Perspetivas para as legislativas
de França dos dias 11 e 18 de Junho
Muita gente em França está
convicta de que seria importante que se constituísse, na futura Assembleia
Nacional, uma maioria que contrabalançasse o liberalismo de Macron, e
viabilizasse um governo com cores de esquerda.
Porém não se estão a esboçar
acordos nesse sentido. Na 4ª feira, a “France insoumise”, de Mélenchon, em
conferência de imprensa de Martine Billard, Manuel Bompard e Bastien Lachand,
continuava a defender ser albergue para militantes de outros partidos, negando
estar em curso uma “pesca à linha” de personalidades nomeadamente do PCF,
querendo transpor os resultados que teve na 1ª volta das presidenciais para a
1ª volta das legislativas. E tencionando continuar nas legislativas a batalha
contra Marine Le Pen, mas passando do que foi uma maioria contra Marine numa
maioria com um programa de esquerda.
Afirmaram que o PCF interrompera
abruptamente negociações entre ambos – coisa que este refutou. Pierre Laurent,
secretário nacional do PCF no mesmo dia lamentou a interrupção pela França
Insubmissa de um acordo alargado e nacional que permitisse uma concorrência
conjunta às legislativas no maior número possível de circunscrições, acordo com
que a França insubmissa só concordaria se fosse tutelada por ela, debaixo do
seu programa com a diluição nele dos comunistas…E que dessa forma ficava
prejudicada a vontade dos trabalhadores de barrarem o ataque ao Código de
Trabalho por Macron e a entrada da Frente Nacional na Assembleia Nacional.
A ausência de acordos à esquerda
poderá levar a uma Assembleia dominada pelo “En Marche!”, de Macron e pela FN,
de Marine, atendendo ao perverso sistema uninominal eleitoral francês que nas
577 circunscrições, só permitirá a passagem à 2ª volta dos partidos que na 1ª
atingiram 12,5%.
No Partido Socialista, que sofreu
nas presidenciais uma pesada derrota resultante da política de Hollande e
Macron, ambos como projecto de destruição do PS, também perfilhado por Emmanuel
Valls, a situação é de debilidade tanto maior quanto ainda se mantem no seu
seio um resto dessa corrente de direita, em torno de Didier Guillaume que quer
apoiar sem condições ”a maioria presidencial”, a que se opõe uma corrente de
esquerda que quer o PS na oposição. No passado dia 9 o PS aprovou um
compromisso entre ambas as correntes, definindo uma linha de “autonomia
construtiva”, anunciada pelo secretário nacional M Cambadélis.
Não são conhecidos contactos
consistentes para acordos do PS quer com a “France Insoumise”, de Jean-Luc
Mélenchon, quer com o Partido Comunista Francês.
Por outro lado, a maioria presidencial
que o “Em Marche!” prepara, agora em torno da “Republique em Marche”, vai ser o
albergue de boa parte da direita do PS, de restos dos republicanos (alguns dos quais resistem) e de outros partidos
e movimentos de direita, mas com tensões resultantes do reduzido número de
candidatos oferecido a tão vasta clientela, como acontece com Francis Bayrou e
o seu MoDEM. E até de Valls, a quem foi recusada candidatura como deputado -
cairiam a Torre Eiffel e o Arco de la Défense se tivesse sido aceite porque
Macron ainda está em estado de graça - terá algumas compensações lá mais à
frente.
Na Frente Nacional, o
ex-presidente Jean Marie Le Pen, depois de ter deserdado Marine, criticou a
deputada-neta Marion (sobrinha de Marine) por ter suspenso sine die a actividade política, classificando o acto como uma
“deserção”. O velho Le Pen pretenderia talvez contar para se opor à reforma da
FN, que está em curso e que poderá levar à sua transformação num novo partido,
eventualmente com novo nome e com uma imagem que não seja de extrema-direita –
projecto que Marine Le Pen anunciou antes da 2ª volta, e que o pai, há muito
afastado pela filha de funções dirigentes, classifica de inaceitável “viragem à
esquerda”.
