As palavras de António Costa escritas no DN no 1º de Maio são importantes por serem compromissos genéricos mas não é possível melhorar as condições de vida e trabalho dos trabalhadores portugueses sem romper com a política do passado, com acções que vão além da reposição de rendimentos e direitos já realizada com este governo.
Portugal é um dos países com maiores desigualdades salariais em
resultado de uma injusta distribuição da riqueza, que se acentuou ao longo da
vigência da moeda única. Não é admissível que no espaço de 40 anos, a parte
do rendimento que ia para os salários tenha caído de 66 para 33,6%. Hoje
trabalhamos mais e recebemos menos, temos um ganho médio anual de apenas 51% da
média europeia e somos o sétimo país da U.E. onde mais se empobrece a trabalhar.
Apesar do desemprego estar a baixar, a precariedade não para de
aumentar. Portugal não se desenvolve económica e socialmente quando 8 em
cada 10 empregos criados têm vínculos precários, com redução de rendimentos que
variam entre os 30 e os 40% relativamente aos trabalhadores com vínculos
efectivos e se obriga uma parte significativa dos nossos jovens a emigrar,
levando consigo o investimento que fizemos na sua formação e que outros vão
rentabilizar e impedindo-os de viver, trabalhar e serem felizes no país que os
viu nascer.
Na sequência do Orçamento para
2017, ficou definido como prazo para a entrega de um «programa de regularização
extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública» o primeiro
trimestre de 2017. Este processo iniciou-se, estão previstas intervenções
concretas dos sindicatos nos processos, mas ainda é cedo para tirar conclusões.
Mas o governo não previu ainda
medidas com o mesmo objectivo para o sector privado.
E não desbloqueou ainda a questão
da progressão e o descongelamento das
carreiras na Função Pública, em relação à qual o governo tem um anunciado
acordo com a UGT…
Importa dar resposta à exigência
da eliminação das normas gravosas da
legislação laboral. De facto, a desregulação dos horários, a intensificação
dos ritmos de trabalho, uma crescente penosidade do trabalho por turnos, as
discriminações salariais entre homens e mulheres e um clima de medo e assédio
que hoje se verifica em muitos locais de trabalho, para que os direitos
individuais e colectivos não sejam exercidos. É preciso pôr termo às normas que eliminaram ou restringiram
direitos dos trabalhadores, reduziram os seus rendimentos, facilitaram os
despedimentos, agravaram a precariedade dos vínculos laborais, favoreceram a
chantagem e o arbítrio patronal, degradaram as condições de vida e de trabalho
e acentuaram a exploração e o empobrecimento dos trabalhadores.
Sobre a contratação colectiva
Através da contratação colectiva, uma das grandes conquistas do 25 de
Abril, os trabalhadores asseguraram
a fixação e actualização dos salários; a regulação dos horários e a sua duração
máxima diária e semanal; o reconhecimento das qualificações e a definição das
funções, categorias, enquadramentos e carreiras profissionais; a estabilidade
dos vínculos contratuais e a proibição dos despedimentos sem justa causa; o
direito a dias de descanso e a férias pagas; as condições de deslocação em
serviço; o pagamento de trabalho suplementar, de trabalho nocturno e subsídio
de turnos; o direito à formação profissional; as condições de prestação de
trabalho em regime de turnos e as medidas de prevenção dos riscos
profissionais; vários benefícios sociais, tais como cantinas e refeitórios,
assistência médica, creches e infantários, e muitos outros direitos laborais e
sociais.
Foi por força da luta, e não pela vontade do patronato, que foram
conquistados estes direitos, foi também pela luta que muitas destas conquistas
foram consagradas em lei e foi, ainda, com a continuação da luta, que os
trabalhadores resistiram aos ataques
para os destruir.
Em Portugal, o direito de contratação coletiva encontra-se consagrado no artigo 56.º
da Constituição da Republica Portuguesa, como um direito fundamental integrado
no capítulo «Direitos, Liberdades e Garantias dos Trabalhadores», beneficiando
do regime do artigo 18.º, da Lei fundamental. Segundo o dirigente da CGTP-IN,
Joaquim Dionísio, o regime constitucional da contratação coletiva foi, assim,
colocado no patamar mais elevado dos direitos fundamentais. Na Lei, de acordo
com o disposto no artigo 485.º do Código do Trabalho, sob a epígrafe «promoção
da contratação coletiva», diz-se que «o Estado deve promover a contratação
coletiva, de modo que as convenções coletivas sejam aplicáveis ao maior número
de trabalhadores e empregadores.
