Não são ainda muito claras as
transformações que irão ocorrer depois de uma série de movimentos recentes no
tabuleiro do xadrez desta região.
A nova liderança na Arábia
Saudita consagra o poder de um homem ao gosto da administração norte-americana,
o Príncipe Mohamed Ben Salman.
Os EUA reconhecem a soberania da
Síria e envolvem-se num novo cessar-fogo, iniciado no passado dia 9, e em novos
passos para eliminar a escalada militar, em conjunto com a Rússia e a Jordânia.
Mossul caiu sem isso ter
significado a erradicação do Daesh do Iraque. A “vitória” da reconquista de
Mossul teve consequências
Os curdos deste país mantêm um
referendo para a independência do território que administram.
As consequências das destruições,
elevado número de refugiados sem tecto e sem trabalho, as consequências ainda
não avaliadas no plano dos comportamentos de populações sujeitas a um
prolongado cativeiro e administração por parte do Daesh, são importantes
desafios a novas administrações.
EUA, Rússia e Jordânia implementaram e prevê-se que garantam
a continuidade de um cessar-fogo no sudoeste da Síria, cobrindo Daraa, Quneitra
e Sweida. O fim da escalada militar nestas
regiões será monitorizado conjuntamente pelos três países.
Lavrov disse que os EUA aceitaram a importância de reconhecer a soberania da Síria e de trabalhar
para uma solução política. A implicação mais imediata disso é que os EUA
firmaram o compromisso com a Rússia de não procurar qualquer mudança de regime
em Damasco. Por outras palavras, Putin
disse e Trump não discordou que “Assad
pode ficar e ficará”.
Se alguns observadores dizem que Putin obteve uma vitória
geopolítica ao trazer os EUA para o processo negocial da paz, sem mudança do
regime na Síria, não deixa de ser observado por outros que Trump obtem um
trunfo para efeitos internos no seu país, ao assinar com a Rússia um bom
acordo, depois de nos seus últimos dias a administração Obama ter promovido a
expulsão de diplomatas russos e o confisco de propriedade russa nos EUA.
Este processo, a ter sucesso, ao
contrário de outros anteriores, poderia levar a nova negociação de paz em que
os três países participassem. Para isso terá contribuído a quase total vitória
da Síria contra o Al-Nusra e o Daesh e um novo envolvimento diplomático da
Rússia e da China com diversos intervenientes da região, de forma garantir o
normal fluir das relações comerciais, nomeadamente na perspectiva da nova rota
da seda. E com um forte investimento da China em infraestruturas geradoras de
desenvolvimento em vários países e, naturalmente em alguns casos, importantes
fluxos comerciais da China e para a China.
Para já há a registar que os
combates no Sul da Síria cessaram, de repente, e Damasco proclamou um
cessar-fogo unilateral em Deraa. E que isso pode ter sido acompanhado por
garantias dadas pela Rússia e os EUA de que a Síria só permitiria que nas suas
fronteiras estacionassem apenas forças russas e não iranianas a não ser o
Hezbollah libanês.
Se o Pentágono seguisse as ordens
de Trump, muitos conflitos poderiam cessar, mantendo-se outras situações por
resolver como a ocupação de partedehipre com a Turquia, com a acreitação tácita
da EU.
Os EUA e a Arábia retomariam
laços com o Iraque e a Síria.
Os Iemenitas poderiam vir a
suportar o impacto dos desenvolvimentos actuais. Embora seja claro que a Arábia
Saudita entrou na guerra no Iémen para instalar uma exploração conjunta com o
governo de campos de petróleo no "Quadrante Vazio" e para a glória
pessoal do príncipe Mohamed Ben Salman, parece que a assistência do Irão aos
houthis parece ser mais importante que os crimes que os países árabes e uma
certa comunidade internacional, de facto, lá cometeu O que poderá ser positivo
para a Palestina, Iraque e Síria, pode ser negativo para o Iémen.
Durante mais de dois anos, a
Inglaterra não aceitou deparar o fornecimento de armas à Arábia Saudita, apesar
das múltiplas provas de que eram usadas no Iémen em termos contrários à
legislação humanitária internacional. A Inglaterra forneceu desde o início dos
ataques sauditas ao Iémen cerca de 2.2 mil milhões de libras em licenças ML10
(aviões, helicópteros e drones), 1,1 mil milhões em licenças ML4 (granadas,
bombas e mísseis) e 430 mil em licenças ML16 (veículos armados e tanques.
Analisando o que poderão ter sido
os resultados da reunião de há dias de
Trump e Putin em Hamburgo, no decurso da cimeira do G-20, o jornalista Adam
Garrie do The Duran, salienta que é a segunda vez que o governo russo consegue
sucesso no envolver em processo político de paz um estado cuja posição sempre
foi de oposição ao governo sírio. O novo processo de paz, também mais uma vez,
rejeita explicitamente a mudança de regime e procura trabalhar construtivamente
com a Rússia.
Na primeira vez, aconteceu quando
a Rússia conseguiu levar a Turquia para as conversações de paz de Astana.
Segundo este analista, houve
especulações de que o Irão seria expulso do processo de paz na Síria, em
benefício dos EUA e da Jordânia, aliada dos norte-americanos, mas isso ainda
não é claro nem o governo iraniano teve qualquer pronunciamento público.
