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sábado, 25 de novembro de 2017

Marcelo, quo vadis?


1.    Sou um dos muitos portugueses que saudaram em Marcelo Rebelo de Sousa o estilo dialogante, de procura de consensos, de proximidade com as populações e de cooperação institucional. Este estilo, com um novo governo e com a lenta recuperação de direitos e rendimentos dos portugueses, ajudaram a criar um ambiente mais
aliviado e menos depressivo no país, fazendo toda a diferença com o governo de Passos Coelho e um final de mandato rancoroso de Cavaco Silva, decididamente afastado do percurso do nosso povo e da nossa história recente.
 

2.    O desempenho da Presidência da República variou depois do 25 de Abril de acordo com o seu titular. Mas, sempre, seja ele quem for, lhe é cometido que actue de acordo com o regime democrático português consagrado na Constituição da República e que implica a interdependência e controlos recíprocos dos diversos órgãos de soberania.

  
O Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas.

 O Presidente dispõe da possibilidade de se dirigir a todos os Portugueses para expressar as suas opiniões, com cobertura por parte dos grandes canais de rádio e televisão.

 
O Presidente da República desempenha ainda importantes competências em relação a outros órgãos de soberania e tem-se relacionado com o Governo normalmente e de forma reservada, não devendo ser considerado normal entregar-se a despiques de popularidade com ele, manifestando discordâncias ou julgamento de comportamentos em público em relação a ele.

 
 
A Assembleia da República é a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses, cabendo-lhe legislar, particularmente aprovar o Orçamento do Estado, sob proposta do Governo, e desempenhar uma série de competências em relação ao Governo, e é composta por representantes das candidaturas apuradas de maneira garantir a proporcionalidade e o método de Hondt na transformação de votos em deputados.
       
           Ao Governo cabe a condução da política geral do país e é o órgão superior da
           administração pública. O actual tem tido uma relação normal com o Presidente         
           da República, sem ingerência conhecida em competências deste nem manifestação em
           público de estados de alma que o belisquem.



Aos Tribunais compete administrar a justiça em nome do povo, com independência incluindo a relativa a outros órgãos de soberania.

 

3.    O estilo do actual Presidente da República foi preparado ao longo de anos de comentários televisivos a questões pré-definidas, e a sabedoria assim expressa disseminou a simpatia do grande professor que foi e do grande comunicador que é, que gerou uma natural popularidade antes, durante e depois da campanha presidencial. E que o Presidente da República seguramente vai gerindo para sua intervenção política no futuro.

 
A sua intervenção passou do comentário semanal ao comentário diário sobre as mais variadas questões.

 
E com sucessivas aparições em diferentes cenários. Um dos que mais me desgostou foi o abraço no palco da Web Summit ao patrão da iniciativa, Paddy Cosgrave, depois de este ter tido o desarrincanço “Quase todas as semanas sou contactado por investidores a perguntar o que se está a passar em Portugal e em Lisboa” e cujo desgosto se tem acentuado em mim com o silêncio sobre o que é que a referida feira trouxe de financiamentos para as nossas startups.

 
Na passada 3ª feira, Marcelo é orador, com o CEO do Grupo “José de Mello Saúde”, Salvador de Mello, numa sessão onde se discute a necessidade do SNS andar mais de mão dada com a iniciativa privada. No mesmo dia Salvador de Mello, entrevistado num canal de TV, acentua essa tónica da “cooperação”. Mas então não existe já essa “cooperação”? Os médicos, enfermeiros e técnicos de saúde, formados com o dinheiro de todos nós não são atraídos para o sector privado? Os seus doentes internados não são enviados para intervenções cirúrgicas nos hospitais do SNS? Vários hospitais privados não têm já contratos com o Estado para “competirem” com o SNS? As clínicas privadas não vivem das requisições de exames feitas pelo SNS? O mesmo não acontece com a ADSE que é financiada pelo Estado e se comporta como uma seguradora de saúde?

Peço ao Professor Cavaco Silva e ao CEO Salvador de Mello que me digam coisas que eu não saiba…E o Presidente alinha nisto? É este um dos “grandes” problemas estruturais para o qual quer criar um consenso entre PSD, CDS e PS?

 

Depois dos fogos de Pedrógão Grande, de Junho e depois dos novos fogos de 15 Outubro, Marcelo Rebelo de Sousa continuou a capitalizar simpatias, agindo como provedor e fiscal da acção governativa, nalguns casos quase ao nível do fiscal de obras.

E foi mais longe – ou então foi a leitura mediática, do que não disse, que terá ido – ao pressionar a demissão de uma ministra, quando já estava informado que esta tinha pedido a demissão e que ela fora aceite.

A referência a um “novo ciclo” corresponderá a uma agenda nova, a que os media dominantes deram relevância, virados que estão para suscitar supostos ou reais confrontos entre o Presidente da República e o Governo?

 

Não me cabe defender o Governo – este não é o governo que desejaria – mas, como a maioria das pessoas faço dele uma apreciação positiva no que respeita à reposição de rendimentos e direitos que irá prosseguir a contragosto dos partidos da direita.

 

4.    Por outro lado, relativamente ao Presidente, já vinha de trás uma desconsideração relativa das questões do trabalho, condições da sua realização e rendimentos e dos direitos adquiridos pelos trabalhadores, que tanto lutaram ao longo de décadas por eles. O Presidente pareceu revelar algum desconforto com os resultados das negociações com o governo da administração pública e dos professores.

Era natural que fizesse uma reflexão sobre o trabalho numa das suas comunicações ao país. Não fez.

Houve espaço para se associar a actos de solidariedade social e caridade para os que foram empurrados para algumas margens da sociedade mas não para os trabalhadores em luta e em risco de perderem emprego, de verem a fome invadir os seus lares, de verem perder-se a coesão dos seus agregados familiares.

 

5.    Marcelo Rebelo de Sousa, como qualquer outro cidadão, tem parâmetros ideológicos de referência e uma visão do seu país e do mundo que lhe são próprios e que estas minhas considerações, que são feitas a título pessoal, não querem beliscar. Mas, sendo o Presidente de todos os portugueses, isso não pode ser confundido com a negação do exercício do direito da crítica, tanto mais que vivemos num país onde as liberdades de informar e ser informado deixam muito a desejar. Matéria que, aliás, daria um bom tema para mais uma reflexão presidencial.

4 comentários:

  1. Lamento muito mas a ADSE não é financiada pelo Estado; é totalmente paga pelos seus beneficiários. Nos idosde2014, foi a ADSE que entrou com 27 M€ para tapar um buraco no SNS da Madeira.

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  2. A ADSE não é financiada pelo Estado, António Abreu.
    Há muito tempo ADSE é financiada totalmente pelos beneficiários, gera lucros de milhões que engordaram os OE e compra dívida pública.
    Quanto ao demais, concordo com o artigo.

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  3. Uma correcção muito importante:

    A ADSE (já) não é financiada pelo Estado!
    É a ADSE que FINANCIA o Estado!

    Os únicos financiadores da ADSE são os trabalhadores da função pública, do activo e aposentados, com os seus descontos de 3,5% dos seus vencimentos e pensões mensais.
    E no fim ... parte dos saldos anuais revertem a favor do Estado.

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