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terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Refugiados – a outra face do imperialismo norte-americano e dos seus aliados



Enfrentar as causas da imigração passa pelo fim das guerras e agressões, e das políticas neocoloniais de exploração dos povos, pelo respeito da soberania e independência dos Estados, pelo combate à pobreza e por políticas de real solidariedade e cooperação.

Os responsáveis de uma crise

A crise dos refugiados, desde o início deste século, ocorreu particularmente depois da invasão do Afeganistão, em 2001, do Iraque, em 2003, e do início das «primaveras árabes», a partir dos finais de 2010, e depois com a proliferação de grupos terroristas nestes países, na Síria, e em vários países do Norte e Centro de África (Norte, Centro e Corno de África).

A avalanche de refugiados destes países, que fugiram dos horrores da guerra, responsabiliza em primeiro lugar os EUA, por razões económicas, de disputa de petróleo e domínio dos fluxos do gás natural. EUA que, num quadro de disputa geoestratégica, investiram, particularmente quando deixaram de ser a principal potência comercial mundial e se viram confrontados com potências emergentes que passaram a configurar um mundo multipolar e a disputar a liderança do dólar, a criar associações regionais e instituições de financiamento em que eles já não mandam.

Mas responsabiliza também a União Europeia e a sua política de imigração por mais estas tragédias humanitárias e de perdas de vidas humanas. E a Arábia Saudita no seu objectivo de dominar o Corno de África.

Foram até agora milhões, entre deslocados internos em cada país e emigrantes, que fugiram à guerra, à fome e à pobreza extrema.

Seres humanos procuram fugir da pobreza, da guerra, de maus-tratos e da morte, por vezes famílias inteiras, que arriscam a vida em luta pela sua sobrevivência e carregam consigo histórias dramáticas de vida. A comunidade internacional tem obrigação de cumprir com o princípio basilar consagrado na Carta das Nações Unidas, relativamente ao seu inalienável direito à vida e à dignidade.

Uma imigração, também de substituição

Enquanto aumentou o caudal de imigrantes pelas razões indicadas, o neoliberalismo provocou o decréscimo acentuado da população nos países desenvolvidos.

A ONU concluiu em 2001 que durante os 50 anos seguintes a população da maioria destes países desenvolvidos diminuiria e envelheceria em resultado da queda acentuada dos níveis de fecundidade e mortalidade, e que seria necessário manter certos níveis de imigração para evitar o decréscimo populacional em todas as regiões e países referidos no estudo. Mas o número de imigrantes necessários para evitar o decréscimo da população activa revelou-se mais elevado. A Alemanha e a Itália precisaram de um número bastante mais elevado. Este processo foi acompanhado pela captação preferencial de quadros, em que concorreram com idênticas políticas de atracção a Inglaterra e os EUA.

A vaga de refugiados de que falamos no início soma-se a estes fluxos.

A União Europeia e a Turquia

Encarando esta crise como uma ameaça e discriminando, na resposta a dar, refugiados e migrantes, a UE não quis responder a este drama, antes deu argumentos ao racismo e xenofobia. E, também a pretexto do drama humanitário, a União Europeia, seguindo os EUA e a NATO, permitiu novas aventuras militares no Médio Oriente e no continente africano.

Os principais países europeus envolvidos nestas práticas foram a Inglaterra, França e Alemanha. Mas quiseram libertar-se das responsabilidades, enxotando-as para os países balcânicos, que passaram a fazer o «jogo sujo» de conter o fluxo dos refugiados. Por sua iniciativa, a UE aceitou estabelecer acordos com a Turquia, de maneira surpreendente, aceitando imposições financeiras, e não só, de Erdogan, em troca de a Turquia ampliar o seu esforço de conter o fluxo dos que atravessam o seu território rumo à Europa. E com duas fases de exigências financeiras.

«A resposta a esta "crise" passa, em primeiro lugar, pelo respeito dos direitos humanos, incluindo os sociais e laborais, e do direito dos povos ao desenvolvimento.»

