Número total de visualizações de páginas

quarta-feira, 3 de maio de 2017

O X Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, 1973, em Berlim, capital da RDA


Há algumas semanas atrás eu e a Margarida Silva decidimos arrancar com um encontro da delegação portuguesa...44 anos depois! A ideia já tinha sido sugerida antes por outros camaradas. Confraternizamos e pusemos as memórias em dia.
Por isso vos escrevo estas palavras.


Medalha evocativa
A campanha de apoio em Portugal ao X Festival terá tido outras iniciativas no 1º semestre de 1973.
Eu participei em duas delas. 
Uma foi a montagem, com outros camaradas da UEC,  de uma banca com um comunicado da Comissão Preparatória portuguesa na Cantina da Cidade Universitária e uma foto de Nguyen Van Troi, momentos antes do seu fuzilamento às mãos dos fantoches sul, que ainda ficariam no poder até serem derrotados em 1975 para o Vietname se reunificar em 1976. Mas nesse ano do Festival, já tinham sido assinados os Acordos de Paris e nesses dias, estando nós em Berlim, os EUA retiravam do Vietname.  Nesta banca recolheram-se fundos para o Festival.

O primeiro comunicado da Comissão Nacional portuguesa
para o X Festival





 
Um outro  foi um encontro nacional de juventude num pinhal em S. Pedro de Moel, que viria a ser cercado por agentes PSP e GNR, armados com metralhadoras, carros, parte dos quais sem identificação, furgões, sob a direcção de agentes da PIDE que impediram a reunião, obrigaram à dispersão dos presentes e nos roubaram vários exemplares de propaganda.
Quanto à viagem, saímos no combóio para Paris em pequenos grupos, separados e em diferentes momentos. No meu grupo iam também a Margarida Vicente da Silva, e a Teresa Gafeira, ambas estudantes de Belas Artes. Foi uma viagem em que nos passamos a conhecer melhor e cantámos.
Chegados a Paris, eu fui encontrar-me com o Silas Cerqueira, numas instalações do CNRS, onde ele trabalhava, e depois com o José Oliveira e Helena Bruto da Costa que, com outro camarada, constituíam o colectivo partidário  que recebia os viajantes para com eles tratarem de questões de natureza logística, antes de seguirmos para Berlim.

Para mim estava reservado o papel de responsável da componente estudantil da delegação, de cerca de 70 jovens vindos do país. Havia também a componente dos jovens trabalhadores de que foi responsável a Anabela Fino, hoje jornalista do Avante!. Edo Norte vinham outros camaradas.
De Lisboa vinham connosco filhas de funcionários do Partido que estavam na clandestinidade. A Manuela Pedro, a Teresa Dias Coelho e a Lisa Veloso.
A Paris juntaram-se a nós outros jovens exilados ou emigrantes (Luís Cília, o Manuel Torres, o Jorge Rodrigues, o Carlos Fino e outros de que agora me não lembro, uns de França outros da Bélgica).



A FDJ desfila com um cartaz "Liberdade para os patriotas
portugueses!"


A escola onde estivemos, hoje reabilitada e rebaptizada

A delegação portuguesa prepara-se para desfilar, muitos de caras tapadas
A viagem da gare de Saint-Lazare até Berlim decorreu com muito convívio até Frankfurt e depois da passagem para uma composição da Alemanha Federal onde nesse ambiente continuamos, apesar da frieza com que éramos tratados pelos funcionários da empresa de caminho-de-ferro. Até as fardas nos lembravam as das SS. Quando o pessoal do comboio mudou para uma composição  com tripulação da RDA, o ambiente com eles passou a ser muito diferente. Saudaram-nos com largos sorrisos e distribuição de guloseimas.


Depois de chegarmos a Berlim fomos para uma escola onde ficamos até ao nosso regresso, fazendo a viagem do metro para a zona da Alexanderplatz, da Unter der Linden (Avenida das Tílias, a mais importante avenida de Berlim, por onde se realizou o desfile dos participantes no Congresso no primeiro dia) ou das pontes sobre o rio Spree.



Perto da escola, em cujas camaratas ficamos alojados nesses dez dias, consegui uma vez falar mais de uma hora com uma senhora idosa duma vivenda, cujo filho tinha morrido em Berlim já em combate com os soviéticos. Nem ela sabia português, francês ou inglês e eu nada sabia de alemão. Mas conversámos e fizemo-nos entender.


No desfile na Unter der Linden
O desfile inaugural foi magnífico, durante horas. Com danças, muitas violas, tambores e concertinas.
E o mesmo aconteceu com a abertura do Festival no estádio Karl Marx.
Alegrias particulares tivemos à passagem dos jovens chilenos, do Vietname, da delegação portuguesa, das delegações cubana, espanhola e francesa, e da proximidade com personalidades como Angela Davies, Yasser Arafat e Valentina Tereshkova. Emoções diferentes tivemos observando uma exposição sobre Amílcar Cabral, assassinado em Janeiro desse ano em Conacri.

