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segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

"Cidadão Snowden"

A RTP transmitiu, no passado dia 5, a terceira parte do documentário “CITIZENFOUR” (“Cidadão Snowden”), premiado com o Nobel, cuja história começou em Janeiro de 2013, quando estando a realizadora Laura Poitras a fazer um filme sobre abusos de segurança nacional no pós-11 de Setembro nos Estados Unidos, começou a receber e-mails encriptados de alguém que se identificava como "CITIZENFOUR", que se dizia pronto a denunciar os programas de vigilância massiva dirigidos pela NSA (National Security Agency) e outras agências secretas.
Em menos de seis meses, depois de Snowden ter saído dos EUA para Hong Kong, e depois da administração norte-americana ter pedido a sua extradição sem êxito, Laura Poitras e o jornalista Glenn Greenwald, a quem Snowden confiou todos os elementos de que dispunha, trabalharam com ele meses a fio num documentário que viria a ganhar o Prémio Nobel no ano passado.
Snowden passou a Glenn e a Laura informações confidenciais da poderosa e tentacular NSA e de outras agências de inteligência, desmascarando práticas secretas de espionagem digital a milhares de cidadãos dos EUA e do mundo. Num trabalho coordenado por Glenn e pelo The Guardian a denúncia veio a público, provocando grande indignação e polémica. E Laura documentou em vídeo os múltiplos encontros entre Glenn e Snowden num quarto de hotel em Hong Kong, apresentando um documentário baseado neles o resultado em 2014.
Ao revelar-se há 3 anos ao mundo, Snowden afirmou:
O meu nome é Ed Snowden. Há pouco mais de um mês, eu tinha família, um lar no paraíso, e vivia com grande conforto. Tinha também meios para, sem qualquer ordem judicial, procurar, avaliar e ler as comunicações de todos vós, comunicações de qualquer pessoa, a qualquer momento. E o poder para mudar o destino das pessoas.
Isso é também uma grave violação da lei. A 4ª e 5ª Emendas da Constituição do meu país, o artigo 12º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e inúmeros estatutos e tratados proíbem tais sistemas de vigilância pervasiva massiva. Enquanto a Constituição dos EUA definem estes programas como ilegais, o meu governo argumenta que decisões tomadas por tribunais secretos, que o mundo não tem permissão para ver, legitimam, de algum modo aquele procedimento ilegal. Essas decisões de tribunais secretos corrompem, simplesmente, as noções mais básicas da Justiça – que a Justiça, para ser feita, tem de trabalhar às claras. O imoral não pode ser transformado em moral por força de lei secreta.
Acredito no princípio declarado em Nuremberga em 1945: “Os indivíduos têm deveres internacionais que transcendem as obrigações nacionais de obediência. Portanto, cidadãos, indivíduos, têm o dever de violar leis domésticas para impedir que se cometam crimes contra a paz e a humanidade”. (…).
Apesar de refugiados, de serem tratados como traidores pelos falcões que dirigem o Biga Brother, a acção de Edward Snowden, de Julian Assange e da WikiLeaks tem sido de grande importância contra esta vigilância massiva que recorre a novas e caras tecnologias para manter controlados países, governos e povos.
O The Guardian foi o primeiro jornal a divulgar os documentos. Outros jornais de vários países do mundo seguiram-lhe o exemplo e foram divulgando, sistematicamente, a vigilância que devassa a vida de todos os cidadãos, os transforma em alvos de pressão política, chantagem e assassinato sem precedentes, atingindo também os próprios países e governos aliados dos EUA.
Edward Joseph Snowden, na altura com 30 anos, era analista de sistemas e administrador de sistemas da CIA e contratado da NSA. Vive, asilado em Moscovo há 3 anos, tal como o australiano Julian Assenge, um dos responsáveis da WikiLeaks, jornalista e cibernauta, vive asilado há 4 anos, na embaixada do Equador em Londres.
A actualização de dados que vão sendo extraídos da documentação em bruto e outras questões relacionadas podem encontrar-se:
·         No The Intercept (https://theintercept.com/),
·         Na Courage Foundation (https://www.couragefound.org/),  
·         No The Guardian (https://www.theguardian.com/us-news/edward-snowden),
O já chamado “Arquivo de Snowden” inclui uma grande diversidade de documentos, com relevo para programas de monitorização e comunicações internas e pertencem essencialmente à NSA mas incluem também actividades de outros serviços secretos das mesmas áreas como o Government Communicatios Headquarters (GCHQ), britânico. Aliás estas duas agências trabalham partilhando informações, o que permitiu a Snowden ter acesso a elas. Mas trabalham também em associação com as agências homólogas da Austrália, Nova Zelândia e Canadá (algumas das mais poderosas do planeta, conhecidas como os 5-eyes ou 5-olhos…), o que lhes permite ter uma visão muito ampliada das actividades de informação electrónicas.
O  general Keith Alexander responsável pela NSA, cuja cúpula está atrás de si, já reclamou do Congresso aumento de dotações “para evitar uma guerra cibernética, ao mesmo tempo que diz em entrevistas que não grava nem recolhe informações de ninguém...
 