Os governos deveriam, pois, agir
em conformidade. Mas não o têm feito, antes têm procurado retirar os direitos
dos trabalhadores, e retirar a sua discussão da Assembleia da República para a
Concertação Social.
É claro porque o fazem: a contratação colectiva, sendo pouco aplicada,
contribui muito para o agravamento da exploração e dos direitos dos
trabalhadores, permitindo ao patronato grande discricionariedade, quando a
contratação colectiva está pujante melhoram salários e outras regalias, os
direitos são mais observados, e os
trabalhadores estão mais defendidos dessas discricionaridades.
Até ao Código de Trabalho de 2003, a lei impunha que a convenção
colectiva vigorasse até ser substituída por outra.
Em 2004 o governo de Durão Barroso, do PSD/CDS, introduziu a
clausula da Caducidade, argumentando que isso dinamizaria a contratação
colectiva e permitiria a renovação da contratação, com a celebração de muitos e
mais atuais contratos coletivos de trabalho… Foi tudo treta, como seria
de esperar.
A alteração do regime da
contratação colectiva, ao passar na mesa da concertação social, abriria o
caminho à redução do período de vigência das convenções colectivas.
Em 2009, o governo do PS com o Primeiro-Ministro José Sócrates
aprovou um novo Código do Trabalho, congeminando um modelo de baixos salários e precariedade ao jeito da vontade do patronato mais
retrógrado representado pela CIP, e nele introduziu, ainda, novas normas
visando a fragilização dos sindicatos que
permitissem a eliminação das convenções colectivas.
Entretanto, entre 2011 e 2014,
foram mais de um milhão de trabalhadores que sofreram uma efectiva redução de
direitos e rendimentos.
Em 2014 o governo de Passos Coelho e Paulo Portas deu sequência ao
trabalho de Barroso e Sócrates. com a Lei 23/2012, de 25 de Junho, suspendeu
cláusulas de convenções coletivas, alterou e revogou outras, para reduzir
direitos e retribuições, no que constituiu uma intromissão, intolerável, no direito de contratação coletiva, de
que o Tribunal Constitucional, pelo Acórdão 603/2013 inviabilizou algumas
das normas, não todas, claramente anti-constitucionais. Depois disso, com a Lei
55/2014, de 8 de Maio, acelerou a
caducidade das convenções, livremente negociadas, reduzindo o seu prazo, de
cinco para três anos, e passando os prazos de sobrevigência para 18 meses, e
prevendo uma segunda redução para dois anos, decorrido que fosse um ano da
publicação desta Lei. O que estaria em vigôr se o governo tivesse continuado
depois das eleições de Outubro de 2015.
Em Julho de 2014, com os votos contra do PS, PCP, BE e PEV, a maioria
do PSD/CDS alterou o Código de Trabalho em termos muito contestados pelo
movimento sindical. Aprovou, por exemplo, o
prolongamento do período para a redução do pagamento do trabalho
extraordinário, enquanto reduziu os prazos de caducidade e de sobrevigência das
convenções coletivas de trabalho. O diploma também estipulou que as
alterações só devem acontecer após avaliação positiva pelos parceiros sociais,
o que requer parecer favorável de metade das associações sindicais e patronais.
As novas regras que aceleraram a
caducidade das convenções colectivas foram publicadas depois em Diário da
República e entraram em vigor no dia 1 de Setembro de 2014, no governo do
PSD/CDS. Os argumentos a favor por parte do governo e patronato eram que o trabalhador
poderia querer maior rigidez ou exigências no seu regime de trabalho e que a
realidade empresarial era dinâmica, exigia rapidez de adaptação, capacidade de
responder a novos reptos….Enfim a lenga-lenga do costume.
Nestas alterações ao Código do
Trabalho, o Governo acelerou os prazos que podem levar à caducidade das
convenções colectivas. Estas convenções definem salários mínimos, regras de
gestão de horários ou outras cláusulas relacionadas com direitos e deveres
laborais acordadas entre sindicatos e empregadores, a nível sectorial ou de
empresa.
O diploma, que foi negociado na
fase final do programa da troika, estabelece que as convenções com cláusulas de
renovação sucessiva passam a caducar três anos após a última publicação
integral da convenção, a denúncia da convenção (sempre que esta tenha sido
feita após 31 de Maio de 2014) ou a apresentação de uma proposta de revisão.
Anteriormente o prazo em vigor era de cinco anos.
