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sexta-feira, 8 de junho de 2018

A “guerra comercial” de Trump pode virar-se contra os interesses dos EUA, por António Abreu


Taxa de cobertura das importações pelas exportações(tx=export/importx100) dos EUA, de vários países e da UE


    A taxa de cobertura de Portugal passou de 79,0 em 1996 para 104,3 em 2017.Na U28 o país em que esta taxa mais cresceu foi a Alemanha onde passou neste período de 103,7 para 119,3
 
A tensão entre as grandes potências económicas pode vir a afectar vários países e reduzir o fluxo do comércio internacional, com consequências difíceis de antecipar quanto é certo que continuam a decorrer negociações entre as partes envolvidas.

As tarifas de 25% aplicadas pelos EUA ao aço e de 10% a o alumínio importados começaram a ser aplicadas em relação ao Canadá e México. A UE e a China também são alvo de medidas semelhantes. Todos os atingidos estão a retaliar, não sendo claro quem vai ficar pior no fim disto tudo.

Os EUA importam mais destes países do que exportam para eles (importa 296 mil milhões de dólares do Canadá e exporta para ele apenas 266, enquanto importa do México 302 enquanto exporta para ele apenas 229). O argumento de que passou a praticar essas taxas em nome da segurança nacional foi ridicularizado pelo 1º ministro do Canadá mas é real que os EUA estão a depender cada vez mais de importações de aço e alumínio - particularmente importantes na construção de navios e aviões - para satisfazer os apetites do complexo militar-industrial em construir cada vez mais para vender cada vez mais.

Em relação à China, esta e os EUA tiveram uma reunião nos passados dias 2 e 3 e para a China os resultados destas conversas devem respeitar o pré-requisito de que as duas partes encontrem o equilíbrio e não entrem numa guerra comercial. Segundo o documento saído das reuniões, para a parte chinesa implica que” todos os resultados económicos e comerciais das conversas não entrarão em vigor se o lado norte-americano impuser sanções comerciais, incluindo o aumento das tarifas", o que parece normal para quem negoceia de boa-fé.

Dos acordos bilaterais que os EUA queriam assinar com outros países, já foram assinados acordos com a Coreia do Sul, a Austrália, a Argentina e o Brasil. Mas, o mais importante, foi a guerra comercial com a China ter sido suspensa por tempo indeterminado, uma vez que Pequim se mostrou disposta a negociar um acordo que prevê o aumento das importações chinesas de energia e bens alimentares norte-americanos num valor que permita aos Estados Unidos reduzir o seu défice comercial com a China.

A China comprometeu-se a trabalhar com os exportadores chineses para reduzir o déficite comercial dos EUA com a China. Mas para isso os EUA precisariam de uma redução de pelo menos 200 mil milhões de dólares até o fim de 2020. Ora, vários especialistas em comércio internacional dizem que os EUA não têm pura e simplesmente a capacidade de aumentar a produção o suficiente para atingir essa meta, substituindo as importações por produtos equivalentes produzidos nos EUA. Para eles, os EUA estão a operar com pleno emprego nas suas empresas que trabalhem para esse fim e nelas não há uma grande capacidade produtiva subutilizada.

Uma “guerra” de tarifas aduaneiras dos EUA com a China podem, por exemplo, provocar a queda abrupta da competitividade da indústria automobilística dos EUA. E, nesse caso, a China aumentará as encomendas de automóveis aos países europeus e asiáticos e potenciará o crescimento da indústria automóvel da China para o seu enorme mercado interno.

A economia dos EUA na sua relação com outros países está, de facto, a evoluir de forma negativa (ver anexo).

Quanto à Alemanha, esta fechou 2017 com um recorde de exportações, embora o seu excedente comercial tenha recuado pela primeira vez em oito anos.

As exportações da maior economia europeia chegaram a 1,279 biliões de euros, num acréscimo anual de 6,3%. Já as importações foram de 1,034 biliões de euros (+8,3%).O excedente comercial foi, consequentemente, de 244,9 mil milhões de euros.

As exportações alemãs para a Europa aumentaram 6,3% em 2017, atingindo os 750 mil milhões de euros, com subida de 7% nas vendas para os países da zona do euro, e de 5,1%, para os demais. As exportações para países não europeus, incluindo os Estados Unidos, maior parceiro comercial da Alemanha, também cresceram 6,3%, isto é, 529,4 mil milhões de euros.

