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sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Os acontecimentos no Zimbabwe

Tanto quanto é possível perceber com os dados disponíveis, o movimento militar, que levou à
demissão de Robert Mugabe, tem na origem a demissão do anterior vice-presidente,

Emmerson Mnangagwa, de 75 anos, e durante muito tempo o braço-direito de Mugabe,

depois de um despique travado nos corredores e no seio do partido no poder, a ZANU-PF,

entre ele e a mulher do presidente, Graça Mugabe, de 52anos, também vice-presidente, e na

ordem por esta dada de serem demitidas chefias militares e policiais que simpatizassem com

 Mnangagwa.
 
 
Mas é evidente que tem por detrás outros factores, alguns dos quais só serão

perceptíveis dentro de algum tempo.

 

Por exemplo, a China apoiou a ZANU na sua luta pela independência e passou a ser sua

importante parceira comercial. A pressão ocidental sobre Mugabe, dos últimos anos,

aproveitou a degenerescência do regime e o afastamento das preocupações com a população,

para confrontar as relações económicas com a República Popular da China e a disputa entre

os Estados Unidos e a China quanto à exploração dos recursos minerais do subsolo do país.

 

Dias antes do movimento militar, o chefe militar que liderou a revolta visitou a China. Depois a China comentou esta visita a Pequim, afirmando que se tinha dado no quadro de um intercâmbio militar normal, mutuamente acordado entre a China o Zimbabwe, que, como país amigo, estava a prestar muita atenção aos desenvolvimentos da situação no país.

 

A China tem um forte interesse no Zimbabwe, um país rico em recursos minerais, mas que sofre há décadas de um desenvolvimento económico lento, que para muitos observadores seriam da responsabilidade das políticas de Robert Mugabe. Ao longo dos últimos dois anos, a China trouxe cerca de 30 milhões de dólares por mês ao Zimbabwe, de acordo com Xing Shanshan, vice-secretário-geral da Federação Chinesa do Zimbabwe.

 

A China é a maior fonte de investimento directo estrangeiro no empobrecido país africano. O dinheiro foi aplicado no crescimento da produção de tabaco, na construção de painéis solares e noutros projetos. A China também é o maior parceiro comercial do Zimbabwe. A China perdoou ao Zimbabwe uma dívida no valor de 40 milhões de dólares no quadro de um maior estímulo à economia africana.

Desde Janeiro, o yuan chinês tornou-se uma moeda oficial no Zimbabwe, em pé de igualdade com o dolar dos EUA, o rand sul-africano e o pula do Botswana. A moeda do país é muitíssimo instável, apresentando uma hiperinflação recorde.

A reacção russa foi a de considerar que foi da responsabilidade de Mugabe ter deixado alargar-se a insatisfação na população, que o desenvolvimento é a forma de conter instabilidades, que os projectos conjuntos já subscritos por ambos os países serão para prosseguir, desejando que eles sejam a base para garantir o desenvolvimento sustentável de mais laços nos planos comercial e económico, industrial e de investimento.

O grupo russo ALROSA, de companhias mineiras de diamantes, está já envolvido em diversos projectos no país.

Depois de em 2012 a ZANU-PF ter feito um governo de coligação com o principal partido da oposição, o MDC, de Morgan Tsvangirai, ficando este como Primeiro-Ministro, criaram-se condições para uma melhoria da conjuntura, mas muitos zimbabweanos permaneceram pobres e com 72% a viver abaixo do limiar da pobreza.

Para melhorar esta situação, em 2013, o ZANU-PF e o Presidente Mugabe lançaram um programa de “indigenização”, que previa a apropriação por zimbabweanos de filiais de empresas multinacionais no país. O Governo defendia  tratar-se da única via para que mais cidadãos beneficiassem das riquezas nacionais como o ouro, diamantes e tabaco. As grandes multinacionais olharam a medida com desconfiança, até porque “nunca se tinha estabelecido como esses nacionais iriam pagar os 51% das participações”, referiu na altura, por exemplo, Nginya Mungai Lenneiye, responsável do Banco Mundial para o Zimbabué, reflectindo os interesses dessas multinacionais…

 

                                                       Breve cronologia do Zimbabwe

Final séc. XIX – Início da colonização britânica para exploração de minerais e cultivo da terra de

                           boa qualidade

1910 – Criação da Rodésia do Sul

1953 – O Reino Unido, temeroso de uma maioria negra, criou a Federação da

              Rodésia e Niassalândia

1964 – Inglaterra concedeu independência à Rodésia do Norte (hoje Zâmbia)

1965 – Ian Smith declara independência da Rodésia do Sul (depois Rodésia).

