social: educação e serviços de saúde gratuitos ou de fácil acesso para todos,
existência de uma segurança social garantida parcialmente por descontos de
trabalhadores e empresas.
Os novos dirigentes sabiam da dureza da tarefa pelo fosso de
desigualdade de rendimentos, entre ricos e pobres, da apropriação por aquisição
ou contratos de concessão de exploração leoninos das matérias-primas e grandes empresas
pelo vizinho do Norte, pela corrupção praticada pelos sectores que tinham sido
afastados, mas que se mantinham a partir de grandes empresas e num ambiente
geral de permeabilidade à pequena corrupção. Sabiam que em vários desses países
os grupos económicos dominantes tinham a comunicação social na mão e que iriam
condicionar muito a liberdade de expressão e o pluralismo político em favor dos
anteriores privilégios. Sabiam que lhe iriam ser bloqueados financiamentos de
instituições internacionais.
E, apesar disso, trabalharam para acabar com o peso dessas
práticas, de regimes militares de direita e levaram à criação de verdadeiros
regimes democráticos, assentes em eleições pluripartidárias, procurando
garantir a liberdade de expressão das várias correntes de opinião, garantindo a
concretização de importantes objectivos sociais, a liberdade de organização
sindical e outros direitos dos trabalhadores.
Vencendo por vezes as hesitações
das forças políticas que garantiram a direcção dos processos de transformação
históricos, as populações agigantaram-se
na conquista de sociedades diferentes e, mesmo quando hoje se registaram
graves regressões nesses processos, elas resistem por não estarem de acordo em
perder as conquistas feitas. O Brasil e a Argentina são importantes exemplos disso.
O Comando Sul do Pentágono e os seus recursos de intervenção em países
latino-americanos
O Comando Sul, como outros
Comandos regionais do Pentágono, prossegue
a doutrina da guerra híbrida, pós-moderna ou líquida, criada na vigência de
Obama, na qual campanhas de comunicação 2.0 (4) se combinam com o ciberterrorismo, manifestação de
ruas dos “parceiros civis” (ONGs, políticos, estudantes, jornalistas,
académicos, entre outros) financiados por Washington através da USAID, NED ou
Freedom House e acções clandestinas de agentes especiais, privados ou
combatentes substitutos para, em primeiro lugar, tentar quebrar a frente
interna através de “revoluções coloridas”, ou então arrastar progressivamente o
“inimigo ou adversário” para um cenário de guerra civil, onde os custos não
sejam altos em intervenção e todo o peso político, social e económico recaia
sobre o país atacado.
Os EUA têm 13 bases e pistas em países que fazem fronteira com a
Venezuela e outras 13 em países que fazem fronteira com o Brasil, sendo que
ambos os países não têm bases ou pistas nos dos EUA seus territórios.
Outros países que fazem fronteira como a Colômbia e o Peru têm 9 cada e o
Paraguai tem 2. Já com Temer foi retomado o projecto de uma nova base norte-
americana para lançamento de mísseis, em Alcantara, no estado do Maranhão,
junto à linha do Equador, acordado antes com Fernando Henriques Cardoso e
depois abandonado por Lula e Dilma. O acordo, mesmo na lógica de Temer, muitíssimo
humilhante para o Brasil, ainda não foi concluído.
Este Comando é uma organização
militar regional unificada e um dos 10 Comandos de Combate (COCOM) do
Departamento de Defesa dos EUA. A sua responsabilidade é espiar, realizar
contactos com os meios de oposição dos países com governos de esquerda,
articular acções com eles e planear o contingente, as operações e cooperação
das forças de segurança da América do Sul, Central e Caribe (excepto os
territórios e possessões dos EUA na região), Cuba e as Bahamas e suas águas
territoriais. O Comando do Sul impôs-se como “segurança” de toda a região do
Canal do Panamá.
O Comando do Sul reúne mais de 1.200 militares e civis, do
Exército, Marinha, Força Aérea, Corpo de Fuzileiros, Guarda Costeira e outras
diversas agências governamentais dos Estados Unidos. As Forças Armadas fornecem
ao Comando do Sul recursos e pessoal para dois grupos de Operações Especiais,
um de Inteligência, e gabinetes de segurança.
A experiência de intervenções
militares em vários pontos recolocaram a intervenção militar como uma opção a
ser considerada pelas elites dirigentes norte-americanas, no seguimento do seu
aparente abandono depois das invasões de Granada (1983) e do Panamá (1989). O
uso da força, para realizar objetivos considerados essenciais, voltou à luz do
dia com a elevação do comércio e produção ilícitos de drogas a adquirir o
estatuto de ameaça à segurança nacional dos EUA.
