No que toca à resolução do BES, é hoje mais que evidente que não houve vontade política para travar o desaparecimento do banco verde. Com efeito, a 31 de julho de 2014 à noite, o Banco Central Europeu informa o Banco de Portugal que vai retirar o estatuto de contraparte ao BES, cortando-lhe a liquidez e obrigando-o a devolver de imediato os dez mil milhões de euros de financiamentos que Frankfurt tinha concedido ao banco verde. No fundo, o BCE testava pela primeira vez o modelo de resolução de um grande banco em crise na zona euro.
Ora nesse momento, se o Governo tivesse essa vontade política, teria dito a Bruxelas e a Frankfurt ser inadmissível esse ultimato. Por várias razões: em primeiro lugar, porque a administração responsável pela situação do banco tinha sido afastada; em segundo, porque à frente do banco estava agora Vítor Bento, um homem respeitado, competente, sério e da total confiança do Governo em geral e, em particular, do Ministério das Finanças e do Banco de Portugal; e em terceiro porque o país dispunha de uma linha de crédito, acordada no âmbito do acordo com a troika, no valor de 12 mil milhões de euros, dos quais 6 mil milhões estavam ainda disponíveis, para poder recapitalizar o BES, como tinha sido feito com o BCP e o BPI.
A Estátua  de Sal
Mas o primeiro-ministro entendeu não mexer uma palha para salvar o BES e a ministra das Finanças veio dizer depois no Parlamento que tinha explicado a Vítor Bento que «essa modalidade – a recapitalização através da linha da troika -, nesses exatos termos, já não existia». Pois se não existia «nesses exatos termos» existiria certamente noutros, se houvesse vontade política para tal. Mas não havia. O objetivo de Passos era liquidar o banco, símbolo daquilo que considerava (e considera) o pior da economia portuguesa. E assim aconteceu, aproveitando o inadmissível ultimato do BCE.
Que tudo foi uma surpresa para o governador Carlos Costa e para a administração do banco provam-no várias coisas. Não havia nome para o banco, não havia logótipo e ninguém estava a trabalhar na resolução do BES, nem o Banco de Portugal, nem Vítor Bento e a sua equipa – que, aliás, é forçado a aceitar o convite para, após o desaparecimento do BES, passar a ser o primeiro presidente do Novo Banco, o que apenas fez para garantir que a instituição tinha as portas abertas na segunda-feira seguinte, embora já nessa altura estivesse completamente consciente de que as condições do convite que lhe tinha sido feito para liderar o BES estavam já totalmente alteradas.
Como revela hoje Maria João Gago no «Jornal de Negócios», «não houve tempo para contratar ‘marketeers’ ou especialistas em ‘branding’. O primeiro logótipo do Novo Banco foi desenhado por um técnico responsável pelo site do BES». E acrescenta ainda que o primeiro nome que veio à cabeça de quem estava a enterrar o BES foi Novo Banco Português e que isso só não aconteceu porque as iniciais (NBP) seriam um trocadilho demasiado evidente com o BPN, um banco que também implodiu devido a fraudes que são um autêntico caso de polícia.
Depois, claro, foi a divisão atabalhoada dos ativos «bons» para um lado e os ativos «maus» para outro, o banco «mau», com declarações contraditórias, hesitações – e, a partir daí, com um cortejo de manifestações de quem perdeu o seu dinheiro no aumento de capital do BES e/ou nas aplicações em empresas do Grupo Espírito Santo, mas vendidas aos balcões do BES. Como é evidente, há muitos processos judiciais que estão a caminho, o maior dos quais será seguramente o da Goldman Sachs, no valor de 752,5 milhões de euros – e que provavelmente serão decididos em desfavor da instituição e que alguém terá de pagar, provavelmente os contribuintes…
Pelo meio, a comissão parlamentar de inquérito ao caso GES/BES foi perentória nas críticas ao Banco de Portugal, que terá atuado tardiamente e de forma ineficaz, além de durante vários meses, apesar de já dispor de informação sobre o que se passava no interior da área não financeira do grupo, não ter passado esses dados à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
Finalmente, o Novo Banco não nasceu do nada. O Estado teve de colocar 3900 milhões de euros no Fundo de Resolução, que por sua vez colocou 4900 milhões no banco. Sem esses montantes emprestados pelo Estado, o Novo Banco nunca teria visto a luz do dia. O que quer dizer que, com esses montantes, o BES poderia ainda hoje continuar a existir. E isto é mais uma prova que o Governo quis acabar com o BES e aproveitou a inadmissível chantagem do BCE para o fazer.
Quanto ao tema tão debatido que este processo não vai custar nada aos contribuintes é uma falácia. O que o vencedor do concurso pagar não será totalmente para liquidar este empréstimo público, antes devendo parte significativa ser canalizado para um aumento de capital de que o Novo Banco necessita. O que quer dizer que talvez sejam recuperados talvez dois mil milhões dos 3.900 milhões. O resto deverá ser suportado pelo Fundo de Resolução que é da responsabilidade dos outros bancos do sistema. Ou seja, teoricamente serão estes a pagar a diferença entre o que foi emprestado pelo Estado e o que será pago pelo vencedor da privatização. Há um pequeno problema: pelo menos dois dos mais importantes bancos do sistema – BCP e BPI – estão altamente fragilizados pela crise angolana, onde captam grande parte dos seus resultados, e enfrentam um crescimento muito lento do mercado português. O pagamento deste diferencial obrigá-los-ia a novos aumentos de capital, que não parecem estar em condições de suportar. E o mesmo se passa com a Caixa Geral de Depósitos, que o primeiro-ministro entendeu dizer em público que o preocupa, por não ter ainda pago as ajudas de 900 milhões que também recebeu. Perante isto, ou há um perdão encapotado desta dívida dos bancos – pagamento a 20 anos ou mais – ou o Estado assume mesmo parte do que ficar por pagar.
Voltemos ao princípio: um ano depois da morte do BES, há muitas explicações que estão por dar relativamente ao que se passou. E quanto ao futuro do Novo Banco, as interrogações são igualmente múltiplas