             Em 1970 os brancos proclamam a república, que acabou não

             reconhecida nem pelo Reino Unido nem pela ONU

1970 – Luta de libertação e início de um conflito sangrento, com forte

              componente racista que durou mais de 10 anos opondo os racistas brancos liderados

              por Ian Smith e a ZAPU, de Joshua Nkomo e a ZANU de Robert Mugabe ZANU tiveram

                o apoio dos governos da Zâmbia e Moçambique.

1964-1974 – Prisão de Mugabe, seguida de exílio em Moçambique.

1979 – Trégua (Acordo de Lancaster House)

1980 – A independência foi reconhecida como Zimbabwe depois de um governo de transição

             participado pela maioria negra. Fuga dos brancos excepto os proprietários agrícolas.

Década de 80 - Conflito entre os dois movimentos de libertação ZANU e ZAPU.

Até 1981 – Governador britânico interino prepara primeiras eleições livres

1981 - Eleições ganhas pela ZANU e por Mugabe

1981-1990 – Grandes progressos na educação, saúde, habitação e acção social.

1981 – 1994 – Agressões da África do Sul, com capacidade de desestabilização económica (era

                          A principal parceira comercial de todos os países vizinhos).

1986 – Os lugares ocupados por brancos na assembleia eleita foram eliminados

1987 – Fusão da ZANU com o partido rival a ZAPU, de N’Khomo, ficando ZANU-PF. Este partido

              foi formado para participar nas primeiras eleições daquele país recém-independente,

              pela junção da ZANU, uma das organizações que lutaram pela independência e de que        

              Mugabe tinha sido um dos fundadores, com a Frente Patriótica.

              Alteração constitucional que passa o regime a presidencial (presidente dirige o governo

              que nomeia após a sua eleição, com duas Câmaras, com o acontece, por exemplo, em

              França.

 

1990 – Reeleição da ZANU e Mugabe

1991 – Início da Reforma Agrária (No final da década de 1990, os brancos

             representavam menos de 1% da população, mas detinham 70% de

                terra arável).

1996 – Reeleição da ZANU e Mugabe

1999 -  Início de uma grave crise económica.

             Dificuldades na Reforma Agrária por excesso de restrições à

             distribuição de terras e por promessas não cumpridas pelos EUA,

             Reino Unido de financiarem as aquisições das terras, tal como fora previsto nos Acordos

             de Lancastar House. Queda a pique da importante produção agrícola de qualidade.

1999-2008 – Recessão em que a economia contraiu 50%, refém de um

                        baixo crescimento devido à seca e, depois, à crise internacional.

2000 – Governo laçou uma rápida aquisição de 3 mil fazendas (5

             milhões de hectares) para aí colocar 110 mil famílias em 6

             meses,

 

2008 -  Tsvangirai vence a 1ª volta das presidenciais e Mugabe a 2ª volta, mas

              com acusações sérias entre as duas de matança de apoiantes do primeiro

2012 – Deslocação de 10 mil militares para Moçambique para apoio

              ao combate de Moçambique contra a RENAMO.

              Governo de coligação com o MDC, de Morgan Tsvangirai

2013 – Programa de “indigenização” nas filiais das multinacionais.

2016 – Declaração do estado de catástrofe em grande parte das zonas

              rurais atingidas pela seca severa.

2017 – Afastamento de Mugabe por movimento militar, acompanhado de

              forte apoio popular e da própria ZANU-PF, após tenaz resistência do

              próprio a dificultar o arranque de uma nova fase no país.

              Indigitação como presidente o anterior vice-presidente, que Mugabe afastara,

              até à próxima eleição presidência em 2018.

 
Mugabe recebe as chefias militares rebeldes para negociar os termos da sua saída da presidência

 
Robert Mugabe

O papel histórico de Mugabe na luta pela libertação, na construção do país, na resistência ao neocolonialismo, na solidariedade internacionalista para com Moçambique e na resistência à influência intervencionista do regime de apartheid sul-africano contra os novos países vizinhos.

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