No quadro do Orçamento de Estado para
2017 foi reintroduzido, por proposta do PCP, o direito à contratação colectiva
dos trabalhadores do sector empresarial do Estado.
Em Fevereiro deste ano, o PCP agendou, com carácter de urgência a
questão da contratação colectiva que, além do restante valor próprio, como
sublinhou então a deputada Rita Rato, consagra direitos que não estão
consagrados em nenhuma outra disposição legal. A deputada defendeu ainda que
«nenhum contrato colectivo pode caducar sem ser substituído por outro». Os
comunistas avançaram então que deve ser
reintroduzido no Código do Trabalho o princípio do tratamento mais favorável,
ou seja, que não seja possível negociar condições de trabalho com menos
direitos do que está previsto na legislação laboral.
O Ministro do Trabalho apresentou um relatório recente do Centro de
Relações Laborais (CRL), no passado dia
2, não por acaso dois dias antes do debate parlamentar suscitado, com
carácter de urgência, pelo PCP sobre a contratação colectiva. Este relatório sublinha
que enquanto em 2008 eram 1,8 milhões os trabalhadores que estavam abrangidos
pelos contratos colectivos, acordos colectivos e acordos de empresa publicados,
entre 2013 e 2014 já rondavam apenas os 300 mil. De acordo com o relatório,
apresentado ontem por Vieira da Silva, em 2016 já foram cerca de 700 mil os
trabalhadores abrangidos. Continua-se, assim, muito longe do número médio de
trabalhadores cobertos registado entre 2005 e 2011. A cobertura de
trabalhadores abrangidos por convenções entre 2005 e 2011, rondava os 85%. Desde
então, diminuiu até aos 80,1% em 2016. Nos últimos dois anos registou-se uma
tímida recuperação. Nem mesmo no governo de Durão Barroso, cuja política
laboral foi alvo de forte contestação pelos trabalhadores, o número de
convenções colectivas atingiu níveis tão baixos como os actuais – cerca de 150
instrumentos em vigor.
Segundo o relatório, em 2016
foram emitidas 35 portarias de extensão (menos uma do que em 2015), e o tempo
entre a publicação de uma convenção e a emissão da respetiva portaria também
subiu face ao ano anterior, situando-se para a maioria das portarias entre os
cinco e os sete meses, quando no ano passado se situou no intervalo entre os
quatro e cinco meses. E a distribuição por setores de atividade "indica
uma concentração nos três sectores que já haviam sido identificados em 2015:
indústrias transformadoras, comércio e reparação de veículos e transporte e
armazenagem", com as convenções destes sectores a representarem cerca de
77% do total.
Mas a matéria sobre a qual o relatório é mais revelador prende-se com os
salários. Nos últimos anos, o número de convenções publicadas diminuiu, o
que incluiu as revisões parciais. Ora, é
precisamente através das revisões parciais que são negociados aumentos
salariais – em 146 instrumentos publicados no último ano, apenas quatro
revisões de acordos de empresa não abordaram a questão.
Os dados mostram que desde 2011 que a variação salarial média, em
termos reais, não ultrapassa 1%. E se entre 2005 e 2011 abrangia
constantemente mais de 1 milhão de trabalhadores, a partir de 2012 houve uma
redução brutal no número de trabalhadores que conseguiram aumentos salariais
através da contratação colectiva.
Logo em 2012, foram cerca de 300
mil (um terço do registado no ano anterior). Mas os dois anos seguintes, em
plena aplicação do programa da troika, foram ainda mais penalizadores: apenas
230 mil trabalhadores abrangidos e uma diminuição do poder de compra que se
estendeu ainda a 2015. No último ano, o aumento médio dos salários reais saiu
do vermelho, mas tocou a apenas 600 mil trabalhadores – bem menos de metade dos
1,7 milhões registados em 2008.
Não é possível fazer sair o país dos baixos índices económicos sem melhorar a contratação colectiva, os direitos e a parte do rendimento nacional nos trabalhadores e sem rompermos com os constrangimentos que esta União Europeia nos impõe como um autêntico garrote. Ser de esquerda não permite tergiversações nem atrasos nestas matérias. E é por aí que temos que ir.
Não é possível fazer sair o país dos baixos índices económicos sem melhorar a contratação colectiva, os direitos e a parte do rendimento nacional nos trabalhadores e sem rompermos com os constrangimentos que esta União Europeia nos impõe como um autêntico garrote. Ser de esquerda não permite tergiversações nem atrasos nestas matérias. E é por aí que temos que ir.
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