A maior exigência, apresentada na cimeira extraordinária sobre o tema, em Março deste ano, em Bruxelas, foi financeira: Ancara quis, até 2018, que a UE passasse para 6,8 mil milhões de euros a ajuda aos cerca de 2,5 milhões de refugiados que têm vivido em acampamentos turcos, a maioria dos quais sírios, que cruzam a fronteira para escapar da guerra em curso há cinco anos.

Em Novembro, na anterior reunião, o bloco europeu já havia acertado com a Turquia três mil milhões de euros para esse fim, ao longo de 2016 e 2017, tendo então de imediato a Comissão Europeia libertado a primeira tranche, de 95 milhões.

A principal oferta turca foi dispor-se a aceitar de regresso para seu território todos os «migrantes irregulares», apanhados em barcos no mar Egeu, inclusive aqueles que tivessem chegado a ilhas da Grécia, ou seja, já em solo europeu. Os custos dessas operações seriam pagos pela União Europeia.

Desde então, uma missão da NATO passou a patrulhar o Egeu para impedir as travessias ilegais. A contrapartida pedida por Ancara é que, por cada sírio que seja reconduzido das ilhas gregas para a Turquia, outro que estivesse a viver em acampamentos turcos entrasse numa lista a quem é garantido o acolhimento em países da UE.

O actual secretário-geral da ONU, António Guterres, à altura responsável pelo ACNUR [Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados], criticou este acordo em Abril deste ano, propondo como alternativa «a oferta maciça de reinstalação legal» para compensar um travão colocado no movimento irregular de pessoas em direcção à Europa, como forma de combater o contrabando e o tráfico humano. Infelizmente, o que foi posto em cima da mesa no acordo entre a União e a Turquia não foi isso. É: por cada um que é reenviado para a Turquia, vai-se buscar um. Ou seja, quanto menor for o movimento, menor é o número de pessoas que vêm legalmente para a Europa. Quando é exactamente o contrário: quanto menor for o movimento, maior deve ser o número de pessoas que vêm legalmente para a Europa. O que precisamos é de uma perspectiva distinta.

A resposta a esta «crise» passa, em primeiro lugar, pelo respeito dos direitos humanos, incluindo os sociais e laborais, e do direito dos povos ao desenvolvimento. Passa também pelo abandono da política de repressão e de militarização deste drama, que só alimenta as redes de imigração ilegais, e por uma política humanitária de apoio aos refugiados, ao seu bom acolhimento.

Mas, sem ilusões, o combate às causas da imigração passa pelo fim das guerras e agressões que estão na sua origem, pelo fim das políticas neocoloniais de exploração dos povos em países de África e do Médio Oriente, pelo respeito da soberania e independência dos Estados, pelo decidido combate à pobreza e por políticas de real solidariedade e cooperação para o desenvolvimento dos países economicamente menos desenvolvidos.

Principais fontes de refugiados, segundo dados do ACNUR sobre o ano de 2015

Sendo de prever para 2016 uma redução significativa de refugiados vindos do Norte de África, o cômputo global feito pelo ACNUR relativo ao ano que está a acabar só será concluído no início de 2017. Os dados disponíveis são do ano de 2015.

A Síria é vítima de uma agressão em que convergem EUA, França, Inglaterra, Turquia, Arábia Saudita e outras monarquias do Golfo e Israel. Os ataques da Al-Nusra (Al-Qaeda), Exército Livre Sírio e outros grupos, incluindo o Estado Islâmico (que chegou a controlar 50% do país), fizeram com que mais de 20 milhões de habitantes fossem obrigados a abandonar as suas casas; e que 7,5 milhões de pessoas se deslocassem para outras partes da Síria e quatro milhões para a Turquia, Líbano e Jordânia. Depois do fim do drama em Aleppo, uma acção concertada com a Síria da Rússia, Turquia e Irão, poderá, com a paz, estancar-se este êxodo e ir recuperando condições de vida dignas para os refugiados.

Segundo o ACNUR, 34 % das pessoas que procuraram a Europa em 2015 eram sírias.