A assistência militar é um instrumento tradicional da política
externa norte-americana. O treino de polícias e oficiais militares, com as
”lavagens ao cérebro” sobre as “ameaças prioritárias”, o municiar de meios os
serviços secretos, o planeamento e transporte, exercícios conjuntos com
militares latino-americanos, projetos cívicos e humanitários, fazem parte das
atividades militares norte-americanas na região. As atividades de
contra-insurgência perderam o seu papel central após a crise Irão-Contras e registou-se uma
interrupção temporária de intervenções na América Central, embora tenham
ocorrido operações na Colômbia e no Peru ao longo da década de 1990.
O contacto entre militares da região é estimulado por meio de um
conjunto de instituições e práticas. A criação do Encontro de Ministros da
Defesa das Américas intensificou as discussões estratégicas de alto nível na
última década. Existem vários fóruns para as Forças Armadas da região:
Conferências de Exércitos Americanos, Sistema de Cooperação das Forças Aéreas
Americanas, Conferência Naval Inter-Americana, Simposium Internacional de
Forças Marítimas, Junta de Defesa Inter-Americana, Colégio de Defesa
Inter-Americana. Os programas de intercâmbios e treino são um aspecto fundamental
deste contacto constante. As bases
militares, a que já nos referimos, são outra forma importante da extensão
da presença militar norte-americana no continente.
Por outro lado, outras instalações são utilizadas pelos militares norte-americanos, como é o caso do Centro de Treino de Iquitos no Peru e das bases na Colômbia. Colômbia que acabou por ser integrada na NATO…
Esses arranjos, denominados Forward Operating
Locations (3), permitem
aos militares norte-americanos, à sua guarda costeira, ao serviço de alfândega
e ao DEA (Drug Enforcemet Administration), usar instalações existentes como
plataformas para a luta antidrogas e mantê-las preparadas para outras missões.
O Comando Sul também opera radares no Peru (Iquitos, Andoas, Pucallpa) e na
Colômbia (San José del Guaviare, Marandúa e Leticia), sendo outros móveis mas
secretos.
A diversificação da presença militar norte-americana é uma estratégia
consistente.
Tropas norte-americanas operam
sistemas de radar, monitorizam a região a partir do espaço, garantem apoio
operacional e de inteligência e treinam forças de segurança locais. Desta feita
constituiu-se há alguns anos uma área de controlo em terra, ar e vias aquáticas
na região andina, de acordo com a redefinição das fontes regionais de “ameaças”.
A presença militar norte-americana nos Andes é hoje muito
significativa, e o já referido relatório relança a actualidade dos riscos de
uma intervenção militar, mesmo considerada ”não convencional” na Venezuela mas
também no Brasil e na Argentina – os três grandes países da América que tiveram
nos últimos 15-20 anos viragens à esquerda mais ou menos acentuadas e que, de
acordo com a nova doutrina da ”guerra híbrida”, têm sido alvos de intervenções
“correctoras” a que os respectivos povos têm resistido.
Com o Comando Sul articula-se a
acção de agências como o National Endowment for Democracy (NED), através de
apoios financeiros a ONGs que trabalham como ambientalistas, a e programas como
o Democratic Initiatives Program da Agencia International de Desenvolvimento
dos Estados Unidos (USAID) e outras instituições regionais criadas no âmbito da
OEA.
As capacidades e possibilidades de intervenção militar dos EUA, em
conjunto ou por intermédio de “forças amigas” em cada país, são muito elevadas.
Mas a experiência revolucionária dos povos da América Latina também.
Notas
(1) Onde
pontifica o senador republicano John MacCain, entusiasta anti-chavista que, na
vigência da presidência Obama, teve papel fundamental na criação do Estado
Islâmico (Daesh) e que, talvez não por acaso, se encontra nas primeiras filas,
com Hillary Clinton, na procura do impeachment de Donald Trump, entre outras
“razões” por ele ter passado informações à Rússia sobre planos do Estado
Islâmico e até por “ter feito os russos intervirem em seu favor na eleição
“presidencial”…
(2) Unidade
adstrita à 6ª Divisão do Exército Colombiano, sediada em Letícia, na zona
amazónica da Colômbia.
(3) Os
Centros Operacionais Avançados (FOL, em inglês) são comandos instalados em
todas as bases que os EUA têm nestes países com pessoal militar, empresários,
serviços de inteligência com recurso a satélites, patrulhas, etc.
(4)
Designam
actualmente, e para o efeito aqui tratado, a utilização de sites, Facebook,
Twitter, Instagram, YouTube, Google, aplicações digitais em telemóveis, etc.