A ONU na sexta-feira e o Papa Francisco no sábado passado alertaram a
comunidade internacional para o previsível agravamento a curto prazo da crise
humanitária no Sudão do Sul. O Papa prepara mesmo uma sua deslocação ao
território do país, com capital em Djuba. A visita do Francisco àquele país
fez-se a convite de várias igrejas cristãs locais que estão a prepará-la neste
momento e em conjunto. A população é maioritariamente cristã (católicos, anglicanos
e presbiterianos), com uma minoria muçulmana. Grande parte da história do Sudão
(Norte e Sul) tem sido marcada por conflitos étnicos mas não residem nas duas
grandes religiões as causas desses conflitos.
Além de dois conflitos internos
em andamento (um na região sul e outro na região de Darfur) e duas guerras
civis, entre 1955 e 1972 e 1983 e 2005, há inúmeros casos de limpeza étnica e
escravidão nos dois países.
Depois de um referendo, em 9 de
julho de 2011, a República do Sudão do Sul, com capital em Juba, declarou a sua
independência.
Para além das razões objectivas que levaram a esta separação do Norte, o retalhar do Sudão, que continuou depois com a rebelião do Darfur, com um percurso grande de crimes e sofrimentos, faz parte dos projectos dos EUA, como revelou há dez anos o general Wesley Clark (2). O papel dos EUA tem sido dividir o Sudão em partes para melhor explorar as riquezas e inviabilizar um estado forte.
No Sudão do Sul, cerca de um milhão de
habitantes, dos doze milhões existentes à data do referendo, fugiram em Julho
do ano passado durante a guerra entre as forças do presidente Salva Kiir e as do
ex-vice-presidente Riek Machar, continuando ainda hoje a sangria iniciada em 2013,
com uma emigração interna de mais de um milhão de pessoas e a emigração de um
milhão de habitantes para seis países vizinhos. Ambas carecem de meios de apoio
e a aproximação da época das chuvas, dificultará a ajuda alimentar, médica e de
abrigo, que, já por si é escassa.
Nas zonas mais afectadas, cerca
de 100 mil pessoas estão em risco de morrer de fome, alertaram já várias
agências especializadas da ONU, que se mostram preocupadas com a “deterioração
das condições económicas, a falta de acesso a água potável, saneamento e
higiene, serviços de saúde e educação”, em especial para os mais jovens.
A jornalista Margarida Serra conversou
(1) com Charlie Yaexley, do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados, que
lhe afirmou:
“Neste momento são precisos quase
600 milhões de euros para que todas as agências humanitárias possam ajudar as
populações. É esse o valor do apelo feito esta semana por diversas
organizações, entre elas o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados”.
As negociações entre os dois
grupos em conflito, realizadas em 2015, não tiveram resultados. Em Agosto do
ano passado foi alcançado novo acordo de paz que incluía um cessar-fogo e a
constituição de um governo de transição até à realização de eleições, que,
entretanto, espera implementação.
No ano passado, um incidente
abalou a estabilidade regional e mostrou que o conflito do Sul do Sudão estava
derramando-se cada vez mais sobre a fronteira da Etiópia, e não apenas em
termos humanitários, mas também militantes.
A maioria dos refugiados
sul-sudaneses na Etiópia são Nuer, estão concentrados na Gambella, e isso
desestabilizou o equilíbrio étnico existente, já tenso nesta parte da Etiópia.
Sob tal pressão, não é de admirar que tudo o que foi necessário foi um pequeno
acidente que vitimou uma jovem nuer na Gambella para colocar a região na borda
da guerra civil. Os rebeldes sul-sudaneses invadiram Gambella, mataram mais de
200 pessoas e sequestraram cerca de 100 crianças, levando os militares etíopes
a realizarem uma operação transfronteiriça na tentativa de as libertar.
O momento dos ataques parece ter
coincidido com o regresso do vice-presidente sul-sudanês Riek Machar à capital,
Juba, para implementar o processo de paz acordado em Agosto. Machar, um Nuer,
estava em Gambella nesse momento e a regressar ao seu país de origem, depois
das conversações em Addis Abeba, e os motins de refugiados poderiam ter sido
cronometrados para sabotar o seu regresso in
extremis.
A guerra civil do Sul do Sudão do
Sul tem servido para desencadear uma invasão de refugiados na Etiópia, que é um estado muito diversificado do ponto de vista
étnico e demograficamente frágil. Em certo sentido, a desestabilização
pós-independência do Sul do Sudão pode também ser vista com o objetivo de
colocar uma pressão de longo prazo sobre a Etiópia através do plantio de
centenas de milhares de "bombas de tempo" de conflitos de identidade,
o que parece estar a acontecer com os nueres. E tudo isto porque a Etiópia está
a ter um papel fundamental na rede global One
Belt One Road, da China, particularmente
através do caminho-de-ferro Djibuti-Etiópia construída pelos chineses e do
Corredor LAPSSET, com o financiamento pela China do porto, em Adis Abeba. Em
conjunto, estas duas vias de acesso permitirão à Etiópia libertar todo o seu potencial
económico e ela poderá tornar-se um dos aliados multipolares mais próximos da
China.
O país tem enormes
potencialidades económicas. Atravessado pelo Nilo, possui, além de potencial
agrícola, petróleo e recursos minerais (urânio, bauxite, cobre, diamantes,
ouro).
O petróleo, explorado por
companhias estrangeiras, incluindo norte-americanas e chinesas, é a maior fonte
de riqueza não só do governo de Djuba, apadrinhado pelos Estados Unidos, mas
também do regime de Cartum (Sudão, do norte), cujo principal parceiro económico
é a China. O petróleo explorado no Sudão do Sul é transportado por oleodutos
que atravessam o território do Sudão até ao Mar Vermelho, por cujos portos é
exportado, sendo as receitas cobradas por essa passagem essenciais à economia
sudanesa, como compensação da perda dos poços.
NOTAS
(1) TSF, 22 de Fevereiro 2017.
(2) Global Research, 30 de Janeiro de 2017 (reprodução do original na
Democracy Now, de 2 de Março de 2007).
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