As importações dos EUA de países não europeus cresceram 2,3%, enquanto as procedentes da Europa subiram 7,9% (!). Em Janeiro, o presidente Donald Trump voltou a criticar a Alemanha, por considerar excessivo o seu superavit comercial com os EUA. O líder americano tinha ameaçado impor tarifas aduaneiras como represália, o que poderia afetar a indústria automobilística alemã. E também criticou a Alemanha por esta comprar gás natural à Rússia, potência “inimiga”, e permitir que o seu território fosse atravessado pelos gasodutos da Gazprom para outros países europeus.

Para compreender esta debilidade relativa dos EUA, há que ter em conta que a economia dos EUA e as suas estruturas financeiras nunca recuperaram da grande crise financeira de 2008, apesar de já terem passado dez anos. Pouco se discutiu o facto de o Congresso Republicano no ano passado ter abandonado o processo de cortes orçamentais obrigatórios ou cativações automáticas que tinham sido votados numa tentativa de conter o aumento da dívida do governo dos EUA. Se se atender aos orçamentos federais, cerca de 75% dos gastos federais são economicamente improdutivos, neles estando incluídas as despesas militares, o serviço da dívida mas também outras despesas. Ao contrário da Grande Depressão dos anos 30, quando os níveis da dívida federal eram quase nulos, hoje a dívida é de 105% do PIB e está a aumentar. Os gastos em infraestruturas económicas nacionais, incluindo a Tennessee Valley Authority e uma rede de barragens construídas pelo governo federal e outras infraestruturas, resultaram do grande boom económico dos anos 50. Depois disso nada de significativo foi feito e os 1,5 biliões de dólares aprovados para o programa do novo caça F-35 contribuirão para agravar muito mais o déficite.

Nesta situação precária, Washington está a confrontar os próprios países de que precisa para financiar esse déficite, comprando-lhe a dívida dos EUA. Como acontece com a China, Rússia e o Japão. Como os investidores financeiros exigem mais juros para investir na dívida dos EUA, as taxas mais altas agravarão a situação e os ratings das notadoras financeiras, mesmo seguindo os interesses da administração norte-americana, não perdoarão. Parece que ninguém em Washington se importa com isso e esse é um facto alarmante.

A generalização de taxas de importação maiores, como expressão do confronto comercial entre grandes grupos económicos mais ou menos aliados dos EUA, não vai resolver o problema da economia americana e irá gerar uma grande redução do comércio internacional com consequências para os EUA e para muitos outros países.

Este é o pano de fundo das perigosas opções de política externa dos EUA no momento em que os efeitos positivos do processo de desnuclearização na península coreana são obscurecidos por provocações de diferentes tipos como as intervenções com bandos dedicados a destruições na Venezuela e na Nicarágua, a manutenção ainda do apoio a grupos terroristas já praticamente derrotados na Síria, e os bombardeamentos nesta de força da "coligação internacional
 
A verde os países que hoje integram a Organização de Cooperação de Xangai (OCS)
 
Contrastando com esta situação de conflitualidade, realizou-se  na China o 18º encontro do Conselho de Chefes de Estado da Organização de Cooperação de Shanghai (OCS), Ao longo dos últimos 17 anos os estados que a integram acompanharam a tendência de paz, desenvolvimento, cooperação e benefício mútuo, apostando nos dois vectores da segurança e da economia para avançarem em conjunto. 

Nesta reunião participaram os novos membros India e Paquistão que assim se juntam ao Cazaquistão, República Popular da China, Quirguistão, Rússia, Uzbequistão e Tajiquistão. Inclui ainda cerca de vinte observadores (incluindo o Irão, Afeganistão, Bielorússia e Mongólia), parceiros de diálogo e convidados. A cimeira vai facilitar as trocas comerciais e a cooperação entre os países-membros e que isso inclui a cooperação entre micro, pequenas e médias empresas e o desenvolvimento do comércio de serviços, comércio eletrónico e think tanks económicos. Para além do apoio à luta travada pela Síria, entenderam que os conflitos no Afeganistão devem ser resolvidos pela própria população
O comunicado em 10 pontos saído da reunião contempla