As zonas da cidade por onde andámos tinham uma actividade feérica com música em palcos, debates e minicomícios nos jardins, pequenos desfiles e muito convívio e namoricos. Tudo a cair bem com a nossa maneira de ser e de estar na política.

Chegada da delegação portuguesa ao estádio Karl Marx
 
Tiveram um convívio mais intenso connosco os jovens do Chile e da Guiné-Bissau/ Cabo Verde.

O Luís Cília, um dos mais animados nestas folias, que me lembre,   ganhou por lá um concurso musical.

O que mais me impressionou na RDA foram as pessoas, o seu nível cultural, a afabilidade na recepção. Entre jovens e na população mais adulta.
É certo que vivemos naqueles dez dias num ambiente muito próprio onde a atração foi facilitada, mesmo para quem, como eu, dando atenção, em anos anteriores, a vários críticos dos países socialistas, estava atento à descoberta de deficiências do regime.
A recepção da FDJ (a organização juvenil da juventude alemã) foi extraordinária e, apesar daquele jeito das fardas azuis, descobri jovens como nós, muito diferentes uns dos outros, com certezas mas com mais aspirações além do que já tinham, e de que a maior parte dos jovens portugueses não podia beneficiar, libertos de tabus nas relações pessoais que então nos dominavam em Portugal. Um beijo apaixonado na rua e algumas carícias seriam em Lisboa um caso de polícia. Ali eram tão naturais como o amor. E vi mesmo casais homossexuais entre esses militantes da FDJ, coisa que para alguns de nós ainda seria perturbante.
“Frieden, Freundschaft, Solidarität” (Paz, Amizade, Solidariedade) e o Hino da FDJ nunca mais me saíram do ouvido.
A combatividade e a unidade anti-imperialista eram ali tão naturais como as águas do Spree.
Nunca fui impedido de circular por onde quisesse, incluindo no U-Bahn. Claro que os inquiri sobre a questão do muro e as razões que me avançaram pareceram-me então plausíveis, bem diferentes das invocadas na construção, trinta anos mais tarde, por Bill Clinton, Viktor Orban, ou Netanyhau, dos muros nos seus países. Vários troços do muro não tinham polícia e pareceram-me facilmente transponíveis.
 
Quanto à nossa delegação, era composta por jovens trabalhadores e estudantes, comunistas ou simpatizantes, com uma grande abertura de espírito e capacidade de conviver, entre si, e com as delegações com quem contactámos.

Luís Cília chama a atenção para a foto de militares
portugueses a decapitarem um guerrilheiro
 
Para alguns de nós, que nele participaram, o momento mais emocionante foi um meeting num amplo salão em que participaram centenas de jovens portugueses, da Guiné-Bissau e Cabo Verde, de Angola e Moçambique e alguns responsáveis dos nossos hospedeiros e da URSS. Pelos portugueses falei eu, do PAIGC falou o Sérgio Vieira e dos outros não me lembro já.
Sensação para mim insólita e inusitada foi um beijo na boca que recebi de um soviético, que estava comigo na mesa, ainda por cima, com a barba dura por fazer (brrrr!).

Como a minha estada em Berlim coincidiu com o meu 26º aniversário, tive o privilégio de, com outros festivaleiros, que faziam anos nesses dias, almoçar no restaurante rotativo da bola da magnífica torre de TV!


No regresso, a partir de Paris, deixamos as muitas prendas nas mãos do José e Helena, em Paris, que nos iriam ser enviadas mais tarde. Saímos de França de novo em pequenos grupos. A mim calhou-me a companhia do saudoso Murad-Ali Mamadussen, que viria a ser secretário do presidente Samora Machel e que morreria com ele no desastre (?) do avião quando sobrevoava o território sul-africano.  Estávamos a chegar a Santa Apolónia e o Murad-Ali levantou a camisa revelando por baixo uma t-shirt com a efígie do Amílcar Cabral. Eu ia-me passando e ele sorria...
Neste nosso encontro, agora, participaram, para além de mim próprio, eu, a Margarida Vicente da Silva, a Manuela Pedro, a Natércia Pedroso, o Pedro Filipe, a Luísa Andrade, o Paco (Francisco Vinuesa), o Abílio Silva, a Mariana Bota, a Bárbara Judas e a Teresa Dias Coelho.
Não puderam estar por estarem fora ou com outros encargos o Paulo Areosa, o Manuel Aranda da Silva, o Luís Cília, o José Oliveira, a Isabel Redol.
Já não estão entre nós mas lembramos ainda a Helena Bruto da Costa, a Leonor Judas, a Sita Vales, o Murad-Ali e a Lisa Veloso.

2 comentários:

  1. Obrigada António Abreu pelo excelente texto e pelo reavivar de memórias..Um abraço.

    ResponderEliminar
  2. O que aconteceu com a Lisa Veloso, minha camarada no Técnico?

    ResponderEliminar