Publicado na GlobalResearch em 21/01/2017,
E traduzido por Estátua de Sal, onde o fomos buscar, agradecidos
Nota: Este texto merece ser lido.
Nele se tenta perceber quais as orientações da nova administração dos EUA, não
em função da análise do carácter, da psicologia e dos discursos de Trump – que
é apenas aquilo que os nossos comentadores sabem fazer e a maioria das pessoas
sabe discutir, aderindo ou recusando -, mas sim em função dos profundos
interesses e confrontos de ordem geopolítica e geoeconómica que se estão degladiar.
Percam as ilusões aqueles que se ficam pela superfície das imagens e acham que
Trump não passa de um pateta alegre, ou de um doido varrido. Mas ainda que ele
o fosse, as gentes ocultas que o apoiam e comandam são tudo menos patetas ou
alucinados. Tal como as gentes, também ocultas, que o atacam e que farão tudo
para o destruir. Quem acha que a contenda principal é entre muros, piadas
sexistas, misogenia e outros atributos de Trump, desengane-se. É pena que ainda
tantos acreditem nisso.
Estátua de Sal, 23/01/2017
A era de Trump começa agora – com
uma série de episódios plenos de suspense, ligados à geopolítica e à geoeconomia,
iminentes e imprevisíveis.
Eu defendi que a estratégia de
oposição do guru de Trump para a política externa, Henry Kissinger, ao poderoso
trio de integração da Eurásia – Rússia, China e Irão – é uma mistura de dividir
para reinar; seduzir a Rússia, afastando-a da sua parceria estratégica com a
China, e acossar o elo mais fraco, o Irão.
Na verdade, é isso que está a
acontecer – como se vê pelas ofensivas dos membros escolhidos para o gabinete
de Trump durante suas audiências no Senado dos EUA. As fações dos EUA próximas
do Think Tankland, defensores da política de Nixon para a China projetada por
Kissinger, estão animadas com as possibilidades de contenção em relação a pelo
menos um desses poderes “potencialmente virado contra a América.” Kissinger e o
Dr. Zbig “Grande Xadrez” Brzezinski são as duas principais autonomeadas
sumidades ocidentais – mestres fantoches – que se disputam na área da
geopolítica. Em oposição a Kissinger, o mentor da política externa de Obama,
Brzezinski, fiel à sua russofobia, propôs uma lógica de dividir para reinar,
apostada na sedução da China.
No entanto, um influente homem de
negócios de Nova Iorque, muito próximo dos reais e discretos Mestres do
Universo, que previu corretamente a vitória de Trump semanas antes do fato,
depois de examinar o meu argumento ofereceu-me não só uma avaliação mordaz
dessas queridas sumidades; ele dispôs-se a detalhar-me como a nova normalidade
será estabelecida, tendo sido negociada pelos Mestres diretamente com Trump.
Vamos designá-lo por “X”.
A China em observação
ininterrupta
“X” começa por dizer algo que
aqueles que regularmente mantém ligações ao Deep State e que reverenciam os
seus ídolos, nunca ousam dizer, pelo menos em público: “É importante não
atribuir muita importância a Kissinger ou Brzezinski, pois eles são apenas
fachadas para aqueles que tomam as decisões e o seu trabalho é recobrir e
justificar as decisões com um refinamento de intelectualidade. O seu contributo
não vale nada. Eu uso os nomes deles de vez em quando pois não posso usar os
nomes daqueles que realmente tomam as decisões “. Está então aberto o caminho
para” X ” detalhar a nova normalidade:
“Trump foi eleito com o apoio dos Mestres para
se inclinar para a Rússia. Os Mestres têm os seus instrumentos nos media e no
Congresso mantendo uma campanha de difamação contra a Rússia, e têm o seu
boneco Brzezinski também a pregar contra a Rússia, afirmando que ‘a influência
global da América depende da cooperação com a China’. O objetivo é pressionar a
Rússia para ela cooperar, colocando essas fichas negociais na mesa de Trump. Em
termos de uma abordagem tradicional de polícia-bom, polícia-mau, Donald é retratado
como o polícia bom querendo boas relações com a Rússia, sendo o Congresso, os
media e Brzezinski os policias maus. Trata-se de ajudar Trump nas negociações
com a Rússia supondo que Putin, à medida que for vendo o seu amigo numa posição
mais ´precária´, estará disposto a fazer maiores concessões.”
