O resultado da 2ª volta das
presidenciais francesas parece ter um desfecho definido, apesar de serem muito
complexas as percepções de muitos eleitores sobre o que se passou e o que se
segue. O liberal Emmanuel Macron será o próximo presidente
da França.
Este quadro nem mesmo se irá
alterar com o apoio de Nicolas Dupon-Agnain, candidato do partido de direita Debout la France, retido na 1ª volta, com
4,7% de votos, e que seria a proposta da presidente da extrema-direita para
primeiro-ministro, caso Marine Le Pen ganhasse as presidenciais, e obtivesse
uma maioria que o apoiasse para formar governo no quadro da Assembleia a ser
eleita em Junho.
Como dizem alguns analistas, esta 2ª volta antecede uma 3ª – as
eleições legislativas de Junho – de onde poderá sair um governo que não venha a
ser a escolha de Macron. A isso nos referiremos adiante.
Durante 15 dias, antes da 1ª
volta, não se ouviu falar de Jean-Luc Mélenchon na comunicação social
portuguesa. Citações de resultados de sondagens só existiram para três dos
candidatos dos quatro que caminhavam todos quase a par. Os comentadores, em
geral, foram pelo mesmo caminho. Os patrões da comunicação social portuguesa
alinharam no esforço que à escala europeia foi feito para impedir que o
candidato chegasse à 2ª volta, a partir do momento em que as sondagens
revelaram essa possibilidade como muito credível.
Ana Gomes, europeísta trauliteira, em debate na RTP, disse até que, se
Mélenchon passasse à 2ª volta com Marine Le Pen, não votaria nele (não
disse se votaria e em quem…). Por essa altura, noutro debate até chamaram
estalinista ao candidato!...
As organizações que apoiaram
Mélenchon, ou já apelaram ao voto em Macron na 2ª volta (caso do PCF), ou no
caso da ”França insubmissa” do candidato, dizem esperar a opinião dos
militantes, “que já sabem o que têm que fazer”, mas onde já são muitos os
apelos de personalidades deste movimento no sentido de se “engolir o sapo”...
Isso apesar do próprio Mélenchon já ter referido que não daria indicação de
voto nem em Macron nem em Le Pen.
Por seu lado, Fillon e Hamon,
candidatos do que restou dos respectivos partidos – a UMP e o PS – deram
indicação de voto em Macron. Apesar dos seus partidos estarem à beira de
convulsões internas.
O secretário nacional do PCF,
Pierre Laurent, afirmou na noite da eleição, pouco depois de ser garantida a
passagem à 2ª volta de Macron e Le Pen, que “no imediato, conscientes das
imensas batalhas que temos pela frente e das responsabilidades que cabem ao
nosso partido, apelamos para que, no dia 7 de Maio, na segunda volta da eleição
presidencial, seja barrado o caminho para a Presidência da República a Marine
Le Pen, ao seu clan e à ameaça que constitui a Frente nacional para a
democracia, a República e a paz, seja usado infelizmente o único boletim de
voto que pode atingir esse objectivo."
Macron reagiu, afirmando que o
apoio à sua candidatura na 2ª volta implicava a aceitação do seu programa, o
que parece que está a rejeitar votos….Não terá sido por acaso que, na vizinha
Alemanha, o desbocado governante Sigmar Gabriel, disse ter a certeza que Macron
será eleito presidente. "Estou certo de que ele varrerá a extrema-direita,
o populismo e os antieuropeus”.
No dia 7 os franceses enfrentam uma escolha muito importante
Uma opção de voto é em Marine Le Pen, da Frente Nacional (FN), de extrema-direita,
com os seus objectivos xenófobos e contra os imigrantes, expressão de uma
corrente existente em alguns países europeus, neo-fascista , que beneficiou da
austeridade e da falência das políticas neo-liberais na União Europeia. Mas que
é um recurso de reserva, do grande patronato, que distribuiu os seus apoios
entre ela e Macron.
Seria o voto na candidata que já depois
da 1ª volta foi a selfies com trabalhadores da fábrica Whirlpool em Amiens, que vai ser encerrada e deslocalizada...E
onde prometeu que a fábrica não seria encerrada… Atitude tanto mais valorizada
quanto desvalorizadas foram as declarações de Medef Bernard Monot, economista,
assessor da candidatura da Frente Nacional: "A FN é amiga de todas as
empresas" e "somos verdadeiros liberais, partidários de forma
inequívoca da economia de mercado e da livre iniciativa", feitas sem rodeios
aos amigos de Pierre Gattz, multimilionário e barão da Bolsa, há cerca de um
mês.
