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sábado, 20 de maio de 2017

"Amar pelos dois", alguns significados e naturais desejos

Passado que foi o Festival e que alguma poeira já assentou,  permitam-me expressar alguns desejos.
Espero que a repetição da canção na rádio não nos leve à saturação. Todos desejamos ao Salvador Sobral que o turbilhão em que tenderá a ser envolvido lhe não retire, como poderia acontecer, a serenidade e não o desvie do rumo de seriedade, de autenticidade, da valorização da música pelo que ela vale, dispensando encenações, bailarinos, coreografias, cenários e vídeos estonteantes, raios laser, complexos jogos de luz e fogos de artifício.
Espero ainda que não venha por aí uma onda de condecorações, nem por iniciativa das entidades nem pela aceitação por parte destas de uma pressão mediática nesse sentido. Ontem um jornalista perguntava ao Presidente da República quando é que ele iria receber uma medalha... 
Espero, acima de tudo, que se possa pensar mais no(s) significado(s) do que aconteceu.
"Amar pelos dois” recebeu uma votação transversal a todos os agrupamentos nacionais. Portugal venceu o Festival Eurovisão 2017 com a maior pontuação da história do concurso. Salvador Sobral e "Amar Pelos Dois" conquistaram 758 pontos, sendo 376 oriundos do televoto e 382 do júri. A candidatura portuguesa foi pontuada por todos os países no televoto, recebendo doze pontuações máximas. Por outro lado, na votação do júri foram dezoito os países a atribuir a pontuação máxima, sendo que apenas os júris de Montenegro e Bulgária não pontuaram Portugal.
Os resultados desta edição afastaram-se completamente de um estudo do Le Monde feito sobre as votações entre 1990 e 2016.
Esse estudo apresenta uma tendência para as votações dos países serem nos países vizinhos, formando verdadeiros e compreensíveis agrupamentos regionais de solidariedades que transportam proximidades culturais e sociológicas, para além de lógicas de mercados regionais. 

Assim, segundo esse estudo há (havia) um agrupamento estruturado em torno da Suécia, da Noruega e da Finlândia, um outro em torno da ex-Jugoslávia e a que se associava também a Turquia, e um outro em torno dos países da Europa Oriental, a que se juntavam Chipre e a Grécia. Fogem (fugiam) a esta lógica os países bálticos e anglo-saxónicos que se constituem como extensões do agrupamento escandinavo e a Espanha com um encosto ao agrupamento do leste europeu (Porquê? pergunto eu. Será a cultura cigana? Porque entre os dois países ibéricos também se podiam identificar permutas de votações...). A França, Portugal e também a Alemanha e outros países da Europa Central não entravam tão claramente em nenhum destes agrupamentos.
Ora a canção portuguesa fugiu a todas estas “lógicas”. Recebeu a votação máxima de países de todos estes agrupamentos e dos “não-alinhados”.

Todas as especulações sobre os efeitos neste tipo de concursos surgem naturalmente num quadro em que o interesse comercial, que comandou a globalização, também globalizou o gosto, as letras e músicas, as composições e arranjos, as distrações do essencial da música e onde um exemplo pode desencadear um “basta!” a uma escala muito vasta pelo menos no continente europeu.
No futuro importa que outras mudanças acabem com a inaceitáveis exclusões como foi este ano a de uma cantora russa por ter cantado antes…na Crimeia depois de esta ter  deixado a Ucrânia e ingressado na Federação Russa ou a confrontações desadequadas como a que há dois anos foi vertida para a letra da música vencedora da Ucrânia em jeito de confrontação com a Rússia. Para já não falar já na pressão dos organizadores ucranianos para que Salvador Sobral não vestisse uma t-shirt de apoio aos imigrantes!

Ganhou a qualidade da interpretação, da música, da simplicidade do que é feito com seriedade contra o poder dos estereótipos e da formatação do gosto. Mas também a votação do público e a do júri revelam que não há inevitáveis e há um espaço para o novo e a novidade. Nesta área como noutros aspectos da contemporaneidade. Mais uma vez a música apela ao nosso inconformismo e autoestima.

Mas também importa claramente reconhecer que esta não é a melhor canção, nem no nosso panorama musical nem mesmo das canções portuguesas que, há meio século, têm representado o país na Eurovisão. Há uma conjugação de factores conjunturais que facilitaram o resultado desta bela canção, desejando eu que tenha impacto para que mude muita coisa dos comportamentos formatados nesta globalização.
Salvador e Luísa fazem parte dessa riqueza que o país tem de intérpretes, músicos, compositores, letristas que são para ele um bem maior.

Parabéns a ambos e a todos os que construíram esta vitória.

 

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