E isso leva a explicar como é que
Taiwan – e o Japão – entram em cena:
“Donald mostrou a sua inclinação
para a Rússia conversando com os taiwaneses, de forma a demonstrar que a
mudança é a sério. Mas foi decidido fazer entrar o Japão na peça como sendo um
predador contra a indústria dos EUA, através de um ataque à Toyota, bem
merecido. Isso moderou a nossa posição já que os Mestres recearam que a
perceção de que estávamos a apoiar o Japão contra a China seria considerada uma
provocação excessiva “.
Por isso, espera-se que a China –
que “não tem demasiada importância”, como afirmou Kissinger – seja mantida sob
controlo ininterrupto:
“Os Mestres decidiram
reindustrializar os Estados Unidos e querem trazer de volta os postos de
trabalho da China. Isso é aconselhável do ponto de vista chinês; por que razões
devem eles vender seu trabalho aos EUA por um dólar que não tem valor
intrínseco, não recebendo realmente nada pelo seu trabalho. Cada trabalhador
chinês deve ter um carro na sua garagem e a China deve tornar-se num produtor
de carros maior do que a UE, EUA e Japão combinados, mantendo a sua riqueza no
seu próprio país “.
E porquê a China e não
a Rússia?
“A Rússia, no que toca a este
tema, é um país com muitos recursos naturais, com um gigantesco complexo
industrial militar (sendo este o único motivo pelo qual é secretamente respeitada),
mas está fora destas difíceis negociações, pois quase não exporta nada além de
recursos naturais e equipamentos militares. Os Mestres querem os empregos de
volta do México e da Ásia, incluindo do Japão, de Taiwan, etc., e isso é já
visível no ataque de Trump também ao Japão. A principal razão subjacente a esta
estratégia é que os EUA perderam o controlo dos mares e não podem defender os
seus destacamentos militares durante uma grande guerra. Esta é a realidade que
interessa ter em conta no momento presente e esta é a verdadeira história que
se desenrola nos bastidores. “
Em poucas palavras, “X” resume o
conteúdo da reversão de um ciclo econômico:
“Os Mestres ganharam dinheiro com a
transferência da indústria para a Ásia (A Bain Capital especializou-se nisso) e
Wall Street ganhou dinheiro com taxas de juro mais baixas sobre os dólares
reciclados dos défices comerciais. Mas agora, a questão é estratégica; eles
ganharão dinheiro de novo com o regresso das indústrias que reduzirão os seus
investimentos na Ásia devolvendo-os aos Estados Unidos, à medida que reconstruímos
a produção aqui “.
” X ” continua a ser um grande
admirador da estratégia de negócios de Henry Ford, e esse é o ponto que ele vai
usar para trazer à baila um tema crucial: a defesa nacional. De acordo com “X”:
“Ford dobrou os salários que pagou e ganhou
mais dinheiro do que qualquer outro fabricante. A razão é que um salário mínimo
mais elevado que permitiu à mulher ter muitos filhos, dependendo só do salário
do marido, foi psicologicamente bom para o aumento da produtividade nas suas
fábricas de automóveis, além de que permitiu aos próprios trabalhadores
comprar-lhe os seus carros. Desse modo ele reconheceu que numa sociedade deve
haver uma mais justa distribuição da riqueza, coisa que o seu admirador, Steve
Jobs, não pode fazer.
A produção em série e a
produtividade de Henry foi a maravilha que fez os Estados Unidos ganharem a
Segunda Guerra Mundial. A Amazon não contribui em nada para a defesa nacional,
sendo apenas um serviço de marketing na Internet baseado em programas de
computador, nem o Google que simplesmente organiza e fornece melhor os dados.
Nada disso constrói um míssil ou um submarino melhor, exceto de modo marginal.
“
É o Pentágono, estúpido
Então sim; tudo isto tem a ver
com a reorganização do poder militar dos EUA. “X” fez questão de se referir a
um relatório do CNAS (Centro para uma Nova Segurança Americana), que citei na
minha coluna inicial:
“É muito importante o que se depreende do
relatório. E é por isso que estamos em grande dificuldade por estarmos
tecnologicamente atrás da Rússia em várias gerações de armamento, o que vem na
sequência da afirmação de Brzezinski, que diz que já não somos uma potência global”.