 
São múltiplos os exemplos da natureza maciça desta monitorização. Por exemplo:
• A NSA recolhe 200 milhões de mensagens de texto e imagens por dia em todo o mundo;
• O GCHQ intercepta chats de vídeo de 1,8 milhões dos utentes da Yahoo!.
• A NSA é capaz de chegar a todos os lugares de um único país;
• O GCHQ intercepta quantidades astronómicas de dados nos diversos cabos submarinos que chegam à Grã-Bretanha, sendo mesmo capaz de manter uma cópia completa dos dados por três dias.
A lógica de funcionamento da captação de dados é recolher tudo em cada vez mais suportes num “palheiro” cada vez maior para depois selecionar a “agulha”, tendo um dos cérebros do GCHQ já sugerido que se captasse tudo na internet…Há agências e empresas a transbordar desta informação mas é assim mesmo que trabalham.
Depois das revelações de Snowden, a NSA e o GCHQ desenvolveram um sistema e processo de industrialização e automatização de infeção de milhões de computadores, que a NSA é capaz de inserir para modificar programas espiões em routers americanos, dispositivos que permitem fazer transitar uma grande quantidade de comunicações através da Internet, antes de a disponibilizar.
Com a passagem do tempo, a “porosidade” entre estes serviços secretos e empresas como a Microsoft, o Facebook, o Google, empresas de telecomunicações terrestres e marítimas foi sendo revelada, quer porque os primeiros o davam a entender quer porque as segundas, em jeito envergonhado reconheceram “acordos” entre as duas partes. O Washington Post revelou depois a pirataria da NSA em relação ao Google e à Yahoo!(1).
Mas esta “porosidade” permite que a NSA exerça a sua pesada influência para enfraquecer certos padrões de encriptação dos dados, tornando potencialmente mais fácil a leitura de dados supostamente protegidos e debilitando a segurança de todos os utilizadores da internet.
As revelações de Snowden permitiram também verificar que há governos de países como a Alemanha que prescindem de parte da sua soberania ao permitirem o acesso a dados recolhidos no seu território ou acesso a dados interceptados pelos próprios…
Outra faceta da actividade da NSA e GCHQ foi agora revelada pelo “Le Monde” que tem um acordo com The Intercept. Supostamente a grade maioria da actividade destes serviços secretos deveria estar centrada no tráfico de armas, de drogas e de seres humanos ou na recolha de dados sobre grupos terroristas…Mas parece que não. A maioria das operações tem como alvos operadores de telecomunicações, quadros dirigentes destas e as suas actividades profissionais.
Também na investigação sobre o GCHQ no “Arquivo Snowden” o jornal francês encontrou relatórios de ensaio sobre links de satélite que transportam tráfego de internet e telefone. Na Primavera de 2009, a agência interceptou comunicações internas de duas operadoras muito activos no Médio Oriente e em África. A “rede Zain”, criada pelo GCHQ, está muito presente em África e ainda operava, à data da divulgação do “arquivo”, em 2013, em quinze países, do Burkina Faso ao Níger passando pelo Uganda e pelo Chade, procedendo à vigilância de chefes de estado de vários países, incluindo José Eduardo dos Santos (3).
Snowden e Assange foram vítimas de perseguição, de ameaças de morte, de mentiras, estão limitados nos pequenos espaços que a solidariedade da Rússia e do Equador, perderam a vida familiar e o direito ao bem-estar. Tiveram uma atitude corajosa para o bem da humanidade, ao contribuírem para que, nestes 3 anos, os povos de todo o mundo pudessem ter algum acesso ao conhecimento sobre o controlo total que o imperialismo procura ter sobre eles.
 
(*) Texto originalmente publicado, nesta mesma data, em www.abrilabril.pt
 

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