Sobre a crítica à Marine Le Pen
da extrema-direita e à sua suposta aproximação da esquerda
Que a FN de Marine comporta todos
os riscos previsíveis para um partido de extrema-direita, é uma consideração
que muitos (não todos) partilhamos mas com pressupostos e alcances diferentes.
Mas a crítica feita por Macron para capitalizar a reacção ao Medo atingiu
níveis pré-escatológicos… Para o sociólogo francês Jean-Claude Paye, na
campanha presidencial francesa muitos eleitores foram bombardeados com
mensagens enigmáticas que não tiveram tempo para analisar, mas de que ficam
impregnados.
E refere que por exemplo, que
durante no comício de Amiens, Emmanuel Macron acusou Marine Le Pen de se
refugiar junto dos prussianos durante o cerco de Paris em 1870...e por
compartilhar a ideologia destrutiva da Alemanha...em 1914. Exclamando exaltado:
"Isso não! Isso não! Isso não! ". “É claro que não ouvimos esta
mensagem, mas compreendemo-la: Marine Le Pen não seria a encarnação da Nação
que afirmava ser, mas da Traição. Devemos barrá-la e, portanto, votar Macron”.
O sociólogo Jean-Claude Paye explica por que poucos reagiram a este delírio
cuidadosamente preparado e transmitido com firmeza por todos os canais de TV.
O sociólogo referiu outros casos
como o da “acusação a Le Pen e aos seus amigos, "refugiados no castelo de
Montretout" de compartilharem a mesma ideologia que o agressor e de
quererem empurrar a França para uma guerra idêntica. E exclamando
veementemente: " Isso não! Isso não! Isso não! ". O castelo de
Montretout, onde Marine Le Pen foi educada, tinha sido tomado pelos prussianos
durante o cerco de Paris em 1870...O termo "refugiados do castelo de
Montretout" evoca, assim, uma ligação entre a Marine Le Pen, criança com o
rei da Prússia e o imperador alemão Guilherme I.
É a primeira vez que se inventa
um nexo de causalidade entre a guerra de 1870, a Primeira Guerra Mundial e a
Frente Nacional. Ora Marine Le Pen nasceu em 1968...
Os resultados, que colocaram
Macron à frente na 1ª e na 2ª volta, não são uma surpresa. As sondagens há
muito que o apontavam. Para o sociólogo, a incapacidade de nos surpreendermos é
o resultado da acção sobre o superego que "é precisamente esta instância
que, tendendo a tirar ao homem a capacidade de se surpreender, a deixa
afundar-se no "já conhecido" ("déjà vu”).
Ser imperioso que todas as
candidaturas que não passaram à volta, terem de ir “votar Macron para barrar o
fascismo” aparece como imperativo categórico, obra de um superego arcaico que
aparece particularmente quando o indivíduo é levado a fazer uma escolha. Com
que superego lidamos para votar em Macron? Para Jean-Claude Paye, não é o
superego de natureza paternal, herdeiro do complexo de Édipo, apesar da
insistência de comando para se constituir em dever, como uma consciência moral…
Muitos dos eleitores que
acabaram por votar Macron fizeram-no a contra-gosto. Na verdade, o imperativo para votar em Macron, especialmente na 2ª volta,
não era, geralmente, nem um verdadeiro "sim" nem um verdadeiro
"não". Isto mais parece corresponder a uma estrutura psicótica em que
nenhuma objecção pode defrontar esse apelo.
Dito isto, importa que fique
claro que a identificação expressa de Marine Le Pen com reivindicações dos
trabalhadores e com a saída do euro têm, de facto, um carácter populista, por
serem alheias a uma perspectiva de diferenciados interesses de classe, que não
encontrámos agora nem encontraremos na FN “reformada”.
Macron: o candidato que disse
tudo e o seu contrário
Quanto à sua ideologia, no
France-Inter, em Dezembro de 2014, afirmou “Eu sou socialista”. Mas em Agosto
de 2016 afirmaria, no decurso de uma visita a Puy du Fou, em Agosto de 2016, “A
honestidade obriga-me a dizer-vos que não sou socialista”. Já na 2ª volta disse
que não era de esquerda nem de direita e que o seu programa era de uma economia
liberal.
