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domingo, 9 de julho de 2017

O “PENTAVIRATO” DE TANCOS E AS VIRTUDES PERIGOSAS, por David Martelo, Coronel do Exército Reformado


Na guerra, o moral está
para o físico como três para um.
Napoleão Bonaparte

Após longos anos de debate nacional sobre economia e finanças públicas, o
desaparecimento de diversas munições, explosivos e outros artefactos militares do Paiol de
Tancos veio trazer para a ribalta mediática a situação das Forças Armadas (FA). E, como esse
debate nunca é feito com seriedade – isto é, na ausência de qualquer acontecimento anómalo –,
a falta de qualidade das intervenções tem sido inevitável. É que a inconveniente raridade com
que o tema FA emerge no primeiro plano do debate nacional faz com que os próprios
comentadores não-militares tenham notórias dificuldades em analisar com rigor tudo aquilo
que desagua nos noticiários. Ainda há poucos dias, num Telejornal da SIC, o jornalista de
serviço perguntava ao tenente-general Leonel de Carvalho se os responsáveis militares pelo
sucedido em Tancos, depois de concluídas as averiguações, seriam despedidos. Sim,
despedidos, sem aspas.
Felizmente, ainda há jornalistas que, podendo não ser muito conhecedores do
funcionamento das FA, utilizam a inteligência e os seus conhecimentos profissionais para
porem em evidência o grau de desinvestimento a que, desde há muitos anos, os sucessivos
governos têm sujeitado o aparelho militar nacional. Foi, justamente, o que fez Marco Capitão
Ferreira, no Expresso on-line de 5 de Julho, quando afirmou:

Se a dotação orçamental da Defesa Nacional tivesse acompanhado o movimento da despesa total do Estado, no período compreendido entre 1997 e 2011 (sim, mesmo antes do resgate a que estivemos sujeitos), esta teria atingido em 2011 um valor próximo dos 4,5 MME em vez dos cerca de 2 MME efectivamente realizados.














Essas restrições financeiras foram provocando, nas fileiras, uma espécie de luta pela
sobrevivência, que, desde o início da década de 1990, se expressava publicamente em discursos
de Dia da Unidade/Estabelecimento/Órgão. Nessas ocasiões, era raro o
Comandante/Director/Chefe que deixava de inserir na sua alocução às tropas uma frase deste
género: “apesar das sensíveis restrições orçamentais, não deixámos de cumprir a missão”. É
claro que essas proclamações expressavam a virtuosa mentalidade castrense de resistir aos
infortúnios da época, ao mesmo tempo que davam lustro ao seu próprio desempenho.
Mas dessa virtuosa postura retirava o Poder Político uma perversa conclusão: “podemos
ir cortando, que eles cumprem na mesma a missão”.
Como tudo tem limites, a certo ponto, a necessidade de satisfazer prioritariamente os
compromissos internacionais – onde se expunha a Bandeira e o prestígio da Pátria – criou a
péssima necessidade de deixar arruinar muitos aspectos das actividades de guarnição,
nomeadamente o cuidado com instalações e o funcionamento de órgãos sem carácter
operacional. Tudo isto, naturalmente, à custa de graves perdas ao nível do MORAL dos
militares. De recuo em recuo, foi-se mesmo ao ponto de deixar de cumprir aspectos
doutrinários fundamentais.
Foi o que sucedeu – assim parece, pelo menos, com os dados de que dispomos nesta
data – no que respeita à segurança dos Paióis de Tancos. Como é do conhecimento público, o
general Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), horas depois de se ter tido conhecimento
do furto de material de guerra, deu notícia da exoneração de 5 comandantes de unidade. Aos
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olhos dos nossos comentadores civis parece ter escapado o essencial da notícia: eram 5 –
responsáveis – 5 ! Como no dia anterior o líder da oposição tinha gritado “então e ninguém é
demitido!”, foi fácil concluir que a demissão dos “cinco” era uma resposta política... e das
boas. Mas escapou-lhes o principal. Alguns militares na reserva ou na reforma que foram
entrevistados nos últimos dias afloraram a questão de haver “cinco” responsáveis, estranhando
o inusitado da medida, mas contiveram-se piedosamente, pois havia algo mais a dizer. É que,
na verdade, estamos perante a violação de um dos mais sagrados princípios da arte da guerra –
o Princípio da Unidade de Comando.1
De facto – com os elementos até agora disponíveis –, a decisão do CEME permite
deduzir que a segurança dos paióis estava entregue a uma espécie de “pentavirato” de oficiais
superiores, um deles com sede em Tomar! Como se trata, claramente, de uma irregularidade
doutrinária no capítulo das estruturas de Comando, só a podemos entender como MEDIDA DE
EMERGÊNCIA. E, se assim for, importa saber de quem foi a decisão e qual a justificação
para a mesma. Talvez possamos, então, saber se, efectivamente, o fiasco de Tancos se deveu,
unicamente, ao desleixo apontado pelo general CEME.

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