O Publico nem na véspera nem no
dia de início da Festa do Avante! lhe faz qualquer referência. Em contrapartida
brinda-nos hoje com uma pérola “Um partido bipolar: uma crítica de esquerda” do
sociólogo de Coimbra Elísio Estanque. Um artigo em jeito de “uma no cravo, outra na ferradura”,
onde o autor não pode deixar de reconhecer o papel importante do PCP (para a mentira ser segura e atingir profundidade tem que trazer à mistura qualquer coisa de verdade...).
Da biografia do autor, que
considera que “o verdadeiro revolucionário do século XXI é o reformismo
radical”, retira-se que “foi activista sindical e de diversos movimentos
sociais no período revolucionário (1974-1975) ”. Fica-lhe bem mas 43 anos
depois, ser de esquerda é uma etiqueta que exige outros créditos que, pelo que
temos lido do autor, carecem de incorporação das lições e perspectivas da
realidade que não podem passar por identificar o PCP com o “modelo soviético”,
um golpe baixo há décadas papagueado por críticos em geral pouco creditados
para discutir estas matérias.
Isso e todo o conjunto de
perguntas que os militantes do PCP estariam hoje a fazer a propósito da
“implosão” do comunismo, como e porque ocorreu, se isso só se deveu a factores
internos ou também internos, o que é o comunismo hoje e se se deve pactuar com
características negativas de alguns países identificados pelos States como o
“eixo do mal”, são questões que há mais de vinte e cinco anos já foram
discutidos, com grande abertura e coragem, num discussão de que se tiraram
conclusões no XIII Congresso do PCP, em 1990 e seguintes. Há que saber ler e
ouvir o PCP…E ó Elísio Estanque, o PCP não defende “um partido único a dirigir
o aparelho de Estado”. E essa da bipolaridade…Tenha maneiras!...Daí para o
insulto falta muito pouco.
Eu tenho reservas em aspectos da
política externa dos governos da Rússia, ou da Coreia do Norte, ou da
Venezuela. Mas chegados aqui, atenção! Nos confrontos conduzidos pela
administração norte-americana e os dirigentes não eleitos da União Europeia, eu
estou do lado dos agredidos, dos que defendem a sua soberania, dos
sobre-explorados, dos remetidos por guerras sujas para a fome, a doença e a
morte ou para a emigração maciça, dos que sofrem de boicotes e bloqueios. Não
hesito, não dou uma no cravo e outra na ferradura para me remeter à não
intervenção que sossega as consciências de alguns para golpes, invasões, muita
guerra, muita fome e algumas pinochetadas.
Uma coisa é a compreensão do
papel da Revolução de Outubro na mudança de paradigmas universais no sentido da
centralização do papel do trabalho no processo produtivo com o conjunto de
direitos políticos e regalias dos trabalhadores, e do combate à exploração do
homem pelo homem que manteve uns como deserdados embora produtores da
mais-valia apropriada pelos construtores do sistema capitalista. Sistema capitalista
que, foi, entretanto, criando deformações da democracia a coberto de apelos a
respostas consumistas, negando na prática o direito de informar e de ser
informado, condicionando drasticamente os direitos de eleger e ser eleito. E
depois com a financeirização da economia que a alienou para a propriedade das
multinacionais e à ditadura dos mercados condicionados, das bolsas e sujeitos
ao dólar como moeda única, que agravou desigualdades em cada país, entre países
e quis esmagar as riquezas e a humanidade em continentes inteiros.
Outra coisa ainda é ser
facilmente verificável, quer à saída das rotativas clandestinas quer nas
consultas hoje possíveis na internet, que o PCP mesmos nos duros tempos da
clandestinidade, elaborou e aperfeiçoou também já no regime democrático saído
da Revolução de Abril, as características que a democracia a conquistar na
revolução portuguesa deveria ter. E, entre elas, estão as vertentes não apenas
políticas mas também económicas, sociais e culturais dessa democracia. E que
nos direitos políticos se encontravam entre outros, a existência de diferentes
partidos políticos, a liberdade de imprensa. Vivi intensamente esses processos
de discussão mesmo com os que tinham ideias muito diferentes das minhas. Os
anos de 1969 a 1975, pela riqueza da experiência pré e revolucionária foram
muito importantes para formação de centenas de milhares de cidadãos.
Neste estado das coisas sugiro ao
autor uma leitura, que não seja en
passant , do “Rumo à Vitória” ou do actual “Programa do PCP, Uma Democracia
Avançada - Os Valores de Abril no Futuro de Portugal”. E que recorde que, quer
nas conclusões do III Congresso da Oposição Democrática, em Abril de 1973, quer
nos documentos programáticos do “movimento dos capitães” de 1974, essas
diferentes vertentes da democracia já estão expressas devido a anos e anos de
reflexões sobre a luta da resistência e as características do fascismo em
diversos planos, dentro e fora do PCP.
Por outro lado, há que não
esquecer que o PCP não “se conformou”, como alguns que nada fizeram pela
democracia costumam brincar, como o autor insinua em jeito de “puxão de
orelhas”, com a democracia, pela razão evidente para qualquer docente que
investigue como faz qualquer estudante, que a matriz essencial que o PCP dela
concebeu ficou expressa na Constituição da República Portuguesa, apesar das
suas sucessivas revisões.
Na convivência nesta esquerda
plural e alargada, ninguém em jeito de “crítica de esquerda” (qual?) pode
intentar que uma força política como o PCP faça o que o autor entende, deixar
de ser o que é.
Bem desmontado, mais um "argumentum ad ignorantum".
ResponderEliminarAF