Em matéria de política fiscal, em
entrevista à revista ”Risques”, em Maio de2016, afirmou sobre o IFS “é preciso
preferir taxar a sucessão do que aumentar impostos do tipo do IFS” mas em 2 de
Fevereiro deste ano já dizia “Eu vou suprimir a parte do IFS que financia a
economia”, precisando que visava “a posse de acções e o financiamento das
empresas.
Ou quanto à duração da jornada de
trabalho, em entrevista ao “Obs”, em Novembro passado disse “Quando se é jovem,
35 horas não é muito. É necessário maleabilidade e flexibilidade”, já num
comício em Novembro passado afirmou “A duração legal do tempo de trabalho vai
manter-se nas 35 horas., remetendo, porém, para acordos de empresa o seu
eventual aumento.
Outros exemplos se poderiam
referir, nomeadamente já na 2ª volta. Mas, fiquemos por aqui.
Quanto ao que realmente quer
Macron fazer
Procuramos reter aquilo que, de
facto, lhe sentimos, no pulsar do entusiasmo, como o mais importante para ele.
Defensor da União Europeia, não
está de acordo com a mutualização da dívida passada mas quanto à futura até
poderá estar se houver reformas estruturais na UE como a criação de um
Ministério Economia e das Finanças para todos os países…
Macron aposta ainda em mudanças
na zona euro, como um orçamento próprio para os 19, a criação de um Parlamento
dos países da moeda única e desse cargo de ministro da Economia e das Finanças
do euro. O Presidente eleito aposta ainda na coesão, querendo trabalhar para
uma harmonização dos direitos sociais – nomeadamente as regras do subsídio de
desemprego e salário mínimo. O que, em termos práticos, quer dizer nivelar por
baixo
Quer reforçar o eixo
franco-alemão, o que, traduzido, quer dizer aceitar a liderança alemã da EU e
continuar a isentar a França das consequências por déficite excessivo e saldos
negativos, prerrogativas que não aceita para outros países como Portugal.
Apesar de anunciar a intenção de reduzir a despesa pública na ordem dos 60 mil
milhões de euros durante o seu mandato, comprometendo-se a conseguir o défice
de três por cento exigido pelas autoridades europeias.
Macron defende a manutenção do
acordo CETA de livre-comércio com o Canadá, cavalo de Troia do TTIP que está a
ser discutido com os Estados Unidos, e que beneficia as multinacionais e não os
cidadãos, desregulamenta o comércio, fazendo baixar os padrões sanitários e de
qualidade na Europa. Um aspecto também muito grave é o da arbitragem dos
denominados tribunais de investimento, sistema privado de administração da
justiça entre os investidores e os Estados com que se pretende uniformizar
interpretações e acelerar decisões, ultrapassando os tribunais nacionais e
mesmo comunitários.
Quanto à legislação laboral, quer
ir mais longe do que fizeram Hollande e Valls, introduzindo as “ordonnances”,
mecanismo através do qual o Parlamento atribui ao Governo competência para
legislar em matérias que são da responsabilidade da própria Assembleia da
República. O diploma é depois votado no Parlamento, mas não é discutido nem
pode ser alterado pelos deputados…O que revela, além do mais, um completo
desrespeito pela democracia representativa. Já a mudança anterior da lei
laboral, altamente contestada nas empresas e nas ruas, foi aprovada sem voto no
Parlamento, com o Governo a recorrer ao já famoso artigo 49.3, que permite
aprovar um diploma sem voto no Parlamento.
Propõe-se, por outro lado,
alargar os acordos de empresa, a que defende dever ser dada primazia, em
detrimento da contratação colectiva, que também seria prejudicada
Quer manter a idade da reforma e
o modelo geral das 35 horas de trabalho semanal, mas quer facilitar o aumento
da carga laboral através de acordos nas próprias empresas.
Quanto à segurança social, Macron
quer reduzir as contribuições pagas pelos trabalhadores de forma que quem ganhe
2200 euros brutos consiga …mais 500 euros ao fim do ano, grande truque par dar
a ilusão de um aumento salarial sem revelar as consequências que isso terá nas
prestações sociais.