Em vários períodos dos últimos 40 anos do Afeganistão registou-se um acréscimo de refugiados e deslocados. Iniciou-se na revolta armada dos talibans, radicais islâmicos que desrespeitavam os mais elementares direitos humanos, a partir de 1990, nas tribos da etnia Pachtun, que habitam principalmente as regiões Leste e Sul do Afeganistão e também no Paquistão. Esta revolta foi contra o governo eleito democraticamente no país, depois da revolução de 1978, seguida da intervenção pedida por este aos soviéticos (1979-1989), na Guerra Civil (1992-1996), que terá provocado mais de um milhão de mortos, em que os vários grupos em confronto confiscaram terras dos camponeses, quer no regime Talibã (1996-2001), quer, depois, na intervenção norte-americana, no pós-11 de Setembro, que dura desde então.

A influência dos talibans, com o apoio do Paquistão, confrontou os governos do Afeganistão, provocando 710 mil deslocados internamente, 2,5 milhões deslocados noutros países, dos quais 95% no Paquistão e Irão. Desde 2002, mais de 3,8 milhões, devido às perseguições sofridas no Paquistão, regressaram ao Afeganistão.

Os EUA continuam a não dar mostras de contribuir para a solução desta questão.

Cerca de 12% dos clandestinos entrados em 2015 na Europa, pelo Mediterrâneo, eram afegãos.

Independente da Etiópia desde 1993, a Eritreia, com o presidente Isaias Afwerki, líder da independência, tem rejeitado as ingerências imperialistas. Tem sofrido ataques da Etiópia, que continua a ser fiel aliado de Washington.

216 mil refugiados repartiram-se entre os vizinhos Etiópia e Sudão. Mas as difíceis condições dos campos de acolhimento nestes países fizeram com que parte deles fosse para a Europa, onde têm um estatuto especial de «refugiados políticos», pressionado pelos EUA como forma de «comprovar a opressão interna na Eritreia».

«Os traficantes de refugiados [...] estão cada vez mais ligados ao crime organizado nos diversos países onde ocorre o fluxo migratório.»

Na Somália, prossegue uma difícil situação, com conflitos, desde a queda de Siad-Barre, em 1991, o que, com secas esporádicas, leva a grandes deslocações internas, e a um Estado falhado.

Também a acção da milícia islâmica Al-Shabaab, ligada À Al-Qaeda, impede a chegada de apoio humanitário de organizações estrangeiras, o que acentua situações de pobreza.

Segundo o ACNUR, houve deslocações internas de 1,1 milhões de pessoas e de um milhão para os países vizinhos Quénia, Etiópia e Iémen.

A Nigéria tornou-se no mais recente exemplo, em África, da internacionalização de um conflito interno. Os ataques da seita islamita Boko Haram, activa desde há anos no Nordeste do país, aumentaram nos últimos dois anos, perante a ineficácia do Exército nigeriano, acusado de corrupção e de não querer combater.

Em consequência dos combates com os terroristas, há uma deslocação interna de 1,3 milhões de pessoas e uma deslocação de 150 mil para o Chade, Níger e Camarões.

O tráfico de refugiados

Os traficantes de refugiados fazem parte de complexas redes criminosas internacionais, que não reconhecem fronteiras. Estes traficantes estão cada vez mais ligados ao crime organizado nos diversos países onde ocorre o fluxo migratório.

Em muitos casos os refugiados não têm outra escolha se não colocar as suas vidas e elevadas quantias nas mãos de traficantes, e com tantos mais riscos quando a pressão migratória aumenta, acentuando a precariedade das deslocações.

Quando não têm dinheiro – e isso acontece especialmente com os refugiados do Norte de África, que não têm dinheiro para pagar pela viagem entre sete e 11 mil euros –, os EUA pagam, através de várias organizações «humanitárias» suas, altas somas em dinheiro aos contrabandistas, que levam para a Europa, de forma ilegal e diariamente, milhares de refugiados.

Outra forma de os mais jovens fazerem a viagem é prostituírem-se ou roubarem e trabalharem para os traficantes.

Obama, Hollande e Cameron irão sair de cena com o mundo a apontar-lhes o dedo acusador por crimes contra a Humanidade, de que os refugiados são uma dolorosa consequência.

Nota - Artigo originalmente publicado em 26/12/2016 em www.abrilabril.PT
 

 

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