Ontem, no salão Nobre do
Instituto Superior Técnico, realizou-se uma homenagem a José Mariano Gago, por
iniciativa da AEIST e da Ephemera, com apoio do IST, que com a Associação
protocolou na altura a criação de bolsas que ficam com o nome do homenageado.
Estiveram presentes mais de cem colegas da
AEIST, investigadores, o director do IST e o Reitor da Universidade.
Presente esteve também a mãe, a viúva e a sua
companheira de dez anos, com quem saiu "a salto" do país e que deu
conta de uma experiência de educação permanente junto de emigrantes que
aspiravam a ter um acréscimo na sua formação.
Colegas da direcção a que presidiu, o Rui
Teives, o João Vieira Lopes e eu próprio referiram-se ao José Mariano, em
várias facetas.
Para quem esteja interessado, deixo aqui
aquilo que pensava dizer, na íntegra, já que o tempo disponível só deu para me
referir a parte disso.
A dimensão do seu contributo para
a comunidade científica e para a Ciência e Investigação, do sistema científico
nacional, anteriormente pouco desenvolvido, é muito grande e ultrapassa as
considerações que aqui fazemos na qualidade de activista e dirigente da AEIST,
ocorrida particularmente entre 1967 e 1970.
O José Mariano era um jovem muito
vivo e Inteligente, arguto e determinado, muito difícil de convencer, apesar de
uma grande disponibilidade para ouvir os outros mas com a intenção de os
convencer das suas ideias.
Com uma formação de cultura geral superior à
média no IST. E com uma atitude de formação integral permanente, que
ultrapassava a Engenharia.
Juntámo-nos numa direcção
unitária em resultado da intervenção dos estudantes do IST no cenário trágico
das inundações de 67, e um ano depois, na luta pelo apoio financeiro dos
serviços sociais do Estado à cantina da AEIST, e pela reabertura do IST, que
fora encerrado na sequência dessa outra luta, com processos disciplinares
contra vários de nós e a exigência, posterior, de eleições para a Associação,
onde a lista por ele presidida foi a única concorrente, congregando um largo
apoio na escola.
O José Mariano assumiu quase como
um desígnio pessoal a introdução de mudanças na AEIST e no Movimento Estudantil
na medida em que as pudesse influenciar em sentidos que, pelo menos eu, não
partilhei integralmente. E refiro aqui concordâncias/discordâncias, resultantes
do nosso percurso comum, também baseadas em entrevistas e depoimentos que
deixou.
1. O José Mariano queria uma
AEIST mais eficaz de luta contra um governo, que ele considerava retrógrado por
não sintonizado com as mudanças da ciência e da técnica e da evolução das
maneiras de pensar e por impedir o intercâmbio com outros países europeus;
2. E, nesse confronto, deu
particular atenção à guerra colonial através do apoio a deserções e da difusão
de informação dos movimentos de libertação. Sobre esta questão referia a
existência de reservas por parte do PCP em a AEIST assumir esse papel, o que
não correspondia à realidade, tanto mais que trabalhávamos juntos. Eu
valorizava as deserções colectivas que, no estrangeiro pudessem ser factor de
propaganda e solidariedade internacional contra guerra.
Mas defendia as incorporações militares dos
nossos colegas depois de concluídos os períodos de adiamento concedidos para se
concluírem os cursos. Para, a partir daí, fazer um trabalho político nas três
frentes de guerra, trabalho que ele considerava impossível de realizar.
A experiência demonstrou que isso teve algum
papel no acabar a guerra, de forma pacífica nos dias seguintes ao 25 de Abril,
pelo trabalho de milicianos. Os próprios militares do Quadro Permanente (QP),
pelo menos os que tinham passado pelos anos de formação no IST que os seus
cursos militares incluíam, também contribuíram para esse contacto expedito com
os movimentos de libertação na própria frente de combate.
3. Teve alguma elaboração teórica
com o Félix Ribeiro, de Económicas, sobre o movimento estudantil mas não
consegui conhecer a sua continuidade no tempo para a poder hoje aqui comentar,
também no quadro da produção teórica que realizou quando da militância de um
Comité Marxista-Leninista que ele e o Vieira Lopes formaram.
4. O distanciamento de dirigentes
de outras gerações e alguma desconsideração por construir plataformas unitárias
em luta por objectivos concretos e/ou imediatos, era nele evidente. Metia-se em
iniciativas em que ele pudesse ter um papel determinante. Parecia que
classificava essas como lutas de "1ª geração" (a expressão é minha),
como a defesa dos estudantes presos, a luta contra a repressão, a defesa das
AAEE contra encerramentos, o próprio IV Seminário dos Estudos Associativos,
onde se discutiram diferentes perspectivas quanto ao passado, presente e futuro
das AAEE. Para ele só seriam lutas de uma "2ª geração" a participação
na reforma do ensino de engenharia, a emancipação sexual, a revolução dos
costumes ou a aproximação de Portugal a outros países europeus (em que o
turismo estudantil seria importante), para satisfazer a “vontade irreprimível
de viver numa sociedade diferente” (a expressão é dele);
5. Mas, não contraditoriamente,
compreendia a importância da resistência a tentativas do governo e reitores de
retirarem a gestão pela Associação de importantes infraestruturas que queriam
passar para os Serviços Sociais ou até para a Mocidade Portuguesa. Ora esses
eram meios que eram melos essenciais da relação da AEIST com os estudantes: a
Cantina, a Secção de Folhas (editorial), a Piscina e o
próprio Turismo estudantil, ou mesmo a revista "Técnica" o Lar ou a
Papelaria para já não falar da própria AEIST no seu todo.
Situações destas geraram reivindicações de 1ª
geração mas as de 2ª sem elas sentiriam dificuldades em progredir…;
6. Teve um papel importante na
resolução das dívidas de que a AEIST padecia e em não deixar definhar o turismo
por causa delas.
Fê-lo quer junto de banqueiros portugueses -
curiosamente através de um dirigente do PCP, saído da prisão quando era quadro
clandestino do PCP, que fora secretário-geral da RIA, dirigente da AEIST e da
Casa dos Estudantes do Império, o José Bernardino - à beira de regressar à
clandestinidade), quer junto dos partidos sociais-democratas sueco e alemão com
o apoio do João Vieira Lopes. Que tinham razões para influenciar politicamente
o movimento estudantil português.
7. Finalmente, não tendo sido o
nosso mandato de 69/70 particularmente intenso em lutas internas na escola, o
José Mariano e todos nós estimulamos a solidariedade com as lutas dos
estudantes do Instituto Industrial, do Instituto Comercial e, particularmente
de Coimbra, apesar de ele ter contrariado uma plataforma nacional contra o
governo, que ficou conhecida por “8 pontos”, que poderia ter sido o motor para
a criação de uma União Nacional dos Estudantes Portugueses...outra forma de nos
aproximarmos de outros países europeus que dispunham destas uniões facilitadoras
das trocas de informação e solidariedade internacional de que precisávamos.
Termino dizendo que, mesmo tendo tudo isto
ocorrido num breve tempo de vida, o José Mariano foi um dos grandes dirigentes
que a AEIST teve.
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