Até 2022 quer reduzir em 120 mil
os trabalhadores da função pública.
O Estado Social vai ser reduzido,
aguardando-se intenções quanto a como serão afectados a Educação e a Saúde
Pública.
Mas já em matéria de Defesa, quer
que os gastos sejam aumentados, com o objetivo de chegar aos dois por cento do
Produto Interno Bruto, como reclama o amigo americano.
Pretende reduzir em um terço o
número de deputados e senadores, o que irá distorcer ainda mais a
proporcionalidade do apuramento de eleitos, já hoje distorcida por uma 2ª volta
que favorece, a “governabilidade” em detrimento do pluralismo. Se bem que fale
ao regresso à proporcionalidade.
Macron pretende centralizar a
administração local, reduzindo em um quarto o número de departamentos franceses
(estrutura administrativa que se encontra entre as cidades e as regiões). O
objetivo é agrupá-los às grandes metrópoles.
Quanto à guerra contra Síria,
repescando o requentado dossier das armas químicas que não seriam dos
terroristas mas sim da Síria, é categórico: Com ou sem mandato da ONU, no
quadro da coligação existente, tomará medidas para neutralizar as capacidades
químicas de Bachar el-Assad…
Quanto à Rússia, não tenciona
alterar o quadro de isolamento, sanções e diabolização praticado pelo amigo
Hollande.
Fiquemo-nos por aqui.
A comunicação social portuguesa,
como outras de outros países, teve a pouco digna tarefa de imporem a votação em
Macron contra a “ameaça fascista” de Le Pen.
E levaram a festa até aos
resultados como o director do Público, David Dinis, que afirmou na edição do
passado dia 8 que “dois terços dos franceses elegeram Macron Presidente”.
Das duas, uma: ou David Dinis é
ignorante ao ponto de não saber fazer contas básicas (e não deveria ser
director do jornal) ou não é, sabe que está a faltar à verdade (e então
percebemos porque é director do Público).
Ora os resultados finais dizem o
seguinte: no cômputo dos votos em ambos, Emmanuel Macron recolheu 66,10 % e
Marine Le Pen 33,90%.
Descontados que foram a Abstenção
de 25,44% (os que não se deslocaram às urnas para votar) e os 11,47% de Brancos
e Nulos (os que foram às urnas manifestando o seu desacordo com qualquer dos
dois candidatos) dos 47 448 929 franceses inscritos nos cadernos eleitorais
votaram, nos dois candidatos na 2ª volta, 31 340 814, isto é, apenas 66,05 %
dos inscritos. Assim, em Macron votaram na 2ª volta 20 703 694 eleitores ou
seja 43,63% dos inscritos (2 em cada 5 franceses) e em Le Pen votaram 10 637
120, ou seja 22,42 % (1 em cada 5 franceses)
Os eleitores que votaram na 1ª
volta e se passaram a abster na 2ª volta foram 1 463 741. Na 1ª volta, o voto
de protesto (branco ou nulo) que era de 944 733 votantes, passou a ser na 2ª
volta 4 066 802.
Em Portugal 13.121 franceses
estão inscritos como eleitores em Lisboa e no Porto. Desses votaram 26,5% em
Macron (1 em cada 4) e 4,44% (1 em cada 23) em Le Pen.
Estas eleições, outros resultados
eleitorais e o futuro da União Europeia
Não sendo aceitável escrever
muito mais, terminarei dizendo que estes resultados vão ser, pelo que se disse,
negativos para o povo francês, para os povos da União Europeia, que verão
acentuar-se os seus traços mais negativos, mas também negativos para a Paz,
sendo de registar que, uma vez mais o capital e a direita estimularam a
fragmentação à esquerda.
Tal como prevíramos há uns meses
a ameaça da extrema-direita na Europa, que tem, de facto, ficado em minoria,
foi o mote para que os governos de “entendimento ao centro” tivessem mais um
fôlego. Isso vai confirmar-se com as eleições na Alemanha e na Itália. Depois
de isso se ter confirmado até hoje na Áustria, Holanda e agora na França.
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