Macron foi mal recebido na mesma
empresa e só se reuniu com a comissão intersindical, tendo o sindicalista
François Ruffin elogiado a sua coragem em ter vindo à empresa vítima da
globalização de que Macron é grande defensor. "A candidata da FN também
não apresentou aos funcionários da Whirlpool a sua proposta de reduzir as
contribuições dos empregadores. Marine Le Pen não abordou problemas relativos à
situação da empresa como os dividendos dos accionistas da Whirlpool Corporation
terem aumentado em 10%, ou o CEO da empresa receber 13 milhões de euros por
ano. No seu programa, não existem as palavras "accionista" ou
"dividendo", não refere ir lutar pelos interesses dos
trabalhadores", reagiu na altura o candidato apoiado pelo PCF e pela
France Insoumise às legislativas de Junho, François Ruffin. "Mais uma vez
o candidato da FN pretende apresentar-se como uma pasionaria social" respondeu, a seu lado, Éric Coquerel. E o
coordenador nacional do Partido de Esquerda lembrou: "Não foi ela quem
chamou aos assalariados em greve contra a lei das pensões de Sarkozy "
grevicultores? ".
Mas Marine Le Pen não perde tempo
e insiste em dirigir-se directamente aos que votaram Mélenchon na 1ª volta e
ainda não viram deste uma indicação de voto. Produziram mesmo um folheto, para difundir
em grandes quantidades nas zonas de maiores votações em Mélenchon, com 16
pontos que, supostamente, seriam de grande proximidade entre as duas
candidaturas. De facto não são 16 pontos de proximidade, mas isso exige esclarecimento.
Marine Le Pen dirige-se, especialmente, aos trabalhadores das indústrias
arrasadas pelas políticas de Sarkozy e Hollande no nordeste da França, ou nas
regiões do Drône, do vale de Garonne ou de Toulouse.
A outra opção de voto é no liberal Emmanuel Macron, que colaborou
no tempo de Sarkozy, com o então Primeiro-Ministro François Fillon, e foi
Ministro da Economia de François Hollande, em cujo governo foi um dos principais
responsáveis pela desastrosa política no governo, que tantos votos deu à
candidata da extrema-direita, na passada 1ª volta. Em particular a política anti-social,
contra trabalhadores, agricultores, jovens e reformados, o seu claro apoio ao
terrorismo na Síria e a agressão ao mundo árabe a reboque dos EUA. O governo de
François Hollande foi um balde de água fria para os que o tinham apoiado contra
as políticas antissociais de Sarkozy. Hollande começou o projecto de destruição
que tinha deste PS para o transformar “noutra coisa”. A idéia de “reorientar a
produção para indústrias de serviços futuros e de alto valor acrescentado,
promovendo um novo regime de crescimento, transformando modelos e defendendo o
nosso ideal de civilização”, vulgata da lenga-lenga neo-liberal provou ser um
desastre, cujo único beneficiário foi a Alemanha de Merkl.
Emmanuel Macron foi membro do
Partido Socialista entre 2006 e 2009, com um ideário liberal, e foi nomeado
secretário-geral adjunto da Presidência da República por François Hollande em
2012, tornando-se Ministro da Economia em 2014 no governo Valls. Como ministro,
foi autor de “reformas” que beneficiaram o patronato, como o novo pacote
laboral, e os grandes distribuidores em prejuízo dos agricultores, no quadro da
chamada Lei da Modernização da Economia (LME). Tendo já sido rejeitado em eleições
internas do PS para o exercício de certas funções, saiu do governo em Agosto de
2016 para trabalhar na sua candidatura à presidência, na eleição deste ano, que
lançou em Novembro de 2016, poucos meses após fundar o seu próprio partido
político, o “Em Marcha!”. Dessa forma, correndo em pista própria, Macron ultrapassou
o risco de, nas primárias do PS, não ser eleito numa disputa em que tinha que
defrontar Valls e Hamon, o primeiro mais à direita, o segundo mais à esquerda. Isto
numa altura em que já se previa a queda a pique do PS e a continuação da queda
da UMP.
O pensamento e acção políticos de Fillon e Macron têm muito em comum.
Basta lembrar o convite que o primeiro fez ao segundo em 2010 para o cargo de
director-adjunto do seu gabinete de 1º Ministro, em Matignon, na sequência dum
relatório que Macron fez a Fillon em 2008, então Primeiro-Ministro de Sarkozy.
Com base nesse relatório, Fillon fez aprovar a Lei da Modernização da Economia
(LME) por deputados e senadores de direita nesse ano, que entrou em vigor em
2009, dando mais poderes aos grandes distribuidores para esmagarem os preços
dos produtores agrícolas, quando nos países mais ricos da Europa a maioria dos
distribuidores estava então a concordar pagar aos seus fornecedores de produtos
lácteos mais do que n ano anterior devido aos aumentos de preços globais. Na
altura Macron só não aceitou o convite porque, como banqueiro, negociava então
a sua remuneração milionária no banco Rothschild de França, No início de 2012,
na sequência de uma das maiores negociações do ano, que liderou, da aquisição
de uma filial da Pfizer pela Nestlé. A transação, estimada em 12 mil milhões de
euros, tornou-o um grande milionário. No período em que foi sócio-gerente do
banco, Macron ganhou muitos milhões de euros tendo, no entanto, ter declarado
possuir apenas 200 mil euros.