Por outro lado, pode admitir-se
que a supervisão dos EUA, Rússia e Jordânia sobre o cumprimento do cessar-fogo
em partes da Síria na fronteira com Israel, e não no Irão, com quem Israel não
tem relações diplomáticas, significaria que Israel deveria pôr fim à agressão
ilegal contra a Síria. Isso daria à Síria e aos seus aliados russos condições mais
favoráveis para expulsar do sudoeste da Síria os terroristas da al-Qaeda.
Claro que, como no caso da
participação da Turquia no processo de Astana, não há garantias de que os EUA
respeitem a própria palavra.
A Síria, com apoio da Rússia, tem
vindo a liquidar as bolsas terroristas a Oeste do Rio Eufrates. O processo
negocial de Astana acelerou essa possibilidade e o novo processo de cessar-fogo
não o irá impedir.
A probabilidade de Israel cessar os ataques no sul da
Síria, garantindo que os Montes Golan se constituam como tampão à expansão
israelita tem sido avançada por alguns analistas mas tenho sérias dúvidas que
isso possa acontecer.
No que respeita à Palestina, e como resultado de
negociações cruzadas, a paz poderia ser possível com o reconhecimento de um
Estado palestiniano e a indemnização de refugiados. Sendo que ambas os
territórios de Gaza e Cisjordânia tiveram cumpliucidades várias com agressores
regionais. A paz poderia chegar também ao
Líbano, com a retirada das construções de Shebaa.
Entretanto, paralelamente, na passada 2ª feira iniciou-se em Genebra a
sétima ronda dos Diálogos Intra-Sírios. A ronda anterior terminou em 19 de
maio, durante a qual a delegação da República Árabe da Síria realizou várias
sessões de conversações com o Enviado Especial para a Síria, Steffan de
Mistura, com reuniões de especialistas que não abordaram nenhuma das quatro questões
colocadas pelas alteridades sírias na quarta ronda, concluída em 3 de Março, a
saber, o combate ao terrorismo, o governo, a constituição e as eleições. Na
quinta ronda, concluída em 31 de Março, a parte governamental apresentou vários
documentos ao longo de oito dias ao Enviado Especial da ONU para a Síria, o
primeiro dos quais foi contra o terrorismo e outro referente aos Princípios Gerais
para uma solução política. Mas os grupos de oposição não responderam a nenhum
desses documentos.
Embora não do Médio Oriente, mas
estando associado a todo o processo negocial na região, a questão da crise na Ucrânia, abordada também na cimeira
do G-20 será objecto de reuniões a realizar em breve em Moscovo entre Lavrov e
Kurt Volker, o novo enviado de Washington para esta questão regional, com vista a um cessar-fogo
na região do Donbass (Luhansk e Donetsk, em conflito com Kiev, que as tem
fustigado militarmente, após a declaração esmagadora de independência das suas
populações). É à partida positivo que os EUA concordem em trabalhar para
aplicar os acordos de Minsk e o formato Normandia, normas vigentes para a paz.
Mas quanto ao Donbass, é claro que Donald Trump pouco se preocupa com que se
mantenha em Kiev um governo fascista, ao contrário do que, pelo menos em
palavras, era a atitude de Obama.
A batalha de Mossul traduziu-se em 265 dias de destruição, de um
imenso sofrimento da sua população, de mortos civis e militares de ambas as
partes, muitos resultantes de execuções sumárias pelos assassinos do Daesh (que
o senador Republicano John MacCain, hoje campeão da luta contra Trump,
acarinhou no seu início, tendo tido pelo menos uma reunião com o futuro “califa”,
agora morto num raide aéreo). Em Mossul registaram-se execuções sumárias pelo
Daesh mas em que as forças iraquianas participaram. Depois da reconquista da margem
esquerda do Tigre e da parte ocidental da cidade foi concluída agora a
reconquista da parte oriental da cidade, a mais populosa. Cerca de um milhão de
habitantes fugiu da cidade.
Os terroristas do Daesh recrutaram crianças como potenciais
combatentes, oferecendo, por isso, recompensas às famílias respectivas. No
processo de radicalização, usaram mecanismos que fizeram apelo ao entusiasmo
com a violência nessas crianças, acabando a personalidade destas formada num
protagonismo em tempos de guerra e influenciada por ideias extremistas, com
reflexos no futuro. Os mesmos efeitos se sentirão na reconquista progressiva de
cidades na Síria. Os processos de integração em novas sociedades serão
complexos e exigirão um acompanhamento por profissionais preparados para o
efeito. Mas não apenas com as crianças este acompanhamento terá que ocorrer.
O restabelecimento da normalidade de uma vida diferente nestes
territórios carece de reconstrução, realojamento, novas redes de água, gás
e electricidade, reconstrução de estradas, pontes e aeroportos, criação de
emprego, construção de novas escolas, hospitais e serviços de apoio social,
tribunais, polícia e a retoma e criação de uma nova actividade económica. Mas
também de tratamento e acompanhamento psicológicos e recriação de valores
éticos, morais, de convivência e de respeito de diferenças étnicas que a guerra
exacerbou.
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