As motivações de uma
campanha a propósito do “genocídio” dos rohingya
No passado dia25 de Agosto, cerca
de 71 pessoas morreram na Birmânia, no sudeste asiático, após um ataque
conduzido por 150 homens rohingya . Os rohignya são bengalis, muçulmanos, que
no período colonial a Inglaterra deslocou para o estado de Rakhine, na então
Birmânia, hoje Mianmar. No ataque, conduzido pelo grupo rebelde, do Exército de
Salvação do Rohingya de Arakan, em Rathedaung, no norte do estado de Rakhine,
os rebeldes cercaram 30 postos fronteiriços espalhados por 25 localidades. De
acordo com a Reuters, entre as vítimas ficaram 59 rebeldes e 12 membros das
forças de militares do país. Já em Outubro passado um outro grupo armado com
facas e armas de fogo tinha atacado três postos militares perto da fronteira
com o Bangladesh. A dura resposta das autoridades do país, em 25 de Agosto,
provocou violentos confrontos, que custaram a vida de pelo menos 402 pessoas.
Budistas extremistas reclamam a expulsão dos rihingya |
Importa sublinhar o péssimo e
intencional comportamento mediático onde se mistura o número de mortos e
refugiados desde 25 de Agosto com o ocorrido ao longo de décadas (!) para
justificar a tese do genocídio.
Não é a primeira vez que uma
etnia da Birmânia (são várias) ou de outros países, com aspirações próprias no
quadro dos territórios que os constituem, é usada para a desestabilização
interna que altere o quadro político em nome de grandes interesses económicos e
geoestratégicos.
Este é o caso do povo rohingya
que reside em parte do estado de Rakhine, precisamente onde Mianmar tem no Mar
Índico os terminais de petróleo e gás natural, oriundos da China.
Georges Soros há muito que
confronta a China (1). Contribuiu para o desenvolvimento de problemas nas suas fronteiras, com
vista a enfraquecer este grande país, que tem sido, nos últimos anos um
sustentáculo da economia mundial, debilitada pela crise capitalista, e uma
esperança para o crescimento e desenvolvimento de muitos países, possível
também evitando guerras por outros organizadas, que aproveitam as suas
debilidades estruturais. E isso passa por usar os rohingya para desestabilizar
Mianmar que tem fronteiras com a China.
Algumas economias globais, imperialistas, já estabelecidas desde há
séculos, procuram conter o rápido desenvolvimento económico das nações da ASEAN
(2), instigando conflitos internos dentro desse bloco de formações regionais estáveis,
para terem uma oportunidade para controlarem estados soberanos e exercerem
grande pressão sobre eles.
O objetivo, a médio prazo, é o
de, causando-lhes dificuldades de sobrevivência, provocar uma indignação global
e inspirar inúmeros "voluntários" muçulmanos (alguns dos quais, sem
dúvida, seriam terroristas reais) para inundar o estado de Rakhine e então
prepararem o terreno para uma "intervenção humanitária" multilateral,
segundo um modelo já testado noutros países, com o objectivo de obter o
controlo de um território.
Pensavam liquidar o projecto
global “Um cinturão, uma Rota”, versão contemporânea da antiga Rota da Seda,
lançada pela China e apoiada e integrada já por muitos países.
O actual " Exército de
Salvação do Rohingya de Arakan " surge em cena num quadro que o poderia tornar
rapidamente no ramo do Estado Islâmico em Mianmar.
Além da remoção geopolítica de
Mianmar do mapa do mundo e do sofrimento incalculável de seus mais de 50
milhões de habitantes, a outra vítima seria, naturalmente, a China, que teria
que enfrentar uma guerra híbrida parecida com a da Síria ao longo de sua
fronteira permeável sul-sudoeste além dos muitos outros desafios de segurança
que já se fazem soar na sua periferia (Coreia do Norte, Mar da China Oriental,
Mar da China Meridional e Índia). Qualquer plano para um Corredor de Myanmar
complementando o Corredor Económico China-Paquistão para o Oceano Índico também
seria precipitado, e os agitadores budistas no Tibete também se poderiam
radicalizar e nele se inspirar para iniciar um novo ciclo de violência.