Apesar de tudo isto, afirma que
não é o candidato de direita nem de esquerda, mas que diz aproveitar «o melhor
da esquerda, da direita e do centro». Afirmações demagógicas de cordel que se
não compaginam com o anterior percurso político… Mas Emmanuel Macron,
escondendo muitas das suas intenções, não deixou de dizer-se o “único candidato
pró-europeu” e promete aplicar uma política económica “amiga das empresas”, em
linha com a sua acção enquanto Ministro da Economia. Quer a continuidade das
políticas económicas e sociais da União Europeia, do aprofundamento de medidas
federalistas, do reforço do eixo franco-alemão e de uma política de
continuidade na cena internacional. Quer a NATO e promete prolongar o estado de
excepção. Assim, é mais claro.
Outras opções de voto são o protesto (branco, nulo) ou não ir votar,
como fizeram já 24 % dos eleitores na 1ª volta.
As legislativas de 12 e 19 de Junho
Apesar do 1º Ministro ser nomeado
pelo PR, ele tem que obter maioria na Assembleia Nacional. O Conselho de
Ministros poderá corresponder à política do Presidente senão este terá que
coabitar com um Governo de orientação diferente. Macron estará já a negociar
esse futuro apoio num quadro mais vasto do que o seu movimento, para conseguir
formar algo semelhante a uma “grande coligação” que lhe permita governar o país.
Le Pen também o estará a fazer mas com uma margem de manobra mais reduzida, que
só existiria minimamente se ela ganhasse a 2ª volta, coisa que pouca gente
esperará.
Nas eleições legislativas elegem-se,
em duas voltas, 577 deputados, em 577 circunscrições eleitorais (distritos). A
legislação eleitoral é uninominal, ao contrário da nossa e, por isso exige duas
voltas.
A esquerda, em sentido lato, pode nas legislativas ter influência
decisiva na formação de um governo. De facto, nesta 1ª volta das
presidenciais, em 212 circunscrições, a totalidade dos votos na esquerda e nos
ecologistas, que participaram na candidatura de Jean-Luc Mélenchon, os votos em
Benoît Hamon e nos candidatos de extrema-esquerda, ultrapassaram os votos em
Emmanuel Macron, em Marine Le Pen e na direita. Em contrapartida, em 210
circunscrições, a Frente Nacional pode ganhar. Macron terá dificuldades com os
resultados do seu movimento porque nas legislativas do próximo mês de Junho vai
ter a concorrência do PS e dos seus aliados ecologistas que, mesmo muito
fragilizados com o desastroso resultado nas presidenciais, conseguirão eleger
dezenas de deputados. Para tentar evitar uma difícil coabitação e porque nenhum
partido provavelmente alcançará a maioria nas legislativas, Emmanuel Macron
precisa de negociar para obter um governo com suporte numa maioria de, pelo
menos, metade mais um dos deputados eleitos, ou seja 289. Mas, como já
referimos, a dinâmica Mélenchon pode impor uma solução de coabitação a Macron.
Apesar da UMP e do PS estarem
muito fragilizados na sequência da votação do passado dia 23, isso poderá não
ter correspondência linear com os resultados da1ª volta das próximas eleições
legislativas, mas é um elemento indicativo.
A França que Hollande quis com Macron e Valls, foi a de se querer confirmar
como potência influente para impor situações, como os EUA, determinada por
interesses estratégicos ou económicos imediatos, pelas suas alianças, em
particular no seio da UE e da NATO, pela mundialização da economia capitalista,
de que quis beneficiar. O euro sobrevalorizado, em benefício da Alemanha, e o
“livre comércio” arruinaram a indústria e esmagaram os produtores agrícolas em
benefício dos grandes distribuidores. Contra a própria sensibilidade de muitos
socialistas, Hollande flexibilizou as leis laborais e aplicou, contra as
empresas e agricultores, a Lei de Modernização da Economia, como já referimos. As
aspirações a grande potência arrastaram Hollande para guerras criminosas no
norte de África e na Síria. O PS ofereceu Hollande aos franceses para provocar
a grande desilusão de não ser alternativa a Sarkozy, que tinha ficado de rastos
na opinião pública, incluindo a afecta ao partido deste. Hollande nem teve
coragem para se recandidatar.Os 6,5 % de Hamon são a expressão da falência do
PS alinhado à direita.
Quanto à UMP União para um Movimento Popular, sucedâneo do RPR
(Reagrupamento pela República), não se recompôs da síndrome sarkoziana e
esfrangalhou-se na procura de um candidato, acabando com um que foi sendo
derrotado por escândalos que lhe foram revelando e que confirmaram o perfil
ético da direita francesa. Apesar de não ter sofrido o desgaste de governo, Fillon
teve poucos mais votos que Mélenchon, que foi interrompido na sua marcha
ascendente por uma barragem de silenciamento e por um anti-comunismo
descabelado.
Ambos os partidos fizeram
hara-kiri e contribuíram para desfazer a imagem da V República, para alguns uma
espécie de monarquia electiva, onde o “monarca” presidente pairaria um pouco
acima da acção governativa.
Passemos então à 2ª volta das
presidenciais e, depois à 1ª das legislativas.
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