Como muitos de vós, li o
ensaio de Jorge Sampaio que há dias o Publico publicou.
No essencial o ensaio
pretende o relançamento do europeísmo,
embora “seja hoje consensual o estado de
crise crónica do projecto europeu” e que “ninguém parece acreditar que Bruxelas (ou Berlim) tenha qualquer
iniciativa nos próximos meses para responder à crise da eurozona, para alterar
a ortodoxia financeira dos credores ou para criar as condições institucionais e
orçamentais que tornem possíveis programas de reforma nas economias mais
frágeis”. Mas continua a constatar que hoje, de uma forma já muito generalizada,
existe uma “ erosão da confiança na
Europa, no seu funcionamento, na sua capacidade de cuidar dos bens públicos
europeus e de responder às expectativas dos cidadãos”.
E, a propósito, estabelece que “se exige da Europa e dos países europeus a
determinação de se constituir como uma alternativa sólida, por um lado, à
financeirização da economia (parecendo
não aceitar a crítica ao neo-liberalismo, que, apesar de ir perdendo gás como
teoria económica, continua a determinar o pensamento e acção da maioria dos
dirigentes europeus) e, por outro, alternativa
também ao capitalismo autoritário de
“valores asiáticos” (não fica claro se com esta última expressão se
rejeita o relacionamento económico consistente com a China, o desenvolvimento
da gestão do seu capitalismo ou ainda o planeamento da actividade económica).
Não põe em causa a própria “Europa”
- termo impreciso onde cabe muita coisa - desígnio que, para além da rejeição
da financeirização, deveria explicitar opiniões, pelo menos, sobre a falhada
Constituição Europeia, as “deficiências” do euro, tratado orçamental, a austeridade
socialmente desigual, o tratado transatlântico TTIP, ou a NATO. E limita-se a
afirmar o óbvio “devemos reconhecer que a
Europa tem um problema imediato para resolver, e que são as deficiências da
moeda única. Há um conflito entre países em torno do cumprimento do Tratado
Orçamental, do reforço da união bancária e da definição de elementos de união
política. “.
Essa ausência de reflexões, e
outras considerações que faz permitem levá-lo a concluir que, de debate em debate sobre o “futuro da
Europa” (as aspas são do ensaísta), o Brexit e outros movimentos que
considera “populistas” foram ganhando terreno na opinião pública e na mudança
de realidades, se pudesse concluir que não se deveria ter discutido a Europa…para
se referir de seguida aos “radicalizados
(sic!) que à esquerda ou à direita, apelam ao fim do projecto europeu e ao
regresso do protecionismo e dos nacionalismos”.
A
questão da imigração, resultante das guerras que os EUA e a
“Europa” promoveram no Médio Oriente e Norte de África, seja imigração de quem
foge às grandes violências nestas guerras, seja a dos que chegam por razões
económicas, apenas lhe merece a identificação nela de um “polo de fricções e de clivagem no seio das sociedades europeias,
designadamente devido às migrações descontroladas do ano passado, à questão da
repartição e integração dos refugiados, que continua por resolver” e que
seria resultante da má gestão europeia da questão que, parte dos seus
dirigentes ajudaram a criar
Juntou
ainda os riscos da eleição de Trump às preocupações, que muitos temos, com
eleições do próximo ano na França e Alemanha. Mas para
concluir que é necessário restabelecer a confiança e reinventar a democracia, combinando
“a liberdade que vem do liberalismo com a
estabilidade, o bem-estar e a equidade social que vêm da social-democracia”.
Esquecendo, assim, que foram o liberalismo e a social-democracia os
responsáveis nas últimas décadas pelas políticas cujas consequências sociais, a
que não quiseram fazer frente, entregaram à extrema-direita extensas camadas de
deserdados, desempregados, flexibilizados. É à esquerda e não a esse bloco
central da nossa desgraça que caberá fazer frente às novas hordas.
Não é de estranhar, pois,
que Jorge Sampaio manifeste preocupações com “ o relacionamento transatlântico,
tão essencial à própria dinâmica intra-europeia, [que] está hoje suspenso por um pesado conjunto de incertezas,
resultantes quer de todas as incógnitas e indefinições que rodeiam a próxima
administração americana, quer, do lado europeu, das consequências do
"Brexit" na redefinição dos equilíbrios intra-europeus e do seu
impacto geral nas relações de cooperação, num vasto plano de matérias, incluindo a segurança e a defesa e nomeadamente
com a NATO”.
Para Jorge Sampaio, um dos
grandes desafios que se nos colocaria hoje seria reforçar o sentimento de
pertença dos europeus, e fortalecer o sentido dessa identidade partilhada,
revigorando o orgulho de ser europeu. Tudo
à frente do sentimento de pertença dos portugueses e do orgulho nacional, que
decididamente não quer reconhecer como alavancas da melhoria da vida dos
portugueses e para o relançamento da economia, da nossa identidade nacional, da
educação e da cultura, da projecção de Portugal no mundo.
Como
europeu, acima de qualquer outra condição, é na adesão à CEE que vê o alfa e o
ómega da nossa história contemporânea, instando-nos a garantir
uma participação “de qualidade” na União Europeia. E mostra-se preocupado com as
divisões que separam os europeístas e os atlantistas, e as cada vez mais fortes posições nacionalistas contra a integração
europeia, incluindo o Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, na ausência de
uma força populista de direita. Não sendo claro os inclui na categoria de “radicalizados”
(expressão que não pode ignorar se tem aplicado aos que percorrem o caminho da formação
como terroristas…).
Meu caro amigo, não me saem
da memória tempos em que os alinhamentos políticos eram outros, no movimento
estudantil que arrecadou vitórias ao fascismo, na experiência de uma coligação
inovadora em Lisboa que modernizou a cidade, correspondeu aos anseios dos
munícipes e a projectou internacionalmente ou ainda numa presidência da
república que impediu projectos negativos da direita. Tal como não me esqueço que,
em todos estes três casos, o aceder ao
protagonismo que o Jorge Sampaio pôde ter se deveu muito àqueles que parece
hoje designar por “radicalizados”…
Terá sido certamente como
europeu, acima de qualquer outra condição que, não fez uma única referência aos
portugueses.
Mas essas memórias iniciais continuarão
a ser as que mais pesam na imagem que mantenho de si.
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