Esta é uma análise completa e
abrangente de como a Rússia conseguiu organizar as melhores forças armadas do
mundo. E o relatório nem sequer leva ainda em conta o sistema de defesa de
mísseis S-500, que agora está sendo ultimado e que, sem dúvida, vai fechar por
completo a totalidade do espaço aéreo russo. E a próxima geração – S-600? –
Será ainda mais poderosa. “X” aventura-se mesmo no território tabu do Deep
State, referindo a forma como a Rússia, ao longo da última década, conseguiu
posicionar-se muito à frente dos EUA, “eclipsando-o como o poder militar mais
forte”. Mas a vantagem deles no jogo deve estar perto do fim – seja isso desejo
auto- realizável ou seja lá o que for:
“Esperamos que o Secretário de
Defesa James Mattis entenda isso e que o Secretário Adjunto de Defesa tenha as
competências técnicas, a capacidade organizacional e de previsão para entender
que as armas da III Guerra Mundial são mísseis ofensivos e defensivos, e
submarinos, e não poder aéreo, tanques e porta-aviões. “
Um realista, “X” admite que o
status quo neoconservador / neoliberal – representado pela maioria das fações
do Deep State dos EUA – nunca abandonará a postura padrão de hostilidade
incessante em relação à Rússia. Mas ele prefere concentrar-se na mudança:
“Deixe Tillerson reorganizar o Departamento de
Estado de acordo com a eficiência da Exxon. Ele pode ser válido nessa tarefa.
Ele e Mattis podem parecer falhos de coragem mas se você disser a verdade ao
Senado você nunca vai poder ser confirmado. Por isso, o que eles lá dizem não
significa nada. Mas veja o que se passou no caso da Líbia. A CIA tinha um
objetivo de empurrar a China para fora da África e por isso criou o AFRICOM
(Comando dos EUA para a África). Esse foi um dos segredos da nossa intervenção
na Líbia.”
Não que tal tenha tido sucesso; A
NATO / AFRICOM transformou a Líbia num terreno baldio dirigido por milícias, e
a China ainda não foi afastada do resto da África.
“X” também admite: “A Síria e o
Irão são linhas vermelhas para a Rússia. Assim como o é o leste da Ucrânia a
partir do Dnieper. “
Está também plenamente consciente
de que Moscovo não permitirá qualquer ameaça de mudança de regime em Teerão. E
está também ciente de que “os investimentos da China no petróleo e no gás
iraniano implicam que a China também não permitirá o derrube por Washington do
governo iraniano”.
As coisas vão tornar-se
complicadas no que toca à NATO; “X” está convencido de que a Rússia: “invadirá
a Roménia e a Polónia se os mísseis não forem retirados da Roménia e se o
compromisso de aceitação de mísseis pela Polónia não for rescindido. A questão
não são os mísseis defensivos não perigosos dos Estados Unidos, mas a
possibilidade de os substituir por mísseis nucleares ofensivos nesses silos. A
Rússia não tolerará esse risco. Esses mísseis não estarão sujeitos qualquer
negociação. “
Em contraste com a “perpétua
ameaça”, contínua propaganda do Partido da Guerra dos Estados Unidos, Moscovo
dá é atenção aos factos reais que ocorrem no terreno desde a década de 1990; a
rutura do histórico aliado eslavo, a Sérvia; a anexação pela NATO das nações do
Pacto de Varsóvia e até mesmo de ex-repúblicas da URSS, para não mencionar as
tentativas de incluir também a Geórgia e a Ucrânia; o apoio e a organização,
pelos EUA, de revoluções coloridas; o fiasco “Assad deve ir”, na tentativa de
mudança forçada do regime da Síria, incluindo inclusive o armamento de
Salafi-jihadis; as sanções económicas, a guerra de preços do petróleo e os
ataques ao rublo; o continuado assédio da NATO. “X”, plenamente consciente destes
factos, acrescenta:
“A Rússia sempre quis a paz. Mas eles não vão
jogar um jogo com os Mestres do Universo que apresentam Trump como o tipo bom e
o Congresso, CIA, etc., como o tipo mau, usando tal cenário como um estratagema
de negociação. É assim que eles veem a situação. Eles não acham que este circo
seja real. “
O circo pode ser apenas uma
ilusão. Ou uma wayang – uma espécie de teatro de fantoches indonésio – como eu
já sugeri. “X” avança uma interpretação nítida deste jogo de sombras do ponto
de vista de Moscovo, admitindo que “vão ser necessários vários meses para ver
se Putin pode aceitar negociar um desanuviamento com Trump que essencialmente
passará por uma Ucrânia oriental autónoma, um tratado de paz na Síria com Assad
no lugar, e uma retirada das forças da NATO, regressando esta à linha de defesa
que existia no tempo de Ronald Reagan. “Quem
prevalecerá; Os Mestres, ou o Deep State? Prepare-se para a colisão.
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