O Le Monde publicou em 12 de Maio deste ano uma reportagem de um enviado
seu a Kabul sobre o que considerou ter sido esta uma Primavera sangrenta dos
talibans afegãos, que teriam passado a controlar um terço do território,
particularmente nas províncias do Norte.
A gravidade desta questão
junta-se à paralisia política da solução
imposta pelos EUA depois das eleições fraudulentas de 2014, de ter
o poder partilhado por dois adversários: o presidente Ashraf Ghani e Abdullah
Abdullah. Que atingiram a incompatibilidade. E junta-se ainda o nepotismo de uma série de governadores
provinciais que lança os habitantes nos braços dos talibans que detêm muito
dinheiro da venda do ópio que este beneficiará até de uma produção
extraordinária.
Hamid Karzai, que no final do seu
mandato já era particularmente crítico da presença dos EUA no seu país,
continua a sublinhar que a presença destes foi um fracasso. As redes terroristas
dos Haqqani e Hezbi Islam, esteve ativamente
envolvida desde 2010 numa revolta talibã por todo o país, que
incluiu centenas de assassinatos e ataque suicidas. O território controlado
pelo governo está cada vez mais reduzido. Cabul controla agora menos de 65% do
país. O governo está quase completamente ausente dos distritos do norte, como
Musa Qala, Sangin e Kajaki, que fazem fronteira com os países da CEI. Por isso,
para Karzai "alguma coisa está errada" e, portanto, “as forças
estrangeiras deviam deixar o país.
O Afeganistão está a constituir uma despesa extra-orçamental de vulto e a Câmara dos Representantes dos EUA já avisou Obama
de que deve apresentar um pedido de financiamento adicional. Isto deve-se ao
recuo do projecto de redução de tropas previsto para este ano. Mas o Congresso
parece não estar preocupado com isso mas sim com o que aconteceu aconteceu com
os 17 mil milhões de dólares destinados a apoiar as forças de segurança do
Afeganistão. A partir de 31 de maio de 2016 os Estados Unidos gastou quase 13
mil milhões de dólares com o exército afegão e 4,2 mil milhões para armar a
polícia afegã, não estando incluídos nestes gastos os da compra de armamento
pesado moderno. De facto, o exército afegão não tem qualquer avião militar,
instalações de mísseis, ou modernos helicópteros de combate. Todo o dinheiro a
isso destinado dinheiro evaporou-se inviabilizando qualquer assistência
significativa ao combate aos opositores do governo em Cabul.
Os EUA dispõem de
cerca de 9,8 mil soldados no Afeganistão, a grande maioria dos quais (6.950)
apoiam o exército afegão, e só os 2 mil soldados e oficiais restantes estão
diretamente envolvidos em operações de combate. Ao abandonar o compromisso da
sua redução, Obama pediu aos seus aliados da OTAN para apoiar esta sua
iniciativa mas nada está claro quer quanto a estratégia, quer quanto a recursos
para a sustentar. As forças da NATO estão longe de se
retirar do Afeganistão, treze anos após a intervenção militar norte-americana
contra os Talibã e a Al-Qaeda no território – em resposta aos atentados de 11
de Setembro de 2001 em Nova Iorque e Washington.
Os 28 países da Aliança Atlântica
comprometeram-se, na Cimeira de Varsóvia passada, a prolongar a missão de apoio
às forças afegãs para lá da data limite do final do ano.
Washington decidiu já rever em baixa a
redução dos seus militares estacionados no país (1.400 em vez de mais de 4.000
previstos), enquanto 13 mil soldados da coligação deverão permanecer no país em
2017.
A favor desta
permanência joga a crescente acção
terrorista dos talibans. Segundo a ONU, o número de vítimas de ataques
terroristas aumentou no ano passado, e sobretudo entre as mulheres e crianças,
o que éum indicador do aumento de combates em zonas urbanas densamente povoadas
e o abandono pelos talibans da exclusivo em matar militares afegãos.
No passado dia 23 de Julho, um
atentado, durante uma manifestação pacífica em Cabul, provocou a morte de, pelo
menos, 80 pessoas e ferimentos em mais de 230.
Durante a manhã, milhares de
manifestantes, maioritariamente da comunidade hazara xiita protestavam, quando
dois homens se fizeram explodir. Face às anteriores ameaças do governo aos
promotores da manifestação, estes acabaram por considerar que a autoria do
atentado tinha sido do próprio governo.
Os “enganos” dos EUA nesta guerra
continuaram e em Abril os “Médicos Sem Fronteiras” consideraram
“incompreensível” que os Estados Unidos tivessem atacado o seu hospital no
Afeganistão no ano passado e considerou leves as sanções administrativas sobre
os militares que levaram a cabo o ataque, depois de o Pentágono ter anunciado
que o bombardeamento de outubro não foi um crime de guerra, apesar dos 42
mortos.
Que contributo para fazer face a este grave problema podem trazer as
eleições presidenciais norte-americanas?
Hillary Clinton tem um
compromisso com a guerra. Sempre foi a favor do uso da força. Apoiou o
bombardeamento da Sérvia em 1999, votou a favor da guerra contra Saddam em
2003, criticou Obama quando este se recusou a bombardear a Síria e insistiu em
que se armassem os “grupos rebeldes”. Como Secretária de Estado em 2009, propôs
o envio de mais militares para o Afeganistão, que depois Obama viria a fazer, o
apesar de depois ter dito isso ter sido um erro.
Donald Trump, em 2003 pediu
a saída das tropas americanas e criticou o “desperdício” de milhares de milhões
de dólares na guerra o Afeganistão, propondo que esse dinheiro fosse aplicado
na “reconstrução dos Estados Unidos”. Já nesta campanha não falou nem em saída
nem em redução de efectivos, defendendo antes uma revisão de objectivos para
uma actividade de combate mais autónoma em vez de um simples apoio às operações
locais do exército afegão E sublinhou o perigo das armas nucleares paquistanesas
caíssem nas mãos de terroristas, sugerindo um reforço da aliança com a Índia
como contrapartida à influência do Paquistão nos assuntos do Afeganistão.
Negociações de paz neste quadro são difíceis de imaginar e a continuação do
conflito vai persistir.
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