Em
13 de Fevereiro deste ano já nos tínhamos referido aqui a que com o eventual colapso
do Deutsche Bank, o sistema financeiro europeu entraria em queda livre.
Identificámos então as causas deste processo e que a previsão do desastre vinha
de 2013 mas tinha sido ocultada. Para encetar a perseguição
à Grécia e depois a Portugal por causa dos déficites excessivos, como que
atribuindo aos mais fracos as responsabilidades da falência do grande banco alemão
que tinham causas criminosas que nada tinham a ver com o desempenho destes dois
países.
Não iremos aqui repetir o
que então foi dito.
Desde
então, aconteceu uma multa do Departamento de Justiça dos EUA no valor de cerca
de 14 mil milhões de dólares por obrigações hipotecárias mal vendidas ao longo
da década passada nos EUA (o seu papel na crise das
hipotecas subprime). Entretanto nesta sexta-feira, o Departamento de
Justiça conseguiu negociar com o “bloco europeu” (?) a redução da multa para
5,4 mil milhões. As acções do maior banco da Alemanha que
tinham estado a afundar-se para mínimos de há quase 30 anos, negociadas abaixo
dos 10 € por acção, passaram de imediato a ser negociadas a 11,57 euros este
sábado. Não são conhecidos à hora em que escrevo os termos deste “negócio” mas
o tal “bloco europeu” deve ter prometido aos States coisas que desconhecemos.
A
redução da multa irá aliviar accionistas mas a reestruturação do DB continua e
os trabalhadores não deixarão de ser despedidos.
O
Deutsche Bank tem actualmente 50 balcões em Portugal com cerca de cerca de 400
trabalhadores. O banco anunciou que irá fechar 15
dependências, sobretudo nas cidades de Lisboa e do Porto, não tendo revelado o
número de trabalhadores que podem vir a ser afectados. Uma coisa é certa, como
o Deutsche Bank só tem trabalhadores com contratos individuais de trabalho, os
seus direitos estão debilitados.
O presidente do Deutsche
Bank em Portugal disse que este processo de reestruturação está a ser planeado
há mais de um ano e passa por preparar o banco para um modelo de negócio
bancário virado para o crédito à habitação e a empresas, que não necessita de
tantas pessoas, dispensáveis pelo digital.
Esta
redução da multa americana pode ser encarada como uma retaliação à multa que União
Europeia aplicou à Apple. Este é um episódio de uma guerra que não vai parar e
a que dedicaremos o próximo artigo.
Antes os accionistas mostravam-se
escandalizados por o banco não ter agido mais cedo – quando seguramente já
conheciam os receios que têm quase um ano de circulação ao seu nível – e viraram-se
para o governo alemão em vez de serem eles a procederem ao necessário aumento
de capital.
Há
duas semanas quer o governo quer o banco manifestavam desacordo com qualquer
apoio do governo. Mas as afirmações definitivas face à gravidade da situação talvez
não sejam definitivas.
Certamente que Angela
Merkel, chanceler da Alemanha, não gostaria de sustentar um banco que
sobreviveu à crise de 2008 sem resgate. E mesmo se ela quisesse fazer isso
agora, as novas regras significam que os detentores de obrigações seriam
forçados a assumir as perdas primeiro. O banco alemão passou a ter papel
destacado na crise do sector bancário europeu. E será o teste decisivo para as
novas regras bancárias da zona euro, criticadas em países como a Itália e
Portugal, mas até agora defendidas com determinação pela Alemanha.
O
FMI afirmou que as consequências de um colapso do Deutsche Bank poderia ser
pior do que a crise bancária global. No entanto, poucos estão a prever que o
banco vá seguir o caminho do Lehman. Christopher Wheeler,
analista bancário da Equities Atlântico, afirma que o Deutsche Bank não está a ficar
sem dinheiro, pois tem 50 mil milhões de dólares de ativos facilmente vendáveis
para atender todas os pedidos dos clientes.
No entanto, os accionistas ainda
estão alarmados, depois das acções do Deutsche Bank terem descido mais de 50%
este ano. Tamanha foi a queda que o seu valor de mercado era até 6ª feira de
aproximadamente 14.5 mil milhões ou, em termos de dólares de quase 2 mil
milhões a mais do que a pena proposta de 14 mil milhões de dólares.
Uma grande preocupação para
os mercados globais quanto ao Deutsche Bank são as suas profundas conexões com
as instituições financeiras globais, que têm alguns investidores que temem uma
crise bancária maior, embora os analistas continuem a indicar que a situação
está longe de ser tão terrível.
