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quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Crítica ao ensaio de Jorge Sampaio

(entre aspas vão passagens do ensaio)


 
Como muitos de vós, li o ensaio de Jorge Sampaio que há dias o Publico publicou.

No essencial o ensaio pretende o relançamento do europeísmo, embora “seja hoje consensual o estado de crise crónica do projecto europeu” e que “ninguém parece acreditar que Bruxelas (ou Berlim) tenha qualquer iniciativa nos próximos meses para responder à crise da eurozona, para alterar a ortodoxia financeira dos credores ou para criar as condições institucionais e orçamentais que tornem possíveis programas de reforma nas economias mais frágeis”. Mas continua a constatar que hoje, de uma forma já muito generalizada, existe uma “ erosão da confiança na Europa, no seu funcionamento, na sua capacidade de cuidar dos bens públicos europeus e de responder às expectativas dos cidadãos”.

E, a propósito, estabelece que “se exige da Europa e dos países europeus a determinação de se constituir como uma alternativa sólida, por um lado, à financeirização da economia (parecendo não aceitar a crítica ao neo-liberalismo, que, apesar de ir perdendo gás como teoria económica, continua a determinar o pensamento e acção da maioria dos dirigentes europeus) e, por outro, alternativa também ao capitalismo autoritário de “valores asiáticos (não fica claro se com esta última expressão se rejeita o relacionamento económico consistente com a China, o desenvolvimento da gestão do seu capitalismo ou ainda o planeamento da actividade económica).

Não põe em causa a própria “Europa” - termo impreciso onde cabe muita coisa - desígnio que, para além da rejeição da financeirização, deveria explicitar opiniões, pelo menos, sobre a falhada Constituição Europeia, as “deficiências” do euro, tratado orçamental, a austeridade socialmente desigual, o tratado transatlântico TTIP, ou a NATO. E limita-se a afirmar o óbvio “devemos reconhecer que a Europa tem um problema imediato para resolver, e que são as deficiências da moeda única. Há um conflito entre países em torno do cumprimento do Tratado Orçamental, do reforço da união bancária e da definição de elementos de união política. “.

Essa ausência de reflexões, e outras considerações que faz permitem levá-lo a concluir que, de debate em debate sobre o “futuro da Europa” (as aspas são do ensaísta), o Brexit e outros movimentos que considera “populistas” foram ganhando terreno na opinião pública e na mudança de realidades, se pudesse concluir que não se deveria ter discutido a Europa…para se referir de seguida aos “radicalizados (sic!) que à esquerda ou à direita, apelam ao fim do projecto europeu e ao regresso do protecionismo e dos nacionalismos”.

A questão da imigração, resultante das guerras que os EUA e a “Europa” promoveram no Médio Oriente e Norte de África, seja imigração de quem foge às grandes violências nestas guerras, seja a dos que chegam por razões económicas, apenas lhe merece a identificação nela de um “polo de fricções e de clivagem no seio das sociedades europeias, designadamente devido às migrações descontroladas do ano passado, à questão da repartição e integração dos refugiados, que continua por resolver” e que seria resultante da má gestão europeia da questão que, parte dos seus dirigentes ajudaram a criar

Juntou ainda os riscos da eleição de Trump às preocupações, que muitos temos, com eleições do próximo ano na França e Alemanha. Mas para concluir que é necessário restabelecer a confiança e reinventar a democracia, combinando “a liberdade que vem do liberalismo com a estabilidade, o bem-estar e a equidade social que vêm da social-democracia”. Esquecendo, assim, que foram o liberalismo e a social-democracia os responsáveis nas últimas décadas pelas políticas cujas consequências sociais, a que não quiseram fazer frente, entregaram à extrema-direita extensas camadas de deserdados, desempregados, flexibilizados. É à esquerda e não a esse bloco central da nossa desgraça que caberá fazer frente às novas hordas.

Não é de estranhar, pois, que Jorge Sampaio manifeste preocupações com “ o relacionamento transatlântico, tão essencial à própria dinâmica intra-europeia, [que] está hoje suspenso por um pesado conjunto de incertezas, resultantes quer de todas as incógnitas e indefinições que rodeiam a próxima administração americana, quer, do lado europeu, das consequências do "Brexit" na redefinição dos equilíbrios intra-europeus e do seu impacto geral nas relações de cooperação, num vasto plano de matérias, incluindo a segurança e a defesa e nomeadamente com a NATO”.

Para Jorge Sampaio, um dos grandes desafios que se nos colocaria hoje seria reforçar o sentimento de pertença dos europeus, e fortalecer o sentido dessa identidade partilhada, revigorando o orgulho de ser europeu. Tudo à frente do sentimento de pertença dos portugueses e do orgulho nacional, que decididamente não quer reconhecer como alavancas da melhoria da vida dos portugueses e para o relançamento da economia, da nossa identidade nacional, da educação e da cultura, da projecção de Portugal no mundo.

Como europeu, acima de qualquer outra condição, é na adesão à CEE que vê o alfa e o ómega da nossa história contemporânea, instando-nos a garantir uma participação “de qualidade” na União Europeia. E mostra-se preocupado com as divisões que separam os europeístas e os atlantistas, e as cada vez mais fortes posições nacionalistas contra a integração europeia, incluindo o Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, na ausência de uma força populista de direita. Não sendo claro os inclui na categoria de “radicalizados” (expressão que não pode ignorar se tem aplicado aos que percorrem o caminho da formação como terroristas…).

Meu caro amigo, não me saem da memória tempos em que os alinhamentos políticos eram outros, no movimento estudantil que arrecadou vitórias ao fascismo, na experiência de uma coligação inovadora em Lisboa que modernizou a cidade, correspondeu aos anseios dos munícipes e a projectou internacionalmente ou ainda numa presidência da república que impediu projectos negativos da direita. Tal como não me esqueço que, em todos estes três casos, o aceder ao protagonismo que o Jorge Sampaio pôde ter se deveu muito àqueles que parece hoje designar por “radicalizados”…

Terá sido certamente como europeu, acima de qualquer outra condição que, não fez uma única referência aos portugueses.

Mas essas memórias iniciais continuarão a ser as que mais pesam na imagem que mantenho de si.

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