Se um dos argumentos para a adesão à CEE foi diminuir a inflação que em Portugal se tinha passado a situar nos dois dígitos, é agora a inflação na Alemanha num dígito apenas que tornará mais problemático o crescimento em Portugal por via do financiamento muito mais caro da economia com negativas repercussões na economia, no emprego e nas funções sociais do estado.
Há um mês, Mario Draghi tinha anunciado que em
2017, último ano de compra da dívida pública pelo BCE esta seria ainda reduzida
em 25% a partir de Abril.
E agora, o espectro de uma
subida das taxas de juro da dívida pública a dez anos no nosso país para mais
de 4% (Cavaco Silva admite mais) em
consequência da subida da inflação na Alemanha de 0.7% para 1,7% (para já,
porque irá subir ainda por efeito dos aumentos dos preços da energia nos de
outros bens e serviços) é o que temos no horizonte. Ferro Rodrigues referiu que as dificuldades começaram “já com esta
situação em que a vulnerabilidade de Portugal, do seu sistema financeiro, da
economia e da situação do país está bem à vista na subida das taxas de juro —
para as quais nada contribuímos”.
Foi a segunda vez que os
juros de Portugal superaram os 4% desde que começou o programa de compra de
dívidas (março de 2015).
António
Costa pretendeu meter água na fervura, dizendo que esta subida
é geral, que o governo acompanha a situação e que os mercados irão
progressivamente “percecionando a realidade da economia portuguesa,
designadamente no que respeita à execução orçamental, à redução da dívida
líquida e ao facto de termos um dos maiores saldos primários da União
Europeia”.
Se isso é assim, mais uma
razão para que governo e BCE evitem tais consequências para Portugal.
Porém, Edgar Caetano, responsável
pela análise de mercados de dívida do holandês Rabobank, e outro quadro
dirigente deste banco, em Londres, disseram ao Observador – todos, é claro, a deitar achas para a
fogueira da fuga dos investimentos - no passado sábado que: “ Portugal está
vulnerável quanto aos riscos "sistémicos" que assolam a Europa. E que
“as taxas de juro de Portugal no mercado superaram esta semana os 4% no prazo a
10 anos. É o valor mais elevado desde os dias tensos de Fevereiro do ano
passado, quando o governo discutia os planos orçamentais com Bruxelas, e
contrasta com os juros abaixo de 2% de Espanha e Itália”. E ainda que “há uma
perceção de risco latente que pode levar a que os investidores cada vez mais
considerem a dívida portuguesa demasiado arriscada, independentemente da
rendibilidade generosa”.
Não dramatizar, porquê?
Porque o BCE vai proteger Portugal, que foi o que mais sofreu com a imediata
especulação nos mercados? Em rigor não há indicações de que tal intervenção
venha a acontecer, devendo acentuar-se a tendência contrária quer no que
respeita ao valor da taxa de juro quer no que respeita às reduções de aquisição
da dívida pública por parte do BCE.
É ou não verdade que a perspectiva da “estagflação” que se
registou nos anos 70, na sequência do primeiro “choque petrolífero”, está a ser
considerada por alguns economistas? É verdade, mas não se pode concluir que
isso virá acontecer. Então o mundo capitalista defrontava uma situação,
aparentemente anormal, na Economia keinesiana, que foi a estagnação no
crescimento coincidir com a subida dos preços, de forma continuada. Nessa
altura os governos e os bancos elevaram as taxas directoras de uma forma muito
rápida e intensamente para evitar possíveis regressos de aumentos de preços,
mas penalizando a economia. Em 1994, a Reserva Federal dos EUA provocou assim
um craque mundial. Por outro lado, negligenciaram outra forma de inflação, já
não não sobre os preços dos produtos, de certos activos financeiros, tais como
imobiliário. A incompletude da união monetária promoveu, assim, a formação de
uma enorme bolha imobiliária em Espanha no ano 2000. Oito anos depois a explosão
registou-se de forma violenta, como todos estamos lembrados.
Ainda assim, as instituições
monetárias superaram a inflação. E, após a crise de 2008, é o oposto que se veio
a verificar com os preços se mantiveram baixos, o que os tem preocupado até
hoje. Por enquanto, o aumento dos preços das matérias-primas e a eleição do
novo presidente norte-americano Donald Trump permitem prever um aumento da
inflação. Enquanto, ao mesmo tempo, o crescimento global continua a ser
modesto. O retorno da estagflação ainda é perspectiva exagerada mas era um
cenário de pesadelo para os bancos.
Mas, antes de voltar à questão
das taxas de juros, importa referir o gangsterismo anunciado na passada semana
pela Comissão Europeia de três grandes bancos “de referência” – o Deutsche Bank, o RBS e o Societé Générale
- terem manipulado o índice Euribor que é a taxa de juro interbancária que
serve de referência a grande parte dos contratos financeiros firmados na
Europa.
Segundo o Jornal de Negócios
deste domingo, “os três bancos fazem parte de um grupo de sete [os restantes
gangsters foram o JP Morgan, o Crédit Suisse, o HSBC e o Barclays] que terão
actuado em conluio entre Setembro de 2005 e Maio de 2008 para manipular
elementos definidores do custo de derivados sobre a taxa de juro do euro, e
trocado informação relevante, no que constitui uma violação das regras
europeias de concorrência, avançou a Comissão Europeia, numa mensagem por
e-mail”. Segundo o jornal, os três bancos deram-se como culpados em Dezembro de
2013, pagando em conjunto 820 milhões de euros. O Barclays evitou a multa por
ter avisado a Comissão.
O
índice Euribor, alvo da manipulação que se estendeu também
ao Libor do Reino Unido, reflectem o custo dos empréstimos entre os bancos para
diferentes maturidades, isto é a curto médio e longo prazo, respectivamente até
1, 5 ou 10 anos.
Mas
antes de tudo isto, situação semelhante se passara no EUA, onde
importa registar o abandono, por parte da Fed, no final de 2015, das taxas de
juro próximas de zero, que causou sérios problemas às economias dos mercados
emergentes que têm grandes necessidades de financiamento internas e externas,
grandes quantidades de dívida em dólares, e fragilidades macroeconómicas e
políticas. E renovou a consideração da substituição do dólar como moeda de
referência. E que vários membros do comité de política monetária do banco
central norte-americano se pronunciaram na reunião de Setembro passado por uma
subida da taxa de juro "em breve", ao que a Wall Street reagiu
positivamente.
Como
os comunistas portugueses sublinharam no seu último congresso:
“A
integração de Portugal na CEE/União Europeia e na UEM foi e é um processo de
permanente confronto com as conquistas da Revolução de Abril e a Constituição
da República Portuguesa. Política de direita e integração capitalista europeia
são duas faces de uma mesma moeda. A ruptura com a política de direita e com as
imposições e constrangimentos da União Europeia – em que avultam no imediato o
Euro e a União Económica e Monetária – e a luta em defesa da soberania e
independência nacionais são elementos centrais da construção em Portugal de uma
alternativa política, patriótica e de esquerda.”
artigo originalmente publicado nesta mesma data em "abrilabril"
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