A desestabilização de Mianmar
pode afectar os projetos de energia da China e criar uma zona de instabilidade
à porta de Pequim. Face à confrontação entre os EUA e a Coreia do Norte entre
os EUA e a Coreia do Norte, o vizinho chinês pode ficar sob fogos cruzados.
Entretanto, a Task-force da
Birmânia, que compreende uma série de organizações financiadas por George
Soros, vem operando ativamente em Mianmar desde 2013, convidando a comunidade
internacional a parar com o que chamam "o genocídio do grupo minoritário muçulmano
Rohingya" (1).
No entanto, a interferência de
Soros nos assuntos domésticos de Mianmar já vem de trás. Em 2003, George Soros
juntou-se a um grupo da Task Force dos EUA com o objetivo de aumentar a
"cooperação dos EUA com outros países para provocar uma transformação
política, económica e social, há muito por eles desejada para a Birmânia (Mianmar)
". Na sua visita a Mianmar no final de 2012, Obama iniciou a intervenção
directa dos EUA, comportando-se quase como chefe de uma potência ocupante.
Uma nova campanha de informação parcial propagou-se depois de 25 de
Agosto nos media à escala universal de um dia para o outro. Tal como
aconteceu com o Kosovo e com o genocídio supostamente perpetrado por Milosevic,
quando a NATO realizou bombardeamentos em solo europeu, ou com as inventadas
atrocidades contra o povo sírio pelo seu presidente Al-Bashar quando a guerra
dita “civil” conduzida pela coligação EUA-Inglaterra e França passaram ao
ataque com os seus batalhões do Daesh, da Al-Qaeda ou Al-Nusra.
Este conflito começou há cerca de
um século e cresceu gradualmente desde 2011, atingindo o seu auge no ano de
2012, quando milhares de famílias muçulmanas procuraram asilo nos campos
especiais de refugiados no território do país ou fugiram para o Bangladesh. Em
2016 começou uma nova escalada.
Ao fim de duas semanas de
confrontos armados entre o exército birmanês e o grupo rebelde muçulmano, a
líder do governo birmanês, prémio Nobel da Paz, e prémio Sakharov, Aung San Suu
Kyi quebrou o silêncio para desmentir as acusações de que tem sido alvo, parecendo
já não estar nas graças dos seus antigos amigos dos EUA e UE.
A mulher, que durante 15 anos
esteve presa pela junta militar que dirigia o país por “defender a democracia”,
está agora a ser acusada de esconder as atrocidades que, segundo algumas ONG e
as Nações Unidas, estão a ser cometidas no estado de Rakhine, onde vivem
milhares de rohingya, minoria étnica muçulmana num país predominantemente
budista.
Vários países têm recomendado aos
governos de outros países que façam face ao afluxo de refugiados da etnia rohingya
e nisso cooperem com o ACNUR, que possui as competências técnicas necessárias
para analisar o estatuto de refugiado e dispõe do mandato para proteger os refugiados
e os apátridas e têm apelado a esses países a para respeitarem o princípio da
não repulsão e a não repelirem os refugiados de etnia rohingya, pelo menos
enquanto não tiver sido encontrada uma solução satisfatória e digna para a sua
situação, tendo apelado, em particular, ao Bangladesh para que permita a
entrada dos refugiados rohingya, reconhecendo paralelamente os esforços já
realizados dos pelas autoridades daquele país para acolher várias centenas de
milhares de refugiados.
O petróleo e o gás
natural descobertos, em 2004, no offshore
de Mianmar
O conflito com cerca de um século é usado por actores
externos para prejudicar a estabilidade do sudeste asiático, especialmente
devido ao facto de que o que está em jogo serem vastas reservas de hidrocarbonetos
localizadas no offshore do estado de
Rakhine, onde residem os rohingya.
O estado de Rakhine na rota dos pipelines de gás e petróleo e da ligação de Miamar ao mar (na planta o nome inglês da antiga Birmânia) |
A zona costeira de Arakan (Rakhine) quase certamente conterá
hidrocarbonetos de petróleo com excelente viabilidade de exploração. Há um
enorme campo de gás chamado Than Shwe,
nome do general do Partido do Programa Socialista para a Birmânia, que presidiu
ao Conselho de Estado para a Paz e o Desenvolvimento entre 1992 e 2011.