1- Oposição à fragmentação nas relações comerciais mundiais e a qualquer forma de protecionismo comercial.
2 – Apoiar a Exposição Internacional de Importação da China, a ter lugar em novembro de 2018, em Shanghai.
3 - Persistir na resolução da questão da Península Coreana através do diálogo e da consulta.
4 - Enfatizar o diálogo político e a criação de um processo de paz e reconciliação, liderado pelo Afeganistão, como única forma de resolver a questão afegã.
5 – Destacar a importância da implementação sustentável do acordo nuclear iraniano, e apelar às partes concernentes para garantir a total implementação deste.
6 – Oposição ao uso de armas químicas por qualquer pessoa, em qualquer lugar, independentemente das circunstâncias.
7 – Aprovar a concepção da Cooperação na Proteção Ambiental dos Estados Membros da OCS.
8 – Apoiar a cooperação na área da inovação.
9 – Dar continuidade à pesquisa para a criação de um banco de desenvolvimento e de um fundo de desenvolvimento da OCS.
10 - Promover a cooperação mediática e apoiar a realização de uma cimeira de imprensa da OCS.
 




 
Anexo - Alguns dados sobre a economia norte-americana
 
Principais produtos agropecuários produzidos: milho, algodão, frutas, trigo, vegetais, leite, carne de porco, peixe.

 Principais produtos industrializados produzidos: automóveis, máquinas, aviões, computadores, equipamentos eletrônicos, navios, produtos químicos, têxteis, alimentos processados, equipamentos de telecomunicações.

Principais recursos exportados: agrícolas (trigo, milho, frutas); suprimentos industriais (adesivos, cerâmica, vidro, ferramentas, gesso, lanternas); manufacturados (motores de veículos, computadores, equipamentos de telecomunicações, transistores).

Principais recursos importados: carros, crude, unidades de disco digitais, e medicamentos embalados

Principais parceiros económicos (exportação): Canadá, México, China, Japão e Alemanha

Principais parceiros económicos (importação): China, Canadá, México, Japão e Alemanha

Exportações (em 2016): 1,471 biliões de dólares

Importações (em 2016): 2,205 biliões de d´lares

Saldo da balança comercial: déficite de 734 mil milhões (em 2016)

PIB dos EUA cresceu 1,6% em 2016, ficando, em valores nominais, pelos 18,2 biliões de dólares, e o PIB per capita 57,5 mil dólares

Os Estados Unidos são a 2º maior economia exportadora no mundo (a 1ª é a China). Em 2016, os Estados Unidos exportaram 3,5 biliões e importaram 4,88 biliões de dólares, do que resultou um saldo comercial negativo de 1,38 biliões. Em 2016, o PIB nominal dos Estados Unidos foi de 18,6 biliões e o seu PIB per capita de 57,5 mil dólares.

As exportações principais do Estados Unidos são Indeterminado (159 mil milhões), Produtos refinados do petróleo (63,9 mil milhões), Carros (62,3 mil milhões), Aviões, helicópteros, e / ou naves espaciais (60,2 mil milhões) e Turbinas a Gás (56,1 mil milhões). As suas principais importações são Carros (177 mil milhões), Crude de Petróleo (104 mil milhões), Unidades de Disco Digital (88,6 mil milhões), Indeterminado (85,8 mil milhões) e Medicamentos embalados (74,4 mil milhões).

Os principais destinos de exportação dos Estados Unidos são o Canadá (266 mil milhões), o México (229 mil milhões), a China (115 mil milhões), o Japão (63,2 mil milhões) e o Reino Unido (55,3 mil milhões).

As origens de importação de topo são da China (385 mil milhões), do México (302 mil milhões), do Canadá (296 mil milhões), do Japão (130 mil milhões) e da Alemanha (118 mil milhões).

O saldo negativo da balança comercial dos EUA aumentou 1,59% em Fevereiro deste ano, ascendendo a 57.600 milhões de dólares (46,9 mil milhões de euros), o valor mais elevado em mais de nove anos.

Nota - Actualizado em 18/6/18 

2 comentários:

  1. Julgo haver um lapso. O saldo comercial em 2016 terá sido negativo de 1,38 biliões e não positivo, como, por lapso, aparece.

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