Referimos
de seguida alguns dos momentos deste percurso de queda.
Em Junho de 2015, John
Cryan, director financeiro, ex-chefe do UBS, foi nomeado co-CEO.
Em Outubro de 2015 Cryan
anunciou detalhes de um programa de reestruturação chamado Estratégia de 2020,
que inclui uma suspensão de dividendos sobre acções ordinárias, eliminação de
postos de trabalho e saída de balcões de 10 países.
Em Junho de 2016,o Fundo
Monetário Internacional publicou um relatório dizendo que o Deutsche Bank
"parece ser o contribuinte líquido mais importante para os riscos sistémicos
no sistema bancário global."
Em Julho 2016 a S & P Global
Rating passou a sua percepção sobre o Deutsche Bank para negativa.
Em Junho / Julho 2016, a unidade
dos EUA do Deutsche Bank falhou o teste de stress
da Reserva Federal dos EUA novamente, mas, por pouco passou à tangente no teste
de stress do BCE.
Em Agosto o Deutsche Bank e
o Credit Suisse foram removidos do índice 50 blue-chip STOXX Europa devido à
queda acentuada no valor de ambas as unidades operacionais no mercado.
O analista do Credit Suisse
Jon Paz disse num relatório de 16 de Setembro que um rácio (CET1), que mede a
força financeira de um banco estava abaixo do requisito mínimo do Banco Central
Europeu, em 12,25 %.
O
Deutsche Bank também está a tentar vender ativos num esforço para aumentar o
capital. Na quarta-feira, o banco anunciou que irá vender o
negócio de seguros britânico Abbey Life ao Phoenix Grupo por 1,2 mil milhões de
dólares.
"Este não é o Lehman,
nem estamos em 2011, com a Grécia e alguns outros problemas no euro. Fizemos
uma grande limpeza, desde então," afirmou Rebecca Patterson, diretora
administrativa e de investimentos da Bessemer Trust, numa conferência Bloomberg
na passada quarta-feira.
Jeroen Dijssebloem, presidente
do Eurogrupo, disse no sábado que o Deutsche Bank terá de sobreviver por si
próprio. As declarações foram citadas pela Reuters, e efectuadas depois do
Conselho de Ministros do governo holandês.
O
preço das acções tinha caído na passada semana no meio de preocupações de que o
banco pudesse não ter o capital para pagar os custos de litigância judicial e
corresponder às normas regulamentares hoje mais estritas.
O CEO John Cryan já então
dizia que o credor não tinha intenção de pagar um valor da grandeza avançado
pelo Departamento de Justiça americano, e está a redobrar esforços para cortar
custos e vender activos. Rejeitando prognósticos pessimistas sobre a saúde
financeira do credor, Cryan disse ao Bild numa entrevista publicada na
terça-feira passada que o capital "não é actualmente um problema", e
rejeitou a intenção de apoio por parte do governo alemão. E recusou ter pedido qualquer
ajuda ao Estado alemão.
"Temos
algumas forças de mercado que querem enfraquecer a confiança em nós”, considera
o CEO do Deutsche Bank.
John Cryan destaca numa
comunicação aos funcionários que nos últimos tempos o banco tem sido alvo de
"especulação dos media" e
que o "trabalho [do Deutsche Bank] é assegurar que esta percepção
distorcida não tem um impacto forte no negócio do dia-a-dia", de acordo
com a Bloomberg.
É difícil prever em como
irão evoluir estas questões. A solidariedade inter-capitalista (ou
inter-bancária, com o nosso dinheiro) funcionará para impedir o desenvolvimento
deste cancro em território europeu, até certo ponto. Mas a especulação bolsista
e a concorrência altamente agressiva não se conformam com acordos.
O
Deutsche Bank não é o único alvo dos EUA.
As dimensões mais amplas do
conflito foram reveladas na passada semana por Valdis Dombrovskis, um dos vice-presidentes da Comissão Europeia.
Segundo ele, as reformas ao sistema bancário global que os Estados Unidos estão
a pressionar não podem ser aceites por levarem a "aumentos significativos
nos requisitos de capital a suportar pelo sector bancário da Europa". Sem
nomear directamente os EUA, disse: "Queremos uma solução que funcione para
a Europa e não coloque os nossos bancos em desvantagem em relação aos nossos
concorrentes globais".
A maneira em que as
contradições insolúveis da economia capitalista global estão a alimentar as
tensões geopolíticas, e vice-versa, como revela a crise do Deutsche Bank, é de
profundo significado e geradora de grande preocupação.
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