Depois da descoberta das enormes reservas de energia de
Rakhine em 2004, isso atraiu a atenção da China. Até 2013, a China completou
oleodutos de petróleo e de gás natural, que ligam o porto de Kyaukphyu, de
Myanmar, com a cidade chinesa de Kunming, na província de Yunan.
O oleoduto permite que Pequim faça chegar o crude ao Médio
Oriente e Africa, fazendo um bypass no
Estreito de Malaca, enquanto o gasoduto transporta hidrocarbonetos dos campos offshore de Myanmar para a China.
O desenvolvimento do projeto de energia China-Myanmar
coincidiu com a intensificação do conflito comos rohingya em 2011-2012, quando
120 mil requerentes de asilo deixaram o país para escapar ao derramamento de
sangue.
Os pipelines que ligam a China a Mianmar e à Baía de Bengal |
A presença desta etnia na Birmânia (hoje Mianmar) tem origem
na migração do subcontinente indiano para Mianmar. Ela ocorre há séculos, em
parte associada à disseminação do budismo, hinduísmo e islamismo na região. A
região histórica de Bengala (agora Bangladesh) e o estado indiano de Bengala
Ocidental têm ligações históricas e culturais com o Estado Rakhine
(anteriormente Arakan) de Mianmar, estado que liga o país ao Mar Índico,
assumindo grande importância comercial e estratégica.
Mas essa migração foi forçada pela potência colonial – a
Inglaterra – que levou ao forçar de uma enorme presença de muçulmanos no
estrado de Rakhine.
Os conflitos anuais têm-se repetido ciclicamente ao longo de
décadas de tensões budistas-muçulmanas nessas áreas da fronteira birmanesa.
Os massacres de Arakan, em 1942, no decurso da Segunda Guerra
Mundial entre recrutas da V Força Rohingya e os Rakhines pró-japoneses,
polarizaram os problemas étnicos na região, que tem um mosaico de diferentes
etnias, que não existe noutros países da região.
No período colonial britânico, em 1936 e 1939, vários
indianos arakaneses, como Gani Markan, foram eleitos para o Conselho
Legislativo da Birmânia como nativos da Birmânia britânica. Após a
independência da Birmânia, em 1948, os líderes de Rohingya ocuparam altos
cargos no governo e no parlamento birmanês. Em 1948, A. Gaffar defendeu o
reconhecimento oficial dos Rohingya como um dos grupos étnicos da Birmânia. Uma
das duas primeiras mulheres legisladoras da Birmânia, Zura Begum, foi eleita
pelos rohingya em 1951.
Durante a 2ª Guerra Mundial, os ingleses, estacionados na
Índia, formaram milícias anti japonesas constituídas por bengalis muçulmanos
mas alguns soldados britânicos foram forçados a admitir que estes corpos, às
vezes, preferiam atacar os aldeões budistas em vez de combaterem os japoneses...Os
ingleses não se preocuparam em organizar relações intercomunitárias após o fim
do conflito e as raízes do conflito permaneceram. Segundo o “Le Monde” (3) os
grupos combatentes rohingya chegaram a conflituar entre si e, enfraquecidos
pelas rivalidades internas, nunca conseguiram reunir mais de uma centena de
combatentes. Usaram o Bangladesh como rectaguarda de apoio. A Associação de
Solidariedade Rohingya, saída dos movimentos islâmicos do Bangladesh, foi uma
das mais ativas. Segundo o jornal, o actual Exército de Salvação do Rohingya de
Arakan, permanece uma força um tanto nebulosa. Alguns dizem que é teleguiado
pelos Rohingya exilados na Arábia Saudita e no Paquistão, mas os seus porta-vozes
asseguraram recentemente que a sua luta é desprovida de motivações jihadistas.
Há que se estar atento ao que trarão no bojo, digo eu.
Relativamente aos grupos étnicos, logo após a independência, em
1948, parte deles movimentaram-se no sentido de uma maior autonomia face ao
estado birmanês, o que conduziu à guerra civil.
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